Pelo menos 97% está contra o aborto

A conclusão a tirar desta notícia é a de que, podendo, os mais interessados na questão do aborto votariam* contra o mesmo numa percentagem de 97%. Pelo menos.

Quando leio estas notícias, para mais com o retrato sociológico estampado onde se vê maturidade nas mulheres responsáveis, fico sempre esmagado pelo absurdo: qualquer pessoa acorreria ao choro de um recém-nascido abandonado, e tudo faria para o salvar, não precisando para nada de conhecer a sua mãe e pai, nem se inibindo de procurar dar-lhe calor, alimento e protecção por não saber como o sustentar nos anos seguintes. Pura e simplesmente, esses outros problemas nem sequer apareceriam no momento de agir a favor do bem maior. Perante um bebé, o melhor de nós torna-se força e vontade. Mas perante esse mesmo bebé 7 meses mais novo, muitos nem o estatuto de ser humano lhe reconhecem. Tratam-no como uma doença. Que, só por azar, lhes aconteceu no corpo e na vida.

Isto de se querer abortar porque apetece é uma animalidade que desapareceria em 7 meses — aliás, menos; muito menos.

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* Ou delegariam o seu voto em quem os representasse.

39 thoughts on “Pelo menos 97% está contra o aborto”

  1. Por favor, não ofendam o Valupi na única área progressista e humanista em que ele dá cartas: Não ao aborto, viva a Vida!

    Eu diria que ele errou aí por volta de 7 por cento, e isto para lhe fazer um favor. Mas mesmo assim, 90 por cento que seja, contra o aborto, é uma enorme vergonha para os membros das assembleias políticas que beijam o cu da Nova Ordem Mundial e suas filosofias confessadas de redução da população, tudo mascarado com sentimentos progressistas para acalmarem as raparigas nas áreas inter-coxais.

    E 7 por cento pelo seguinte. Em 2002, as lontras burocráticas que cozinham as estatísticas da OMS nos seus super-computadores (que pelos vistos ainda não receberam dados actualizados do nosso país para os últimos cinco anos)informam-nos que houve cerca de 106 mil mortos e 114 mil nascimentos em Portugal. Logo, estimando, não se andará muito longe da verdade se se disser que 50 e tantos mil partos sucederam em Portugal em cerca de seis meses no ano passado, não esquecendo o possível agravamento causado pelo declínio do volume espermatozoidal no homem e problemas com matrizes e ovários nas mulheres.

    O mais simples é concluir que as mulheres que tiveram filhos são anti-aborto ( mais de 50 K)e que quase todas as que decidiram “assassinar e raspar” (cerca de 6 K) são pró-aborto. Mais um desconto daqui e da li, concordo com os 10 por cento, se o Valupi não se importa.

    Outra coisa que o Valupi também esquece é que opinião é uma coisa, mas votar bem é praticamente impossível por várias razões. Um partido que diz lutar por aumento de salários e regalias e ao mesmo tempo se pronuncia a favor do aborto faz chantagem com o eleitor, encosta-o à parede. Do ponto de vista do pequeno partido politico perde-se uns pontos, das as abstenções. Do ponto de vista do “partido” central eliteiro, a passagenm duma lei no parlamento é mais importante que a posição da força política que mais o favorece nesse estabelecimento, porque o que lhe interessa, na verdade, é a instituição de costumes e normas tendentes a favorecerem a prosseguição duma agenda que eventualmente prescindirá de partidos para ser levada a cabo.

  2. Introdução:

    Adoro assuntos quentes. Mesmo antes de se começar a escrever sente-se rios correrem nas veias, argumentos em varias direcções, conversas que se vão (foram) tendo, aquele cansaço mesmo antes de escrever. Esqueci-me de mim, das minhas coisinhas e sinto-me lançada em algo! Boa!

    primeiro capitulo: saber dizer não sei

    Acho que das coisas mais importantes do assunto do aborto é nos obrigar a reconhecer que a questão não é clara. Mesmo que sintamos muita “justiça” na nossa opinião ficamos sempre com uma sensação incomoda: como podemos estar tão certos e os outros não verem!!!!! O mais interessante desta sensação é a do incomodo: não conseguimos perceber porquê que os outros não vêem o nosso obvio!

    Segundo capitulo: Sobre os que pensam sobre isto

    Adoro que haja filosofos a pensarem sobre este problema. Só eles se podem sentar a pensar em todos detalhes do problema. Claro que não o conseguiriam fazer sem a ajuda de todos os outros: os psicologos, os sociologos, os neurocientistas, os antropologos, os biologos, os medicos, os teologos, as infermeiras, os juristas, os politicos, os outros filosofos (para os filosofos há sempre “os outros”), etc… (espero não me ter esquecido de ninguem …)

    Quando se engravida não há tempo para pensar em toda a complexidade da questão… a decisão tem de ser tomada quando se sente que deve ser tomada. Por isso ainda bem que podemos pensar na questão sem o compromisso da acção!

    Terceiro capitulo: um problema para além do género

    O aborto atira a humanidade para o modo como lidamos com o género de um modo mesmo mesmo peculiar. Afinal, dizem, o corpo é o da mulher. E grande parte das descriçnoes passam por discutir o que faz o não faz a mulher. O modo como muitas vezes não nos questionamos sobre esse modo de falar espelha-nos. Mas é o casal que se une (com vontade, com um pouco menos de vontade…) mas não conseguimos “colar” o casal ao acto. Que estranho que isto é?

    Quarto capitulo: Comparações diferentes

    Sonho com um capitulo em que se compare esta questão com outras que sejam semelhantes do ponto de vista da falta de “sentir do obvio” e do modo como a humanidade se espelha.

    Quinto capitulo: Obrigado

  3. Esqueci-me de te dizer, SUBSTANTIA, que apreciei o teu tortuoso e sugestivo raciocínio, mas não te posso acompanhar nas contas. Os meus 97% são muito mais fáceis de encontrar, decorrendo do título da notícia.

  4. Valupi,

    Tanto faz, 90 ou 97. Se outros pegarem nesse bicho, chegarão a percentagens diferentes. Que se é esmagadoramente contra, não tenho dúvida, porque é natural. Também não estranho que se subsidie a conveniência de minoria tão reduzida. Está no sangue do sistema.

    Dina,

    Beijocas para ti. E tem cuidado ao atravessares a rua, andam por aí camionistas distraídos com as cabeças cheias dos problemas levantados pelo teu “peculiar” comentário.

  5. O qeu ue sei é que até escervnedo mal, me conisgo faezr entneder.

    Poedrá algum entnedido em Estaítstica copmreender a cocnlusão qeu dá tutílo a este post, pela noítcia refreida?

  6. Ah, assim, sim. É preciso humildade para aprender.

    Pois bem, se leste a notícia, encontraste este título: “Só 3% dos abortos são feitos por razões médicas”. A partir daqui, se admitires que essa parte percentual se completa no todo com o concurso dos restantes 97% de abortos que não se deveram a razões médicas, ficas com uma população que não pôde concluir o seu processo de gestação por razões variadas, mas, afinal, irrelevantes face ao que mais importa – a sua vida. Daí, se continuares a admitir que qualquer feto terá um potencial sentido de voto, mesmo que silencioso e invisível, chega-se ao título deste poste com rapidez e confiança.

  7. Já agora: a História, quando contaminada por entidades nebulosas e virtuais como o Nacionalismo, perde a maiúscula, admite um plural, e passa a objecto de estudo da própria História.

  8. “admitir que qualquer feto terá um potencial sentido de voto”

    Até as hipóteses nas Ciências não estão livres de conterem alguma razoabilidade ou plausibilidade. O que não for testável, ou minimamente sondável, é pura especulação.

    Por outro lado, mesmo nesse hipotético cenário de um feto ter sentido de voto, o que garante que esse voto seja contrário à lei do aborto?

    E se os fetos fossem intrinsecamente potenciais suicidas?

    Como se vê, no domínio das ideias insondáveis, podemos admitir qualquer coisa, mas devemos ser razoáveis ao decidir se estes meros exercícios de imaginação devam reger as vidas reais e comprovadamente conscientes dos cidadãos de uma sociedade.

  9. Tens toda a razão, carlos, e, seguindo pela tua lógica, será de esperar que todo o defensor do aborto cometa suicídio. Afinal, a sua própria vida é tão indiferente e irrelevante como a daqueles que morrerão só porque alguém resolve que seja assim nesse momento.

  10. Não me referia à maiúscula do “Nacionalismo” mas sim da “História”, e foi em sentido figurado.

    O que quero dizer é que não concordo que uma língua seja património de um país, e entendo a tua afirmação:
    “Todo o Português é de Portugal”
    à luz de uma visão nacionalista.

    E aproveitei, já que falaste de História, para a possibilidade de a História se transformar em objecto de estudo da própria História, quando nela não se distingue uma visão lúcida e imparcial, coisa que não acontece decerto quando a análise é feita com a pala do nacionalismo.

    Perdoa-me se eventualmente fiz uma interpretação abusiva das tuas palavras.

  11. Ai Valupi, isto deve ser provocação. Mais de um ano depois ainda não percebeste.

    100 % da mulheres que abortam, podendo escolher, não teriam abortado mas adoptado outra solução viavel (sendo que, para elas, não é viavel conservar o feto).

    Por isso o referendo não foi sobre “o aborto” (em abstrato todos somos contra), mas sobre a sua despenalização (ja que existe, que sempre existiu e que vai infelizmente continuar a existir por uns tempos, o que é que se ganha com a penalização ? que sentido tem a penalização, que eficacia, etc.).

    Tanta tinta que gastamos para tentar enfiar-te isto na cabeça. Devemos ter sido bastante maus, pois continuas exactamente no mesmo ponto.

    Mas não desistas de procurar compreender o problema, que has de acabar por la chegar.

  12. Não relação lógica desta sequência:

    “E se os fetos fossem intrinsecamente potenciais suicidas?”

    “será de esperar que todo o defensor do aborto cometa suicídio”

    é uma falácia trivial.

  13. Onde está “Não” leia-se “Na”.

    Nem 3% na prova de dactilografia…

    Bem, talvez na de pterodactilografia.

  14. carlos, tens de ser mais ousado e mais comedido nas interpretações. Mais ousado sempre que apanhes títulos onde esteja presente uma percentagem. E mais comedido quando em presença da ironia. Que a nossa Língua se originou em Portugal não é um nacionalismo, é um facto histórico. Será mais nacionalista essa referência a um Português do Brasil, para quem pretenda ir por aí.

    Para falares de falácias, para mais com recurso a adjectivação, tens de mostrar trabalho. Qual falácia? Como é que ela opera? Fico à espera, então.

    Entretanto, posso dizer-te o mesmo por outras palavras: quem defende que o aborto é um assunto da exclusividade da mulher e da sua consciência, está, em simultâneo, a admitir que a sua própria vida passou por um período onde todo e qualquer direito a viver estava abolido, suspenso do arbítrio de outrem. Isto é o mesmo que admitir que a sua vida não vale nada, posto que não se justifica por si.
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    joão viegas, não discuto o referendo nem a despenalização. Por mim, podia-se permitir o aborto até aos 9 meses, que ia dar ao mesmo. O que eu discuto é do foro da antropologia e da ética, se mais nada.

    Quando uma mulher decide abortar por razões que não resultam de risco médico, que se está a passar? Os defensores do aborto não querem saber. Aliás, a lei serve esse cobarde propósito: chutar o problema para a vítima secundária, a mulher grávida. Ela que resolva, e ela que faça o que lhe der na telha, e ela que se despache a mandar para o lixo o problema.

    Tu resolves a questão através da mentira. Dizes: “100 % da mulheres que abortam, podendo escolher, não teriam abortado mas adoptado outra solução viavel (sendo que, para elas, não é viavel conservar o feto).”

    Como sabes? Não sabes, obviamente. Esperas que seja assim só para não teres de te confrontar com uma questão de complexidade assustadora. Aliás, se há coisa que se pode afirmar com segurança é isto: podendo escolher, as mulheres que abortam optam por não pensarem noutras soluções.

    Daí o exemplo: quem encontra um recém-nascido abandonado não se afasta ou lhe recusa socorro por achar que aquela vida não é viável. É precisamente ao contrário, se formos humanos.

  15. Não penso que os defensores da despenenalização não queiram saber da questão ética, que é um pouco mais complicada do que tu a apresentas.

    Do ponto de vista ético, pode parecer chocante sacrificar a vida de um feto em beneficio do bem estar psicologico, social e até economico da mulher (ou melhor, do casal, mesmo composto por pessoas separadas). So que é assim na pratica e sempre assim foi. Senão, as pessoas teriam, quando têm relações sexuais, cuidados parecidos com os que tem quem brinca com uma metralhadora. Sabemos que não é assim. A “ética”, em meu entender, deve partir do homem tal como ele é, deve partir da pratica social. Até porque é o preço a pagar para conseguir modificar essa pratica social para melhor. Nesse ponto, sei que divergimos.

    Mas acho também uma falacia colocar a questão em termos de “ética” como se se tratasse de uma questão abstrata, da escolha entre um “bem absoluto” e um “mal absoluto”. Não é assim. O aborto é sempre considerado como um mal, mesmo por quem se vê obrigado a recorrer a ele. Contrariamente ao que pensas, as mulheres que abortam não acham que se trata de um bem. 100 % concordariam que se trata de um “mal”. Apenas, no seu caso concreto, e de acordo com as circunstâncias com que se vêem confrontadas, trata-se de um “mal” menor.

    Acontece que é defensavel moralmente que, em certos casos, se trata de um mal menor. E é também defensavel moralmente (ou éticamente) que a mulher esta na melhor posição para decidir num caso tão bicudo.

    E, ja agora, a despenalização também é um “mal menor”. Nesse caso, menor do que a penalização. Isto é verdade até para muitas pessoas que condenam moralmente o aborto em todas as circunstâncias, uma vez que a penalização não impede a pratica do aborto e coloca em risco pessoas que estão em situação de desepero.

    Portanto a questão moral existe, é interessante, mas não me parece resolvida de forma responsavel quando utilizas abusivamente uma estatistica para desvalorizares 97 % das pessoas objecto do estudo, a pretexto que elas não se enquadram bem no teu manual de metafisica.

  16. joão viegas, muito obrigado pelo teu comentário. É fértil.

    Começo com um esclarecimento que é uma repetição. Os 97% dizem respeito aos 3% do título da notícia. Isso significa que estou a referir-me ao número total de abortos – estou, pois, a ser ambíguo e provocatório, convido ao exercício mental. São estas as pessoas, já mortas e que não passaram do estádio de feto, cujo voto tenho na mão, partindo do princípio de que, em princípio, os vivos querem viver. O teu último parágrafo, portanto, não faz sentido.

    Também convém esclarecer o que se quer dizer com moral e ética, palavras que servem para tudo e mais alguma coisa. Neste caso, uso moral para me referir aos valores de grupo e ética para me referir aos valores pessoais. Assim, é para mim óbvio que a decisão de abortar é pessoal, ética – mesmo que também possa (e deva, e tenha de) ser questão moral e legal. Mas o que me ocupou o raciocínio, no texto, foi a questão ética. Esta questão é a menos abstracta de todas, pois não se pode separar do mais íntimo de nós, do concreto mais verdadeiro e irredutível de cada um. Guarda a tua abstracção para legitimares a irresponsabilidade.

    Este é o passo mais importante do que escreveste: “Senão, as pessoas teriam, quando têm relações sexuais, cuidados parecidos com os que tem quem brinca com uma metralhadora. Sabemos que não é assim.”

    A facilidade com que os defensores do aborto livre admitem a irresponsabilidade que está na origem do acontecimento é de espantar. É nisto que a lei aprovada, com a permissão do aborto até às 10 semanas sem necessidade de qualquer explicação nem impondo qualquer limitação, contribui para a irresponsabilização individual e colectiva. Os defensores do aborto diminuem as capacidades intelectuais e volitivas de todos os envolvidos nos processos de interrupção desnecessária da gravidez.

    O que está na base dessa cruel atitude, também tu o expões logo a seguir: “A “ética”, em meu entender, deve partir do homem tal como ele é, deve partir da pratica social.”

    Que é isto?! O homem tal como ele é corresponde à prática social? Esta ideia é uma barbaridade. Se assim fosse, nem gravuras em Foz Côa se teriam conseguido fazer. Todo o homem é o resultado da cultura a moldar os instintos, sim, mas isso não se confunde com a ausência de horizontes de elevação, procurando ficar-se menos animal e mais humano. Não por acaso, nem sequer tocaste no exemplo do recém-nascido abandonado.

  17. Valupi,

    Tenho muitas dificuldades em aceitar a diferença que fazes entre ética e moral. Mas isso levar-nos-ia muito longe e, infelizmente, não tenho tempo.

    Repara só no seguinte : a moral é também um facto social. Ou seja : quando digo que a moral deriva da prática social, não estou a justificar tudo o que se pratica na realidade, mas antes a referir-me ao facto de ser possível observar, analisar (e mesmo medir), a forma como as pessoas valorizam os seus comportamentos e os dos outros.

    Como sublinhei num comentário anterior (o ano passado), enquanto as regras que proíbem o roubo ou o homicídio são claramente aceites socialmente (a ponto de serem interiorizadas pelo próprio delinquente, que nunca se defenderá contestando a norma, por exemplo tentando convencer os outros que estava a cometer um acto lícito quando matou outrem), isto não sucede com o aborto. Ou seja, nem a prática social, nem a forma como é apreendida pela maioria das pessoas, permitem considerar o aborto com o mesmo desvalor do que um atentado à vida de outrem.

    Isto choca-te por uma razão teórica. Para ti existe uma contradicção entre o valor que a sociedade pretende dar à vida humana (valor que a sociedade afirma ser fundamental) e a facilidade com que aceita o sacrifício da vida (biológica) do feto perante a comodidade da vida (social) dos pais. Bom, poderíamos discutir horas sobre o que é a vida, quando começa exactamente, se o conceito é o mesmo para a biologia e para a moral, etc. Chegaríamos provavelmente à conclusão que, nas nossas sociedades, a vida humana só é plenamente valorizada (e protegida) na medida em que corresponde a um projecto dos pais.

    Mas, mais do que a discussão teórica, interessa-me constatar que as pessoas fazem realmente uma distinção moral. Não é covardia. Não é ignorância. Não é barbárie. Muito simplesmente, as pessoas aceitam que, nalguns casos extremos (e o aborto só ocorre em casos extremos), acabar com a vida intra-uterina é um « mal menor ». Por exemplo, porque quem tem de resolver o problema é uma mulher jovem que não tem condições para educar a criança sem sacrificar o seu futuro. Por exemplo, porque a gravidez vai destabilizar uma família que tem já muitos outros problemas. Por exemplo porque os pais sabem que vivem numa grande instabilidade afectiva e que não têm nada de bom a dar a uma criança, etc.

    Poderíamos imaginar uma sociedade que prezasse a vida biológica a ponto de tornar inconcebíveis reacções como as que citei acima. Uma sociedade como essa, provavelmente teria instituições próprias para acolher os filhos recém-nascidos de pais que não os querem (ou podem) educar. Uma sociedade como essa, provavelmente, não conceberia as relações entre pais e filhos como nós o fazemos (exigindo amor dos pais para os filhos e vice-versa). Uma sociedade como essa também não conceberia as relações sexuais como nós e é provável que teria mais dificuldades em aceitar as relações inférteis (que desperdício !).

    Mas Valupi, por muito que te custe, não vivemos nessa sociedade. Vivemos numa sociedade que não preza a vida intra-uterina a esse ponto. E francamente, penso que não é de hoje.

    E também exageras quanto à desresponsabilização. Em teoria, percebo o que te choca (se o acto foi cometido num caso extremo, os responsáveis devem poder justificar-se), mas tratando-se de matéria do foro íntimo, e de uma decisão que nunca é agradável (e que nunca é tomada de ânimo leve), devemos confiar na livre decisão da mulher, que ainda é quem está em melhor posição para julgar. Por muito curioso que te pareça, trata-se também de uma forma de responsabilização.

    Nem o amor à vida se decreta…

  18. joão viegas, deste uma excelente réplica. Excelente, no sentido em que procuras ser o mais claro possível. Isso permite-me destacar os elementos principais do teu pensamento. Creio-te honesto para contigo, pelo que os auspícios são favoráveis.

    Moral e ética – De acordo, há inúmeras definições. Eu fiz um brutal simplismo, para efeitos de gasto em conversa de café, aquela que fazemos (ou faço) por aqui. Mas se quiseres propor definições alternativas, e com maior profundidade ou complexidade, venham elas.

    Moral e facto social – Dizeres que a moral é um facto social é incontestável. Foi precisamente isso que apontei na explicitação que fiz relativamente à moral e à ética.

    Aceitação social do aborto – Sim, obviamente. Mas, indo por aí, afundas-te no relativismo cultural e histórico, o que deixa de ser critério filosófico. Para não gastar mais tempo com o assunto, um actual exemplo: sabe-se que há comunidades que aceitam a excisão do clítoris – isso confere benignidade e/ou legitimidade à prática?; por estar enraizada nos usos e costumes de vários povos, deve continuar? O mesmo se poderá dizer da pena de morte, prisão perpétua, escravatura, tortura, direitos da mulher, pedofilia, direitos humanos, etc., tudo noções e respectivas práticas que estão na contingência das dinâmicas e características antropológicas e históricas. Ter existido, até há bem pouco tempo, um aceitação social do racismo em certos lugares, por exemplo, não o promove a ideal civilizacional.

    E o que é a vida? – Quando se fala de seres humanos, a dimensão biológica é um determinado e não um determinante. Por isso, a noção de cultura – em sentido antropológico – define-se pelo registo da diferença face aos limites animais. Àquilo que só se encontra na homem, e que não se transmite por herança genética, vamos chamar cultura. Sem esta divisão não teríamos um corpo narrativo que outorga ao homem uma especial responsabilidade: ser senhor de si perante os outros, e até perante si próprio. Assim, falar de vida biológica não chega para reconhecer um ser humano. E, portanto, as discussões sobre os limites temporais para a prática do aborto, envoltas em concepções arbitrárias e lunáticas do que é a actividade cerebral, são episódios grotescos. É grotesco não conseguir ver que é impossível identificar o momento em que aquilo que se diz ser apenas biológico se torna humano. E é impossível por esta amorosa razão: somos humanos desde sempre e para sempre. Quando as metades genéticas se encontram no óvulo, e uno aí originado se começa a reproduzir, já temos um ser humano – isto é, já temos um ser inscrito no espaço e no tempo, com todas as potencialidades de qualquer outro ser humano que tenha existido antes dele ou venha a existir depois.

    Mal menor – Dizer que um aborto é, nalguns casos, um mal menor faz sentido. Era esse o entendimento da lei anterior, admitindo variadas situações onde o casal, ou só a mulher, poderia escolher interromper a gravidez. Mas perante os exemplos que foste buscar, não. Razões do foro social e psicológico não são superiores ao bem que se perde. O que está implícito na argumentação que desresponsabiliza as famílias, as mulheres e os homens na origem da gravidez ou com relação directa no caso, é uma desistência. Desiste-se de tentar que aquele ser humano sobreviva a uma crise psicológica do seu actual portador. E isto já para não falar dos abortos que se fazem em série, ou por razões cosméticas, laborais, financeiras e outras vilanias de calibre igual.

    A sociedade – A sociedade somos nós. Eu e tu somos a sociedade. E os outros todos. Se ela não é aquela que queremos, vamos também desistir de a tentar melhorar? Não foi isso que fizeram os melhores dos nossos antepassados, e não será isso que farei. Nem tu, estou certo.

    A livre decisão da mulher – Este foi o mito supremo na campanha do referendo, e é a maior das mentiras. Se te releres, encontras os seus efeitos perversos: tanto dizes que a mulher é capaz de decidir por si própria, como dizes que as mulheres abortam por estarem em situações extraordinárias, tão difíceis que dão o último passo para a morte do filho por já nada mais lhes parecer possível. Ora, pensa comigo: que liberdade é essa de, até 10 semanas – ou seja, à volta de 4 após saber que está grávida -, conseguir decidir sobre o seu futuro quando nem sequer existem condições materiais e sociais, portanto ainda menos existirão as psicológicas, para o nascimento e crescimento seguro do seu filho? Que se espera que a miséria decida sozinha? Ou que se espera que a ignorância e o medo provoquem? Se há situação onde a mulher precisa de apoio, essa da ponderação do aborto é a mais crucial. Ir ao seu encontro, oferecendo o que tivermos para dar, garantindo que ela não está nem estará só – e seja qual for a sua decisão – será assim coisa tão ruim?…

  19. Valupi,

    De facto, poderíamos continuar muito tempo porque o que nos opõe, no fundo, é simples, mas inultrapássavel. Quando tu estás preocupado com uma questão teórica e com a coerência de uma construção intelectual, eu não vejo as coisas sob o mesmo prisma. O que me preocupa, a mim, que sou essencialmente um prático, é a maneira como as pessoas reagem na realidade e o que se pode fazer para sair das dificuldades concretas com que elas se confrontam.

    Tens perfeitamente razão quando apontas que esta postura me inclina para o relativismo. Assumo perfeitamente e, já que mencionas a questão da excisão, acho que é um bom exemplo e confesso que sou sensível aos argumentos dos antropólogos que consideram que a punição e o processo penal não servem para nada nessa matéria, e que seria muito mais útil procurar compreender a função simbólica que essa prática tem para os povos em causa e ver se a conseguimos substituir por outra, que teria a mesma função sem se traduzir por uma mutilação (aconselho-te a leitura de um número extraordinário da revista “Droit et cultures” dedicado a esse problema, em que se descreve o efeito da intervenção de antropólogos num processo criminal em França, no início da década de 90, sobre um caso de excisão). Mas é assunto polémico, que nos levaria bastante longe e eu percebo que essa posição possa chocar (muito mais do que no caso do aborto aliás).

    Nos meus comentários da outra vez, citei essa frase de Céline « l’homme, il est humain à peu près autant que la poule vole ». Embora fosse um perfeito sacana no plano ético, Céline era médico e sabia muito bem do que falava.

    Recusar esta (triste) realidade, em nome da pureza dos princípios, é muitas vezes contraproducente. Vejamos o problema da decisão da mulher e da questão da sua liberdade. Do ponto de vista metafísico a questão não tem resposta e podemos andar aos círculos durante anos sem solução. Mas, do ponto de vista moral, é claro que a mulher toma uma decisão consciente e livre, após ponderação, e que escolhe com discernimento o que, para ela, é um « mal menor ». Como apontas com razão, a mulher que escolhe abortar não estaria disposta a matar um recém nascido (e se o fizesse, não beneficiaria de nehuma indulgência, nem sequer por parte das pessoas favoráveis ao aborto livre). Portanto para ela, trata-se mesmo de um mal menor. E para muitas pessoas (a maioria na Europa) trata-se de facto de um mal menor. Talvez haja aqui uma incoerência. Mas há também, antes de mais nada, um facto. E esse facto tem a ver com uma representação consciente da realidade, com uma escolha livre entre várias opções que se apresentam como possíveis, etc. Há pois liberdade e se não houvesse, nem faria sentido estarmos a falar do aborto como de um problema moral…

    Depois, há a questão de verificar concretamente se a liberdade de escolha é mesmo exercida, se não houve pressão, etc. Até concordo com algumas das tuas notas e parece-me óbvio que a sociedade deve fazer tudo para amparar a mulher que se confronta com o problema, até para ter a certeza que a decisão é mesmo uma decisão livre e esclarecida.

    Mas qual a melhor maneira de o fazer : julgar a priori a mulher, desvalorizando-a por razões de moral abstrata ? Não será preferível o contrário : começar por respeitar a sua liberdade e procurar ajudar, auxiliar, sem nos substituirmos a ela ?

    Vou ficar por aqui, porque senão ainda cá estou amanhã.

    Se tivesse de resumir numa frase o que me parece criticável na tua atitude, diria que transformas numa questão de fins e de princípios, uma questão que seria tratada de forma mais realista (e eficaz) como uma questão de meios.

  20. joão viegas, tens toda a razão: o inferno pode bem arrefecer e continuarmos para aqui a partir pedra. Seja como for, estás errado. Digo isto com solidariedade. E vou provar porquê.

    É falsa a separação entre teoria e prática. Isto é “lana caprina”: a prática é a aplicação da teoria. É célebre a analogia de Aristóteles em relação ao arquitecto e ao pedreiro. O último sabe colocar o tijolo, mas não consegue desenhar o edifício. O primeiro consegue desenhar o edifício, mas não precisa de colocar o tijolo. O que estás a chocar com essa conversa de te reclamares dos “factos” é um preconceito contra o intelecto, contra a razão. E isso é um absurdo que só a tua corrente linha de argumentação, e a tua própria formação teórica e preferências ideológicas, te está a fazer seguir.

    Não há abstracção alguma quando se tenta evitar o aborto. É rigorosa e absolutamente ao contrário. Para se preferir não abortar tem de se mergulhar no concreto. Ver na realidade do feto a realidade do ser humano. Aquele feto, se lhe derem tempo, vai exibir os sinais corporais que o tornam reconhecido como ser humano de forma tão inequívoca que irá despertar instintivos sentimentos de protecção. Não importa para nada que, por enquanto, ainda não os tenha, ou não estejam desenvolvidos o suficiente para satisfazerem um qualquer critério de identificação de seres humanos. Esses critérios é que são abstractos, são invenções arbitrárias cuja única função é esconder as más-consciências ou cegar o coração e a inteligência. Já para se abortar, qualquer falsidade pode ser invocada, como essas de não haver condições para educar ou sustentar uma criança. Responde-me: conheces algum caso, em Portugal, de bebé que tenha morrido à fome porque a mãe não conseguiu encontrar alimento para lhe dar?… Acaso não há inúmeras pessoas e organizações que tornam essa desculpa das condições materiais uma ignóbil desculpa para a irresponsabilidade máxima e maximamente destruidora?

    A temática da liberdade terá de ser discernida nos respectivos planos da sua aplicação. Com certeza que é bondosa a existência de uma liberdade jurídica, onde a mulher pode ser senhora do seu corpo e interromper uma gravidez sempre que queira. Isso, de resto, já existia na lei anterior. Mas o instituto jurídico não esgota o fenómeno humano. No plano psicológico, intelectual e volitivo, a liberdade está sujeita a factores de realização que transcendem as espessuras da letra de lei. É aí que entra a ética, mais uma vez, indo em socorro dos desvalidos. Fazer-me-ás a justiça de reconhecer que eu não me ocupei da problemática moral da actual lei. Nem tenho qualquer interesse em punir aqueles que já estão desgraçados. Concentro-me é em questionar o mal maior, aquele que consiste na irreparável morte dos inocentes. E interpelo os responsáveis.

  21. Valupi,

    Discussão filsofica por excelência, mas importante. Para mim, não é a pratica que é aplicação da teoria. E o contrario : a teoria é que so tem sentido na medida em que procura mudar a pratica (para melhor). Não tenho a certeza que Aristoteles esteja do teu lado, mas admito que a questão é muito debatida (EN, X).

  22. Olá,

    Extrapolando o tema do aborto e nomeadamanete dos referendos, devo dizer que sou contra os referendos que involvam temas morais, pois é de minha opinião que o povo não possui capacidade para decidir sobre tal.
    O Estado devia de se preocupar em elaborar referendos sobre temas que realmente interessam e que entre muitas coisas, poderiam evitar situações que levam ao aborto.
    Quando eu refiro que o povo não tem capacidade para tomar decisões de carácter moral como um todo, quero dizer que se houvesse um auto de fé (não sei se terá hifens), provavelmente muitos iriam a correr para assistir em vez de impedir.
    Mas regressando à questão do aborto. É ou não verdade que a mulher que decidi abortar ou não, passada uma semana (mesmo nas mesmas condições) poderia decidir o oposto ?
    É uma decisão que nunca tomada com convicção por uma mulher que tenha o coração no lugar certo.
    Enfim, falemos de coisas mais alegres como a nossa economia :-)

    Fiquem bem,

    José

  23. em gnt quem quiser enviar algum trabalho para meu mail sobre aborto é ramone_corte @hotmail.com pois estou fazendo uma campanha publicitaria e stou presisando!!!!!!!!!!!!!bjs

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