Sarmento, I love you

[Morais Sarmento discorrendo acerca da entrevista de Manuel Alegre] Portanto, estamos num esquerda-direita clássico, parece que estamos em Auschwitz outra vez… aaaaaaaaaah… aaaaah… pe-peço desculpa… aah… Temos um esquerda-direita clássico… Não é Auschwitz, como é evidente pelo que queria dizer… Estava a falar das Guerras Napoleónicas e… Portanto, nós temos um esquerda-direita outra vez clássico, que eu acho que não faz nenhum sentido. […]

Fonte, minuto 20.48

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Depois do rapto do alegrismo para Auschwitz, houve uns bons 5 segundos em que eu e o Francisco Assis fizemos um sincero esforço para encontrar a Pedra de Roseta que nos retirasse do desamparo em que Sarmento nos tinha deixado. Revimos em milissegundos o que sabíamos da História do Século XX, procurando indícios para a descodificação do comparativo. Revimos e voltámos a rever as temáticas da Segunda Guerra e contextos ideológicos, fizemos reuniões e seminários, até vasculhámos a literatura relativa ao Priorado de Sião, que 5 segundos é meia eternidade neuronal. Nada, Sarmento estava a ganhar com uma referência críptica que ameaçava a nossa estabilidade emocional e a reduzida auto-estima; tal a boa-fé e ingenuidade que nos habita. Vá lá que o Nuno foi misericordioso e acedeu a explicar que elaborava a respeito do trombeiro da Córsega. Escapámos, desta vez.

Quem se lembrou de pôr o Sarmento a debater com Santos Silva, no extinto Cara a Cara da TVI24, fez-lhe uma grande maldade. O homem ia para lá apavorado, e com toda a razão. Um dos momentos mais hilariantes desse programa, de tantos, aconteceu quando Sarmento encheu a peitaça em matérias educativas, ufano por ter apanhado o terrível Ministro num disparate do camandro: ter dito que o 9º ano de escolaridade pertencia ao Ensino Básico. Para Sarmento foi um fartote, olhava para o adversário com o gozo e paternalismo dos olímpicos. Santos Silva tentou explicar-lhe de que modo se organizam os ciclos de ensino no sistema português, mas o seu interlocutor não pareceu convencido. Eram muitos anos a ouvir falar no 9º como gloriosa meta da escolaridade obrigatória, aquilo de básico não devia ter nada. É esta a qualidade da peça, pelo que vai sofrer menos com o Assis. Mas há uma reflexão a fazer, pois o cromo continua a ter antena e até surge listado como candidato à presidência do PSD nas eleições anuais que o partido costuma organizar para diversão dos militantes. A sua notoriedade não advém de um acaso, bizarria ou imposição de poderes ocultos, antes é o natural reflexo do capital humano do PSD. Ele representa a sociologia dos dirigentes sociais-democratas. Se o povoléu frequentasse os meandros partidários à direita, veria que Sarmento não é a excepção, apenas se revela um bocadinho mais desajeitado, mais chunga, na oralidade. Contudo, o chinelo armado em sapato de camurça é a regra nos quadros do PSD e CDS – como se observa há décadas em Santana, Portas, mesmo no aristocrático Marcelo, por exemplo. Pantomineiros de vocação.

Há um louvor para lhe entregar, sejamos justos. É que para o final do programa voltou à carga contra os russos, mas desta vez em ordem a pedir ajuda ao Assis:

Sarmento – Francisco Assis, faça, desfaça-me, ajude-me aqui numa… Eu ’tou, eu ’tou, desde que há pouco referi erradamente o nome, à procura do nome da batalha às portas de Viena de Áustria, que Napoleão ganha atravessando o rio…

Assis – Austerlitz.

Sarmento – Eh!.. hehe… Muito obrigado!… Às vezes escapa…

O alívio que sentiu é uma perturbadora réplica da expressão gravada por Bernini para o êxtase de Santa Teresa de Ávila:

Mística napoleónica versus mística carmelita

Conclusão: Morais Sarmento é um bacano, um tipo que não se envergonha e até pede ajuda ao adversário político. Se outros lhe seguirem o exemplo, vamos sair da crise envoltos na glória com que Bonaparte entrou em Viena.

6 thoughts on “Sarmento, I love you”

  1. Val, ontem roubaram-me a mala de mão, com telemóvel, chaves, todos os documentos, desde o BI à carta de condução, seguro do carro…Enfim tudo o que hoje é documentação individual…! Portanto, estou, claro, furiosa, já que não me resta outra reação mais inteligente.
    Ao que vem esta minha nota? É que esta sua análise do dito Sarmento fez-me rir até às lágrimas e recuperar o meu sentido de humor. Essa de o alivio do “pobre” Sarmento ser comparado ao da expressão de Sta Teresa de Ávila, no registo do artista baroco é de Mestre!

  2. Grande V. Nunca teve um lapsus . Mesmo axssim este lapsus não tem o mesmo elán de ” fazer de portugal um país mais pobre”. não tenho tempo para procurar o link , mas deve ser dos videos mais vistos , aquele onde Socrátes diz aquilo para o que veio.

  3. e , ao menos , o Sarmento lá sabe que esquerda e direita tem a ver com revolução francesa e os lugares ao lado do rei. o teu querido? duvido.

  4. Este mf também deve ser precioso, estilo miúfa.

    Mas o Sarmento. Não nos podemos esquecer que ele chamou uma vez peripatético ao Santos Silva. Com cara de pato Donald, nem sequer reparou que o dito estava sentado. Também tem bons mestres, que nunca corrigem o lapso. Por exemplo o conspirador do Verão passado contra S.Bento. Certa vez disse que Thomas Mann tinha escrito a Utopia. E quem sabe? Não haverá uma arca do progenitor de Hans Castorp em que amareleça a dita Utopia? O Doutor Fausto quantos autores já seduziu?

    Acho que Assis fará boa figura. Mas alguém lhe podia lembrar que “ir de encontro a” (o que pressupõe inevitavelmente um encontrão) é o oposto de “ir ao encontro de” (o que pressupõe convergencia). É uma frase que usa muito.

  5. Maria da Guia, espero que os documentos aparecem. E é tramado ficar sem o telemóvel, tão pessoal que esse objecto se tornou por conter a agenda e os registos da nossa privacidade. Enfim, que todo o mal seja esse, colhe recuperar este consolo.
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    mf, como bem dizes, isso não é um lapso, trata-se do plano do diabo que nos desgoverna. Ainda por cima, desconheces essas coisas que tu e o Sarmento conhecem, é a desgraça total.
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    cidadão presente, bem verdade, também já o tinha apanhado com esse desencontrão.
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    Francisco, sim, ele é muito cómico. Mas o partido dele, também.

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