Devemos comprar produtos que sejam fabricados através do trabalho infantil? Era interessante conhecer a percentagem de respostas positivas e negativas a esta pergunta em Portugal. Sem essa informação, o mero bom senso diz que a enormíssima maioria responderia convictamente “não” e apoiaria medidas que impedissem esses produtos de serem comercializados, assim como medidas que acabassem com essa exploração chocante e absolutamente inaceitável para os actuais critérios das democracias constitucionais. Parece consensual a imediata e geral reprovação, e até repulsa, face a essas notícias.
Aceitaríamos que os mais pobres fossem obrigados a viver em campos de concentração longe das cidades, e donde só pudessem sair quando alguém lhes garantisse emprego ou sustento, doutra maneira ficando condenados a permanecer lá, com pouco mais de pão e água, até morrerem? Quase ninguém declararia em público a sua adesão a esta grotesca ideia. Porém, podemos admitir que ela tenha potencial para ser vocalizada em certos contextos de desumanização.
Entraríamos num café ou numa mercearia como clientes sabendo que iríamos ser atendidos por uma pessoa vítima de escravidão laboral e de tortura? Talvez neste exemplo, por nos levar para uma imaginada situação de proximidade física, a resposta unânime – excluindo défices cognitivos patológicos e estados alterados de consciência – seja um incrédulo “não”. Incrédulo porque não acreditamos que tal viesse realmente a acontecer no meio onde nascemos e habitamos.
Este exercício inicial para falar do Rui Rio. O actual presidente do PSD fez um acordo com um partido que reúne ideias e indivíduos alinhados pela intenção de cometerem diferentes tipos de abusos e violências através do selectivo desprezo dos direitos humanos e dos princípios e valores que temos consagrados na Constituição. Não só se mostrou disponível para tal logo em Julho, não só chegou a acordo na primeira oportunidade política, como depois se lançou para a defesa do tal partido com quem quer fazer caminho eleitoral de braço dado e chegar ao triunfo de formar Governo.
A forma como Rio defende o Chega leva-nos para os exemplos acima. É como se nos dissesse que comprou um produto de uma empresa que recorre ao trabalho infantil mas que não há mal nisso pois o produto comprado foi produzido por adultos, os outros produtos dessa mesma empresa é que têm problemas. É como se nos dissesse que aceita que alguns pobres sejam levados para um campo de concentração mas só aqueles que assinem voluntariamente um documento a permitir o tratamento que lá irão receber. É como se nos dissesse que está disposto a entrar no café e na mercearia onde há um trabalhador sujeito à escravidão e à tortura mas que o faz apenas quando ele está ausente para que não o possam acusar a si de cumplicidade com a situação.
O espectáculo de Rui Rio a berrar que nenhum dos quatro compromissos que firmou com André Ventura para os Açores é fascista, e a forma como usou o Twitter para uma calhorda tentativa de humor com a mesma lógica, mostra imoralidade desbocada, ignara, soberba. Com o mesmo argumento poderá assinar acordos com organizações que defendam qualquer barbaridade e a tentem realizar. Pode chegar a acordo com supremacistas brancos ou amarelos, com assassinos de semitas ou de árabes, com misóginos e misantropos. Vale tudo desde que eles se “moderem”. E para eles se moderarem basta que, como clama um Fernando da Silva mergulhado na miséria moral, o presidente do PSD continue a poder agitar o cheque em branco que passou nos Açores enquanto exige mauzão que lhe digam onde é que há nesse papel uma pinta de fascismo.
E o Tribunal Constitucional que aceitou a criação do Chega?
“E o Tribunal Constitucional que aceitou a criação do Chega?”
yah… meu. aceitam perús & transferências de presunto.
a caixa das assinaturas levava um cartão do passos e o cavaco deu uma telefonadela ao senhor que põe os carimbos na certidão.
O Tribunal Constitucional, se aceitou o Chega, foi porque nada viu de inconstitucional nos papéis apresentados. Está certo. As leis não têm a capacidade de acabar com os aldrabões e suas aldrabices, apenas de punir ambos quando tal se torna possível à luz da Lei.
Não é o sistema mais eficaz para evitar o crime mas é o melhor que se conseguiu arranjar depois de muitos milhares de anos a pensar no assunto.
os cidadãos comuns têm de aceitar os “injustamente estigmatizados” no seu seio e sustentá-los e bico calado , mas os políticos ai aia ai jasus que vem aí o lobo. cresçam.