Pedro Martins de Lima (1930-2023)
Falei com ele, depois de andar meses à cata do seu telefone, em Janeiro de 2020. Ficou combinado um encontro que nunca se viria a realizar, por causa da pandemia e doutras circunstâncias do meu lado. No entretanto, mais telefonemas, perto de dez horas no paleio. Porque cada telefonema demorava meia hora (ou menos) a gastar duas horas medidas pelo relógio, tal era a riqueza da sua experiência de vida. Experiência que ele contava com detalhes de memória espantosos para nomes de pessoas e localidades, calendário dos acontecimentos, termos técnicos disto e daquilo. Tudo narrado com alegria, essa eterna juventude, esse erotismo que talvez seja o primevo sentido da consciência humana.
Anunciando o falecimento, a Federação Portuguesa de Surf emitiu um comunicado que concentrou a atenção mediática sobre a faceta desportiva da sua história, o ter feito história nacional por se considerar ter sido o primeiro surfista português e em Portugal (o que pode não ser verdade, outra questão). Mas tão ou mais interessante daquilo que fez a apanhar ondas foram as suas aventuras como fundador do Hot Club, ao lado dos irmãos Villas-Boas e de Gérard Castello-Lopes (entre outros), a sua relação pessoal com Jacques-Yves Cousteau, o que lhe permitiu trazer para Portugal o primeiro fato de mergulho em neoprene para a pesca submarina, e ainda a sua luta contra o regime salazarista (ao mesmo tempo que convivia com a aristocracia do regime e da época). E mais, e mais, e mais, em que a ida para os Açores durante a Segunda Guerra Mundial, e a frequência da messe dos oficiais na base onde o seu pai militar estava destacado com militares ingleses e americanos, é por si mesma um capítulo fascinante da sua biografia, tendo relação directa ao nascimento do surf em Portugal (graças a uma revista americana onde estava um artigo sobre Duke Kahanamoku e um anúncio a umas barbatanas).
Na homenagem que aqui lhe deixo, recupero a memória do seu pai, capitão de Cavalaria castigado por Salazar, de quem ouviu, criança: “Se te atacarem, tens de te defender. E só paras de te defender se te matarem.” A que acrescentava: “Defende os fracos”. Isto levou-o para o judo e para o boxe logo desde a puberdade e começo da adolescência. Mas, acima e antes de tudo, as palavras do seu pai abriram-lhe um horizonte de realização com algumas nódoas negras e muita coragem. A coragem de correr riscos calculados, a coragem de amar a liberdade. Não concebo mais valiosa herança filial.
não sabia quem era, fiquei agora a saber com esta homenagem bonita.
Neste “pardieiro” não se leem apenas comentários estúpidos feitos por gente estúpida (eu incluído).
Também se leem postagens que compensam tudo o resto.
Desconhecia a pessoa e a sua biografia pelo que já aprendi qualquer coisa hoje.
Obrigado.
É por estas, e algumas outras, que continuo a frequentar a pharmácia.
Eu por acaso continuo a frequentar a pharmácia mais por outras, como o Jafonso, o Lucas Galuxo, o teste e outros, além de alguma saudade do anfitrião que já foi assim e agora é assado, mas que a homenagem é merecida, lá isso é. O homem era uma força da natureza e dos tais de quem se pode dizer, como de Monsieur de la Palice: “Un quart d’heure avant sa mort, il était encore en vie!” Também não o conhecia pessoalmente, mas, do que dele vi e ouvi em entrevistas, arriscaria até meio minuto, em vez de um quarto de hora.
e com o acrescento ficou ainda mais bonita.
Eu que não surfista, mas que conheço o surf desde que ele nasceu, só posso dizer bem destas pessoas que ajudaram a mudar as nossas localidades e mentalidades para com os surfistas que deixaram de ser os turistas de pé descalço ….