Um gozo do caralho


Por Luís Monteiro

Não faço a menor ideia do que a sociedade – aliás, a comunidade – fará com este documento. O mais certo é nada fazer. Mas o documento existe. Ei-lo. Podemos revê-lo as vezes que quisermos. E a cada vez, com garantia absoluta, a primeira impressão adensa-se, solidifica, até que cristaliza. Só que não acaba aí a metamorfose. O cristal vai-se purificando. Infinitamente.

Passos Coelho trouxe para a prática governativa algo que não conhecemos a outros primeiros-ministros; excepção feita ao Pinheiro de Azevedo e exemplo este que não é análogo, só paralelo. Trata-se da voluntária manifestação de ordinarice. Por isso os exemplos não são equivalentes, pois enquanto em Pinheiro de Azevedo esse registo surgiu como emanação natural da cultura castrense e em contexto histórico e político incomparável, em Passos a inclusão de vernáculo e tabuísmos é feita de forma intencional. Dir-se-ia que é feita de forma sistemática, como se tivesse sido planeada com detalhe e seguida com zelo.

Analisar essa prática e reflectir sobre o seu significado é tarefa que poderia ocupar uma, ou mais do que uma, das tais equipas multidisciplinares com que Passos pretende descobrir como é que se fazem bebés. Para nós, a urgência está em simplesmente ver, em sentir. Quem é esta pessoa que numa ocasião duplamente solene, discursando como presidente do Partido e como chefe do Governo, se permite sorrir, se não mesmo rir, com a ideia de que os seus concidadãos estão a sofrer por causa das suas decisões? Há aqui algo nunca antes visto aquém-fronteiras.

A imagem da pancada é uma ilustração luminosa da retórica que os falcões que rodearam Passos Coelho a partir de 2010 foram anunciando como a única via de salvação para Portugal. O País teria de ser sovado brutalmente, ou isso ou o abismo. Logicamente, há que embrulhar a violência numa desculpa, e a desculpa era a de sermos madraços, e estróinas, de não trabalharmos, de gastarmos acima das nossas possibilidades, de colocarmos corruptos na governação (curiosamente pertencendo todos ao PS), de esbanjarmos dinheiro com pobres e com velhos, de metermos o pilim em escolas do Estado em vez de o darmos às escolas privadas, de não produzirmos como os alemães por causa dos feriados, de termos o ar condicionado ligado quando bastava tirar as gravatas e de vermos ministros a viajar em 1ª classe na TAP quando o necessário para o equilíbrio das contas públicas era que fossem de comboio ou à boleia.

Passos, à beira de desatar à gargalhada, concebe excitado a população a ser espancada e a sofrer cada vez mais à medida que a sova continua imparável. Convenhamos que a imagem adequa-se e apenas peca por defeito. Não será possível calcular as consequências em sofrimento, indignidade e mortes que o chumbo do PEC IV e a receita do além-troika causou e vai continuar a causar. Mas tudo ganha sentido se acabarmos por aceitar a evidência: só um psicopata deste calibre poderia oferecer-se entusiasmado para a tareia – um trabalho que lhe dá um gozo do caralho.

10 thoughts on “Um gozo do caralho”

  1. Tenho a convicção de que o Estado foi assaltado por um grupo organizado de bandidos que se fizeram passar por gente séria para conseguirem os votos necessários para lá chegar. Não se espera da gatunagem que sejam sofisticados ou sequer educados. É mesmo assim que eles são e até já nem precisam de fazer de conta.

  2. Embora eu não tenha atingido a ideia nem do Valupi, nem do Passos nem do tal de Luís Monteiro, mas isso do não entender é culpa minha, não podia falhar a esta leitura com um título ao meu nível.

  3. Rural, não te preocupes. Respira fundo e vai dar milho aos pombos para descontraíres um bocadinho. Também não se pode entender tudo, ó pá.

  4. Olhar para o fácies deste energúmeno que se afirma condoído quando tem de tomar medidas que afetam o seu semelhante, é esclarecedor q.b. para qualquer um que tenha dois dedos de testa livres de ornamentos.

  5. Tudo ficaria muito bem esclarecido se, há sempre um se,
    o mesmo se diz do mas, algum dos intrépidos jornalistas
    de investigação dos orgãos de comunicação social que
    valorizam aprofundar os princípios e anteriores experiên-
    cias, de hábitos, estudos, obras, do cavalheiro em foco do
    mesmo modo, que foi feito ao anterior P. Ministro!
    Quando se faz uma repescagem tão rápida do facilitador
    relvas, sem dar cavaco aos integrantes dos orgãos de dire-
    ção da colectividade … está tudo dito!
    Prontos será uma questão de mais ou menos pancada no
    lombo dos mesmos porque, falar de Reforma do Estado é
    conversa da treta porque, a partidocracia dado o baixo ní-
    vel a que chegou, foge do assunto como o diabo foge da
    cruz! Reduzir 20% das Câmaras, reduzir 30% dos deputa-
    dos, mudar para um regime presidencialista seria poupar
    os 600 milhões que o Pilatos de Belém nos custa, etc. etc.!!!

  6. Começo a não ficar surpreendido com tiradas destas. Só se tem o descaramento para chegar a tanta desfaçatez, quando se sabe estar perante um povo que tudo aguenta e não tuje nem muje. Como sabemos, é frequente ouvirmos em jovens universitários do nosso país dizer que gostam de ser praxados com baldes de merda pela cabeça abaixo. Está aqui o busilis da questão: estes governantes pensam que todos não somos mais que uns masoquistas que, não só não se importam, como até gostam de levar porrada e ser violentados. Parece-me haver aqui uma questão de causa/efeito. Pobre país!

  7. “Quando se começa a levar alguma trancada, as primeiras , que podem ser as mais fortes, não são forçosamente as que doem mais.”

    Acho de muito mau gosto trazer para um congresso partidário a sua experiência sexual pessoal.

  8. @Passos Coelho
    “Quando se começa a levar alguma pancada, as primeiras, que podem ser as mais fortes, não são necessariamente as que doem mais”.

    Passos terá aprendido esta pérola do “conhecimento permanente” enquando a “pancada” era servida à Fátima Padinha.

    O que tem Cavaco Silva a dizer a mais esta vulgar ordinarice do seu indigitado, que todos já percebemos onde (e como) a aprendeu? Em qualquer democracia que se preze, um primeiro-ministro que ofendesse, com tamanha vulgaridade, o povo que o elegeu, era sumariamente demitido. Um primeiro-ministro destes não poderia continuar em funções.

    Digo bem: poderia. Mas no regime “uma maioria, um governo, um Cavaco Silva”, pode…

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