Tratar com justiça a Justiça

O último Expresso da Meia-Noite foi fértil em informações com proveito público. Eis algumas:

– Que os jornalistas responsáveis pelo programa, presentes em estúdio, promovem entusiasmados o tal slôgane do “acabou a impunidade”, criado por uma ministra da Justiça que o usou para atacar adversários políticos a partir de matérias judiciais, e o qual voltou a ter gasto caudaloso para continuar a usar a Justiça para a luta política tendo Joana Marques Vidal como arma de arremesso contra o PS.

– Que o juiz convidado, acumulando com ser secretário-geral da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, declarou ser-lhe inconcebível que Pinto Monteiro tenha impedido ou condicionado qualquer investigação no Ministério Público dada a sua estrutura e procedimentos.

– Que o mano Costa reagiu como um alarve quando Maria José Morgado lhe disse que ele fez um trabalho jornalístico deturpado no processo Melancia.

– Que Marinho e Pinto foi o único a relacionar o aparecimento dos casos mais mediáticos na Justiça com as alterações legislativas que deram mais poderes à investigação (é ver quem e quando esteve na origem dessas novas leis), não sendo o efeito de um qualquer voluntarismo, ou santidade, de fulano ou beltrana.

– Que Marinho e Pinto foi o único a relacionar a violação do segredo de justiça e o uso da comunicação social como estratégia para influenciar e pressionar magistrados e penas.

– Que Marinho e Pinto foi o único a lembrar os actos suspeitos de Cavaco na sua relação com a SLN como exemplo de duplo critério no Ministério Público quando comparado com a “Operação Marquês”.

– Que Marinho e Pinto foi o único a denunciar a perseguição judicial (ou seja, política) a Sócrates por ter sido detido e preso para ser investigado, não havendo ao tempo qualquer ideia acerca dos actos de eventual corrupção que pudessem estar em causa.

– Que Maria José Morgado é uma figura fascinante, na exacta medida do que diz e do que cala.

Quem sabe, talvez um dia a Justiça consiga ser tratada na imprensa com o rigor e a coragem que merece.

2 thoughts on “Tratar com justiça a Justiça”

  1. Ola,

    Bom, vejo que, afinal, sempre começaste a compreender que existe uma diferença entre “Justiça” e “justiça”. Com a minha proverbial megalomania, vou considerar isto um tributo à minha insistência nesta tecla. Acho, no entanto, que devias levar o teu esforço um bocado mais longe. Compreenderias que o objecto do programa, e aquilo de que fala a MJM, é a “justiça”, a administração da “justiça” (sem maiuscula). Não é nenhum absoluto ideal regenerador de onde ha de vir a solução de todos os nossos males. Mas também não é negligenciavel. Antes pelo contrario, é uma coisa preciosa e mesmo fundamental numa democracia liberal. Se fizesses esse esforço, terias varias recompensas concretas, imediatas e, embora não inteiramente satisfatorias, ainda assim importantes. Por exemplo, nas partes que ouvi, tanto a MJM como o outro magistrado lembraram claramente o obvio : a violação do sigilo é crime e nenhum magistrado pode (ou antes deve,) considerar que se trata de uma ninharia.

    Compreenderias também que no titulo do teu post esta implicita uma expectativa irrealista, que curiosamente depositas no trabalho da comunicação social (mais do que da “imprensa”, uma vez que estamos a falar de um programa de televisão). Aquilo por que dizes ansiar, em conclusão do teu post, é uma quimera. Não porque a comunicação social não tenha acesso à “Justiça”, à “Verdade” ou à “Salvação”. Não duvido que tenha. Mas tem o mesmissimo acesso a estas realidades do que o cinema, a literatura, a poesia e as postas do Aspirina B. No fundo, serve aos utentes a “Verdade” e a “Justiça” que eles se encontram subjectivamente dispostos a ouvir. A “justiça” dos magistrados, dos procuradores e dos advogados não se pode dar a esse luxo. Isto faz toda a diferença.

    O que é curioso é que, ao colocares a “Justiça” à frente da “justiça”, tal como o inenarravel ex-bastonario (vergonha…), um jornalista extraviado por sinal, o que não é um acaso, e ao virares-te para os jornais e para a televisão para obter aquilo que, normalmente, e numa sociedade democratica e liberal amadurecida, se pede aos tribunais, incorres no erro que esta precisamente na origem de TODOS os males de que te queixas ao longo dos dias.

    A instrumentalização da justiça existe, infleizmente, não nas proporções que julgas, mas provavelmente em proporções que justificam alarme. A intrumentalização da justiça é inaceitavel e deve ser combatida, nos seus efeitos como nas suas causas.

    Acontece que a principal causa da intrumentalização da justiça, é existirem muitas pessoas, porventura uma maioria (infelizmente), capazes de “analises” como a do post que esta aqui em cima…

    Boas

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