Pois claro

O discurso Mensagem de Ano Novo 2024 do Presidente da República concorre para ser um dos piores actos presidenciais de que tenho memória; a par do arrazoado de Cavaco, em 2009, quando finalmente teve de falar institucionalmente a respeito da Inventona de Belém, e colado ao número decadente e sórdido deste mesmo Marcelo quando reagiu à defesa da Constituição levada a cabo por Costa ao não ceder à chantagem para demitir Galamba.

O que choca nesta peça de 2024 é a degradação do módico respeito pela lógica argumentativa. Ao se promover a profeta — “Há um ano, eu disse-Vos que 2023 poderia ser decisivo no Mundo, na Europa e em Portugal. E foi.” — nem ele, nem ninguém com ele, teve noção do absurdo em que se enfiava. É que nada foi decisivo no Mundo, na Europa e em Portugal, excepção para a sua própria conduta de permanente boicote à estabilidade política e, por fim, à continuidade de uma maioria parlamentar absoluta que acabou por sua decisiva responsabilidade.

De imediato mergulhando de cabeça num espampanante non sequitur, repetiu 14 vezes a expressão “ficou claro” a carimbar vácuas banalidades. Aparentemente, iria ficar claro que o homem tinha acertado no ano anterior a respeito de quão decisivo tinha sido 2023. Uma forma sonsa, infantilóide, de lavar as mãos pelo seu papel na golpada do parágrafo. Porém, no texto, não se encontra uma única situação que remeta para um desfecho decisivo acerca seja do que for. Notável o desconchavo expositivo a que chegou. É por isso, e aqui com supina lógica, que acaba a proclamar que 2024 será “afinal, ainda mais decisivo do que o ano de 2023“. Pudera, pois se é o mesmo profeta a garanti-lo, como não? E quanto a 2025 e seguintes, preparem-se. Vamos ter de conquistar Marrocos para encontrar espaço onde arrumar anos sucessivamente mais decisivos do que os anteriores.

Eis um Presidente da República que, a semanas de completar oito anos da sua primeira vitória eleitoral, revela conviver tranquilo com “injustiças” e “corrupção“. Quais? De quem? Nicles batatóides, é mais uma vez o registo Octávio Machado para gaúdio do Ventura. Um Presidente da República que chuta para os “próximos 50 anos” uma lunática exigência que o próprio nem sequer conseguiria começar a explicar em que consiste se questionado para tal. Um Presidente da República que enche a boca e a pose com as rosas de “o Povo é quem mais ordena“, logo depois de ter atraiçoado a vontade soberana que elegeu uma maioria absoluta ainda nem dois anos estão passados.

Ficou claro, verdade. Ficou claro que o seu segundo mandato começou desastrado e prossegue em tragédia, manifestando potencial para ainda vir a provocar uma catástrofe no regime.

10 thoughts on “Pois claro”

  1. Médicos e juristas católicos pedem a Marcelo que impeça diploma de autodeterminação nas escolas
    O Parlamento aprovou em Dezembro um conjunto de medidas a adoptar pelas escolas para garantir o direito de crianças e jovens à autodeterminação da identidade e expressão de género.
    https://www.publico.pt/2024/01/02/politica/noticia/medicos-juristas-catolicos-pedem-marcelo-impeca-diploma-autodeterminacao-escolas-2075444

  2. Marcelo é irrelevante. Foi sempre (à exceção de um período televisivo pop star, nada mais) e assim devia ter continuado a ser (ele É isto – https://arquivos.rtp.pt/conteudos/mergulho-no-tejo-de-marcelo-rebelo-de-sousa/ – e nunca deixou de ser).

    O PS teve namoro de anos, por interesse, com o sr. (avião de Moçambique e gémeas, exemplos maiores), cavalgando a irrelevância de um player oco e esperando terreno livre. Fez dele seu candidato à 2ª eleição, pelo caminho viveu a sua essência histórica (barafundas dos secretários de estado, Marta Temido, Pedro Nuno Santos, João Galamba, Escária, Lacerda…) e com isso deu conteúdo à personagem.
    Queixem-se de vocês, ao Marcelo.

    “vir a provocar uma catástrofe no regime.” Ai o regime! Coitadinho do regime!

  3. “O Parlamento aprovou em Dezembro um conjunto de medidas a adoptar pelas escolas para garantir o direito de crianças e jovens à autodeterminação da identidade e expressão de género.”

    Eu, genuinamente, não sei se são as mães de Bragança ou as mães da Academia a ter que ser levadas em linha de conta. No entanto, se pudesse, punha uma cunha às segundas para tentarem ser muito criteriosas e ajuizadas, há coisas Muito sérias.

  4. Sempre leio, mas raramente comento.
    Hoje também não comento mas singelamente escrevo CINCO ESTRELAS.

  5. Nesta nulidade retórica discursiva sobre o que ficou claro transformou Marcelo numa apagada sombra na medida em que acrescentou sombra aquela em que já se transformara desde há tempos.
    O vazio do discurso sinaliza que Marcelo perdeu capacidade de envenenar através de sua picadela traiçoeira; a natureza da personagem é sentir-se em liberdade e à vontade para picar e envenenar tudo que o rodeia e lhe faz frente. Ora, neste momento, não se sente com o aval suficiente junto dos portugueses para agir segundo a sua natureza o que lhe retira capacidades de mentir, intrigar e envenenar cantado e rindo.
    Desde o seu conseguimento do despejo de Costa nunca mais foi dar uma volta à noite pelo Jardim do Império para acalmar o calor do seu veneno. Nem deve dormir tão sossegado como quando, friamente, tal como os fantasmas vampirescos planeava a forma e o modo de aplicar a picadela mortal.
    Mais um pobre desgraçado caído na ruína; outro cavacoiso. Ou mais um futuro rico sem-abrigo, não aquele que fingiu ser quando ia juntar-se a eles e prometia extingui-los mas, o que vive refugiado de si mesmo porque ninguém mais acredita nele ou o escuta.

  6. Tal como Corvo Negro, leio todos os artigos do Aspirina e este artigo, tal como todos os outros, encheu-me a alma. Foi mesmo isto que senti (Noooojo) quando no dia 1 de Janeiro, o “Martelo” fez o seu pobre discurso de Ano Novo.
    Pobre diabo ????.

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