Vamos mesmo deixar que Portugal seja só deles?

Chegámos ao momento das grandes opções. É agora, neste ano de 2014, sem mais adiamentos ou hesitações, que teremos de escolher os nossos caminhos do futuro. A Justiça e todos os seus protagonistas não devem, nem podem, situar-se à margem desta opção de fundo.

[...]

Estou certo de que as magistraturas, bem como todas as profissões jurídicas, se encontram hoje plenamente convencidas de que só através de um espírito de entendimento e diálogo será possível colocar a Justiça ao serviço dos seus destinatários.

Espero, pois, que 2014 seja um ano em que prevaleça o compromisso e o consenso entre os agentes políticos e os operadores judiciários. Num ambiente de tensões, nunca haverá vencedores. Pelo contrário, num clima de abertura ao diálogo, todos irão ganhar. Acima de tudo, ganharão os Portugueses. É para eles que a Justiça existe, é em nome do povo que a Justiça é administrada.

Discurso do Presidente da República na Sessão Solene de Abertura do Ano Judicial

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O discurso de Cavaco é bom. Muito bom. Redondo. Redondo porque circular e redondo porque escorregadio. Limita-se a três mensagens simples:

– O Programa de Assistência Financeira veio por mão de um Governo que levou o País para uma situação de iminente colapso financeiro.

– O Governo seguinte assumiu esse fardo e, contra ventos e marés, salvou-nos do pior com miraculosa perfeição.

– Ainda não chegámos a bom porto, para tal temos de deixar o capitão continuar ao leme com a sua exclusiva carta de marear, pelo que a Justiça e todos os seus agentes devem colocar em primeiro lugar o interesse do Povo, de que esse capitão é o mais legítimo representante, em vez dos interesses que, noutras condições sem este carácter excepcional, estariam a defender.

A Justiça, portanto, não é superior aos “Portugueses”. A Justiça existe para servir os “Portugueses”. E, avisa esta espécie de Presidente da República, alguns “Portugueses” não querem cá perturbações no plano que têm para tratar dos restantes “Portugueses”.

Quando um dia se escrever a história do populismo português no século XXI, os discursos e decisões de Cavaco merecerão longos capítulos. O mais poderoso e antigo político no activo sempre cultivou um mal disfarçado asco pelo ambiente, cultura e fauna onde pretendia ser o primus inter pares. O avanço na hierarquia e na idade, a que acresce um ciclo onde passou a odiar um outro órgão de soberania ocupado por quem o conhecia de ginjeira e não lhe admitia pressões, permitiram-lhe ser crescentemente vocal na exposição de uma visão da sociedade e das instituições literalmente decadente, onde a classe política aparecia nas suas palavras como um antro de incompetentes e corruptos. Honra lhe seja feita, se há assunto onde a sua experiência lhe confira autoridade vivencial será mesmo esse dos incompetentes e corruptos, pelo que alguma coisa se aproveitará dos seus relambórios.

O caso Cavaco é um caso de psiquiatria ou, no mínimo, de psicologia, não de moral. A ânsia para ser reconhecido como um ser moralmente superior a todos os outros com quem se possa comparar – o tal “Para serem mais honestos do que eu têm que nascer duas vezes” que lhe saiu num momento de descontrolo emocional num debate – revela alguém para quem a identidade é construída sobre uma moral simbólica, não sobre uma ética prática. Nessa dinâmica, uma perversão ocorre: o sujeito, por se conceber identitariamente imaculado, permite-se cometer actos imorais por se considerar imune às suas consequências ou por se achar no direito a eles posto já ter garantido uma natureza que lhes é simbolicamente transcendente. Repare-se como Cavaco nunca emitiu qualquer juízo crítico acerca do BPN, o qual é só o maior caso de corrupção financeira na história da democracia, apesar de ele e a sua família estarem envolvidos directamente e serem uma das partes que lucrou com o que por lá foi roubado. O máximo a que chegou foi à imitação de Pilatos, dizendo que nada tinha a ver com o que os seus antigos companheiros de governação tinham feito depois de o Cavaquistão ter chegado (aparentemente) ao fim.

Onde não há psiquiatria que nos valha é nesta realidade política em que Cavaco está de braço dado com o Governo. As intenções de ambos são transparentes: os últimos defensores do Estado de direito, os juízes do Constitucional, devem render-se. Ir para o salão nobre do Supremo Tribunal de Justiça dizer isso na cara das mais altas figuras da Justiça não é nem mais nem menos aviltante do que ter ido para o Parlamento, também numa sessão solene, apelar à revolta da rua contra o Governo e aquela mesma Assembleia. Esta é a reacção – afinal, típica – de uma direita ressabiada, rancorosa e que ia morrendo de medo com a conjugação de um líder forte no PS e no Governo em simultâneo com o desabamento do seu império bancário e as crises económica e financeira internacionais.

Portugal também são eles e eles estão a lutar pelos seus interesses com as armas disponíveis antes de um confronto violento, vai sem discussão. Mas vamos mesmo deixar que Portugal seja só deles?

13 thoughts on “Vamos mesmo deixar que Portugal seja só deles?”

  1. estando a doença, ao que vem parecendo, perfeitamente controlada, a aposta terá de ser na saúde. mas está difícil. e para quem foi, e continua a ser, atacado pelos tais casos patológicos, a saúde parece uma miragem, moral simbólica, no nosso portugal. também o povo está a ficar assim – só quer enganar o próximo. o mercado de trabalho, então, está em uma escalada irracional do aflito. o que esperar quando o exemplo pulha vem de cima e do maior guardador de cabrões e pesadelos?

  2. Tocou-me especialmente a preocupação cavacal com a violação do segredo de justiça!Quando tudo que era pasquim escrito ou televisivo,esparramava diariamente processos,alegadamente no tal segredo e escutas telefónicas,este ilustre ficou-se nas tábuas,mudo e quedo.Agora que pouco haverá a dizer sobre o assunto,ou não estivesse no desgoverno quem infelizmente está,é que avança cos as preocupações.Ou o homem está com um atraso de três anos,ou anda por aí coisa que ele não quer que se saiba!

  3. Quem, desde ontem, analisou este discurso de Cavaco? Quem se interrogou sobre o que significa “compromisso e consenso entre os agentes políticos e os operadores judiciários”? Será que estes vão ter de ir primeiro perguntar aos “agentes políticos” se devem ou não investigar “isto e aquilo”, não aconteça os “os portugueses” sairem prejudicados? Como naquele incidente com o PGR de Angola? É isso, presidente Cavaco? E o Presidente do Supremo fica-se?
    Não sei o que cada um pensa e sente, perante esta arremetida avassaladora da direita mais retrógrada que eu podia imaginar e que está a tratar-nos como se fossemos um povo de imbecis. Pois penso e sinto que nos vamos todos ficar nas covas e esta merda só vai cair de podre. Para os quatro partidos da oposição que chamaram a troika contra Sócrates, agora estamos mesmos como eles queriam. Talvez apenas o BE esteja a reconhecer a tremenda asneira que fez, mas agora é tarde e ele próprio está desfazer-se com o País.

  4. Bem se vê que este fulano não tem um pingo de coragem para retirar consequências práticas do que diz, furtando-se a responder à questão que, no final, ele próprio coloca.

  5. val, boa analise.cavaco não é o capitaõ,mas o “banheiro” desta praia dentro do retangulo.só que há um problema,o banheiro não sabe nadar,e como tal quando alguem está em perigo socorre-se de outros com o argumento de que está com o estomago cheio!

  6. valerico é de facto um fino e astuto analista tipo dona-de-casa. Pega nos preconceitos acirrados e bafientos que vestiu como segunda pele e forma de viver, toma-os como expressão da realidade e vai daí opina que nem uma barata-tonta. Ao fim o que é que sobra? Sobra um masturbador político nato, a forma mais infértil e inócua da política nacional.

  7. “Sr. Cavaco, o senhor não tem direito de questionar quantas providências cautelares são colocadas, desde que obedeçam aos critérios legais em vigor. Quase todos sabemos do seu desconforto perante tudo que seja contrapoder absoluto. O senhor é um saudosista do passado, cínico e oportunista, se beneficia de um regime que odeia, mas que parasita em concubinato com a sua conhecida camarilha de ladrões, bandalhos e escroques. O senhor é uma das maiores nódoas negras da democracia, um tumor purulento que agrega à sua volta, do pior que a sociedade comporta. Os ( maus ) exemplos dados pelos seus apaniguados e protegidos são tantos, que a dificuldade está em hierarquizá-los. Lamento dizer-lhe, mas o senhor não tem um pingo de dignidade e vergonha.” – Mobydick, certeiramente in secção de comentários da notícia do DN acerca das críticas do cavaco, no discurso de abertura do ano judicial, ao recurso a providências cautelares.

  8. quero acrescentar que o valérico é um pulha, um cobarde, um artista da retórica, um traidor, um cobarde, um cavaco virado do avesso.

  9. “Repare-se como Cavaco nunca emitiu qualquer juízo crítico acerca do BPN, o qual é só o maior caso de corrupção financeira na história da democracia, apesar de ele e a sua família estarem envolvidos directamente e serem uma das partes que lucrou com o que por lá foi roubado.”

    Val, este seu § é o núcleo do medo que Cavaco teve – e tem – de que seja posto a nú o envolvimento que teve em todas as negociatas do “seu banco BNP”, bem como dos “prémios” que deu e continua a dar ao seu “inner circle” – ex. a nomeação tardia de Rui Machete para MNE…
    Cavaco é realmente o cabeça de lista da direita manhosa e rancorosa que sobreviveu com ele e que está na rampa de lançamento para novo ciclo de poder, porque infelizmente não temos uma população capaz de reagir a o cerco montado. E – também infelizmente – as esquerdas continuam com os seus esquemas primários, estupidamente divididas, mergulhadas nos reflexos dos seus próprios espelhos…!

  10. Ele é um apenas um esboço de “espécie de presidente”.
    Ficaremos a saber mais – nunca a verdade – quando arrotar o Roteiro deste período!

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