Professor Marcelo dá uma lição sobre a Operação Marquês

De facto, deu foi sobre o processo e julgamento do Face Oculta. Mas tudo o que ali disse, inclusive o que não disse e podia ter dito, se aplica mutatis mutandis à Operação Marquês:

Ainda antes de irmos às palavras, registe-se o que a sua expressão corporal e emocional transmite. Marcelo está divertido, satisfeito, até pícaro, a discorrer sobre o que ele próprio garante ser uma extraordinária anomalia judicial. Não há vestígios da gravitas própria a um celebérrimo lente de direito nem de decoro inerente ao futuro estadista que se queira digno. E é fácil e rápido perceber porquê: o gozo de ver Vara, Sócrates e o PS sofrerem inaudito castigo através de um tribunal era irreprimível. Gozo aumentado até ao seu pináculo porque a ocasião lhe permitiu legitimar aquilo que ele próprio descreveu como uma aberração, dando-se ao luxo de oferecer exemplos comparativos para assim desfazer qualquer dúvida. A condenação de Vara a 5 anos de prisão efectiva por tráfico de influência, alegando-se ter recebido 25 mil euros que o Ministério Público não conseguiu provar ter-lhe chegado ao bolso, e fazendo dele o primeiro condenado por esse crime com tal pena, só se explica pela política, deixou a cinzento Marcelo. Tratou-se de um processo político, que levou a um julgamento político e que gerou uma prisão política. Daí o seu triplo gozo, gozo que jamais mostraria se a vítima fosse da sua gente.

Os argumentos usados por Marcelo para branquear o julgamento político são da mais canalha ironia. O primeiro é o do reconhecer que os juízes podem ser influenciados pela “opinião pública”. Opinião pública, explicitou, que já tinha condenado Vara e que exigia cabeças cortadas. Logo, os juízes, coitados, tiveram de satisfazer o clamor da populaça. Porém, Marcelo não teve tempo para nos dizer como é que se formou essa opinião pública que verga juízes. Terá sido por ter acompanhado o julgamento antes dele ter acontecido? Sim, é a resposta. O julgamento antes do julgamento tinha sido feito nos impérios de comunicação da direita, no sensacionalismo e na indústria da calúnia, coisa que o Professor achou melhor manter debaixo do tapete. O segundo argumento consistiu em sugerir que Vara, por azar, tinha sido apanhado numa alteração tectónica no edifício da Justiça, onde poderíamos estar perante o aumento das penas em crimes contra o património por comparação com crimes contra a integridade física, até então os mais fortemente penalizados. Todavia, era preciso esperar por outros casos para se poder aferir com mais certezas se estávamos face a uma tendência ou se tinha ocorrido uma excepção. Obviamente, a data em que tal balanço pudesse ser feito não foi indicada mas depreende-se que seria tarefa para décadas de espera. Com esta refinada pulhice de jurisconsulto, Marcelo selava risonho a sua aprovação ao que tinham feito a Vara – assim representando a oligarquia, a direita e todos os que se calaram (que foram todos na sociedade portuguesa, exceptuando o advogado de Vara que não conta).

A relação do Face Oculta com a Operação Marquês ocorre em tantos níveis quantos aqueles que se queiram investigar e expor. Na comunicação social e na política ninguém o faz por diferentes mas complementares razões. A direita porque explora essa tremenda vantagem de poder ter magistrados e jornalistas criminosos a combater politicamente o PS, dominando plenamente o terreno onde se molda a “opinião pública”. O PS por não poder responder aos ataques directamente dada a sua posição de fragilidade, onde qualquer reacção que não pareça capitulação (do género “Sócrates luta por aquilo que acredita ser a sua verdade”) só leva ao aumento do bombardeamento e dos alvos a ele sujeitos. E a esquerda porque também acha que ganha com o desgaste e emporcalhamento do PS. Mas, após o dia 9 de Abril, qualquer um está munido para fazer em casa, no carro ou na esplanada essa relação entre os dois processos com a marca Vidal. Basta pensar como é que Ivo Rosa teria julgado o Face Oculta, e depois pensar nos princípios em que ele se fundamentaria para chegar às suas decisões. Imediatamente se conclui que a condenação de Vara não aconteceria ou que, a acontecer, seria no máximo para pena suspensa. Porquê? Porque é o que se fez em todos os outros casos similares, sendo Vara, até hoje, caso único na Justiça pela violência extrema da pena dado o alegado móbil e por ela ter sido aplicada só com prova indirecta.

Como disse há dias o Presidente da República em frente a “Jovens e Capitães“, “tudo é política.” No caso do Face Oculta, e da condenação absurda e desumana do sucateiro e de Vara, tudo isso é, profunda e inevitavelmente, política. Da mais sórdida e cobarde que já se viu fazer no Estado de direito democrático nascido do 25 de Abril. E que, por maioria de razão e em frenesim bacante de ódio, se quer repetir na Operação Marquês.

11 thoughts on “Professor Marcelo dá uma lição sobre a Operação Marquês”

  1. Pois é! Só que os socialistas, as cabeças pensantes do Partido e que têm voz pública, nunca mais aprendem. Gostam de ver alguns dos seus irem sendo flagelados, um a um, na praça pública, onde este estado justicialista os vai fritando e, demarcando-se, ainda apoiam e aplaudem os verdugos. A narrativa foi-se impondo com o seu próprio aplauso. Pensam que assim beneficiarão da compreensão e piedade destes e poderão assim continuar entre os pingos da chuva. Até ao dia em que deixarão de ter interesse e utilidade para os “bons e verdadeiros democratas” e para a “democracia” musculada que os Venturas venham a impor. Nessa altura, por muito que esperneiem e gritem, ninguém mexerá uma palha para lhes valer.
    O mesmo acabará por acontecer à esquerda radical que também aplaude esta bagunça e muito gosta de acrescentar umas achas para a fogueira que vai queimando os socialistas.

  2. Creio que ainda não vimos nada. Deixem chegar aos 6 meses de investidura , com a pandemia controlada/estabilizada e verão o que o tipo de “afetos” de que o personagem é capaz!

  3. Quero muito ser breve e não tentar lavar as mãos por não ter percebido o que se passava com o “assunto Vara”. Eu suponho que o vídeo se refere ao programa de opinião de Marcelo na TVI(?). Marcelo terá, sempre na minha opinião, sido franco, veio como professor dizer, oh tolinhos nas vossas barbas passa-se isto e isto e isto. Os jornalistas queriam lá saber dava mais jeito escrever sobre caixas de robalos e o PS foi cobardezinho. Pos-se a bater com as pontas dos dedos de uma mao nos da outra e a olhar para o lado. Já agora uma provocação para si Valupi de uma frequentadora só de há 10 meses, nessa altura o Valupi escreveu alguma coisa sobre o tipo de julgamento que decorria? Se escreveu muito bem se não foi como os outros todos que estávamos a dormir.

  4. Mpj, se fizeres uma busca dentro do blogue (caixa “Pesquisar”, canto superior direito) com a palavra Vara (ou outras relacionadas com a temática) verás quantas vezes teclei sobre isso e desde quando.

  5. E vou mesmo procurar. Costumo ser espertinha e ler para além do que me impingem desta vez acordei só com a “operação Marquês”

  6. Mjp, podes procurar na caixa “Pesquisar”, deste blog, e podes procurar em todos os jornais, revistas e arquivos televisivos, radiofónicos ou podcasts de Portugal e arredores. Não encontrarás denúncia mais consistente e rigorosa do esfrangalhamento do Estado de Direito a que o país assistiu nos últimos anos, no que diz respeito à perseguição mediático-judicial a José Sócrates e a todos aqueles a quem algum dia apertou a mão. Na marreta e bigorna do Valupi, trabalhando de borla, se transformaram em pó muitas elaborações daqueles que fizeram de conspurcar a decência da vida cívica um grande negócio. Se te deres ao trabalho de ler o que vai por essas paredes fora, compreenderás um pouco melhor a sociedade portuguesa actual.

  7. Muito bem, Lucas Galuxo.

    E também, porque é de justiça, parabéns e muito obrigado, Valupi.

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