Passos criminoso

Num sábado, há duas semanas, andei de Metro em Lisboa. Mais de 70% dos passageiros não eram caucasianos. Desta minoria, uns 10% seriam ostensivamente estrangeiros. Não vi o menor desacato, uma simples discussão. Apenas rostos indecifráveis quanto à sua biografia e variabilidade etnográfica num registo de provável baixa condição social, salvo pontuais excepções.

Subitamente, não só compreendi mas também senti como pode ser altamente eficaz espalhar o medo acerca desta paisagem demográfica. Os mecanismos tribais do racismo e da xenofobia estão antropologicamente enraizados, fazem parte da herança biológica ligada ao instinto de sobrevivência. É muito mais fácil suspeitar de um estranho do que confiar nele, especialmente se esse estranho se apresenta culturalmente exógeno aos nossos grupos sociais onde construímos a identidade.

Passos a imitar Ventura pode não surpreender, posto que criador e criatura se têm declarado aliados desde Loures. Contudo, porém, todavia, ver um ex-primeiro-ministro (ainda com planos de voltar à ribalta política) a acirrar os instintos que podem causar alarme social, pânico colectivo e violência física potencialmente letal é historicamente significativo. O PSD pode mesmo ter deixado de fazer sentido no regime após a algaraviada de Passos a 26 de Fevereiro de 2024. Pela simples razão de ser incompatível com a decência pertencer a um partido onde a irresponsabilidade máxima é recompensada com discursos ao lado do líder e com um messianismo alimentado pela escória da direita portuguesa.

Há crimes cometidos por imigrantes? Sim. Tal será inevitável, estatisticamente necessário. Mas, como a sua percentagem é muitíssimo mais baixa do que a dos crimes cometidos por portugueses, o discurso que diaboliza os estrangeiros — e que aponta as suas tochas e forquilhas na direcção de pessoas com aparência africana e asiática — é uma mentira que procura instigar o ódio. Pretende-se levar para o Parlamento ainda mais incendiários do pior que existe na natureza humana.

A solução dos populistas de direita contra o crime é sempre serem eles a cometer crimes.

38 thoughts on “Passos criminoso”

  1. Ventura não faria melhor discurso anti-imigração. Bateu palmas e sublinhou que Passos ensinou o caminho a Montenegro. Foi, aliás, claro na referência ao “papão” de que não há que ter medo – o caminho de aliança com a extrema direita.
    Cabelos brancos. Já agora há que lembrar uma das primeiras intervenções de Passos no governo da PAF, proferida numa reunião de jovens da JSD, em que culpou o peso da “peste branca” a ameaçar o desenvolvimento e futuro do país. Nós, os velhos, estávamos a mais. Só despesa escusada.
    Agora, quando é abordada a questão do voto da ” terceira idade” (expressão detestável) resume-se à garantia de recebimento da reforma. Preocupação natural. Mas, para mim, aquele desprezo de um primeiro-ministro recém eleito por parte dos cidadãos, foi um choque tão violento que perdura até hoje. Passos Coelho nunca mais.

  2. desses 70 % não caucasianos, quantos eram negros ? e entre a percentagem de não caucasianos e não negros , quantos eram homens?
    a proporção entre homens e mulheres é similar à distribuição por sexos entre os caucasianos? ou entre chineses ? ou entre os africanos?

  3. PASSOS:

    Passos fez o PSD perder a ligeira vantagem que tinha nestas semanas de campanha.

    Há muitos indecisos que vão votar contra o PSD só por ter aparecido o Passos.

    Passos representa o regresso ao passado da troika, os cortes nas pensões e salários, a lei dos despejos.

    Num país com 4,8 milhões de população activa (em 2024), em que 2,7 milhões vivem do ‘assistencialismo’ e com salários abaixo dos 800 euros mensais (e sabendo que não conseguirão viver de outra forma até morrerem, pois a baixa de impostos e a vinda de empresas privadas não os fará ganhar mais do que uma esmola face ao preço das rendas de casa e das propinas para os seus filhos estudarem em boas escolas e universidades), falar contra o ‘assistencialismo’ é fazer o PSD perder votos.

    O Passos é um herói para o eleitorado mais fanático do PSD, mas é um trunfo para a Oposição de ‘esquerda’ ter votos.

    IMIGRAÇÃO:

    O PSD e o ‘Chega’ (e a maior parte dos partidos ditos de ‘direita’) têm uma opinião ingénua em relação à imigração.
    Portugal em 2023 bateu records de exportações, numa percentagem acima da maioria dos países europeus. Razão por que cresceu mais do que eles.
    Porquê?
    Porque Portugal conseguiu contornar as sanções impostas à Rússia, que era o destino de muitas das exportações de muitas empresas portuguesas?
    Porque passou a exportar para países como a Mongólia, Cazaquistão, Uzbequistão, China, Azerbaijão, Índia, etc. Países limítrofes da Rússia, onde a Rússia vai buscar esses produtos.
    E, nesse processo de fuga às sanções, os imigrantes desempenharam um papel crucial na mediação linguística e comercial com esses países.
    A característica da ‘Cultura Portuguesa’, de ser miscigenada e de uma longa tradição multicultural, tornou-se numa vantagem competitiva.
    Um discurso xenófobo contra a imigração é, não apenas tonto e incompetente, como sobretudo prejudicial ao interesse de Portugal enquanto Nação soberana e independente no atual mundo.
    Portanto, aquilo que parece ser uma coisa, neste caso é outra.
    Para se Governar a Polis tem de se ter outra competência, muito maior do que a reação primária e imatura perante a realidade da Vida.

  4. ó pá , desculpem , a errata está errada. já estou baralhada.
    passo a explicar , o que assusta é a falta de mulheres entre os asiáticos , todos em idade casadoira.

    de resto não tenho nada contra a imigração. de qualquer cor. o mundo é assim , diverso.

  5. Oh “yo”, não faças perguntas incómodas!
    Não vês que anda muita gente anestesiada? Quando acordarem é tarde.

  6. Assusta?

    Mostra que não gostam de cá estar, e deixam no país deles o que têm de melhor, no sonho deste sacrifício que cá estão a fazer valha a pena para o futuro que desejam.

    Não trazerem para cá as mulheres é uma cuspidela na sobranceria da Cultura Ocidental xenófoba, colonialista e suprematista.

    E desses ‘pretos’, quantos são portugueses nascidos cá, iguais aos brancos e mulatos de cá pretensamente descentes dos estrangeiros galegos-borgonheses de 1143?

  7. Começa por “num sábado, há duas semanas, andei de Metro em Lisboa” e depois perora sobre o que deve ou não preocupar as pessoas que andam de metro todos os dias da semana (quando não há greve), de madrugada e à noite – depois, ou antes, de apanharem um barco, um comboio ou uma camioneta, que os deixa lá onde a malta de crise da habitação não sabe, nem quer saber, quanto é a renda de casa . É a nossa esquerda, e é linda. (peço desculpas à malta do PCP por os ter metido nisto, claro)

  8. A minha reacção é que o senhor é o rei dos cinicos ! Então a sua tese, que sempre defendeu neste espaço, não é a de que a invasão russa foi “não provocada ” ?

  9. A questão da Ucrânia (tal como a de Cuba, Kosovo, Palestina, Indígenas australianos, canadenses, americanos do norte e sul, Nigerianos, Catalães, Irlandeses, Escoceses, e muitos outros atuais Povos e Nações) é muito difícil e complexa. Por não haver possibilidade de separar humanamente de modo absoluto e definitivo os ‘inocentes’ dos ‘culpados’, ‘os que têm toda a razão’ de ‘os que não têm razão nenhuma’, ‘nós’ do ‘outro’, etc.

    É necessário definir os critérios pelos quais desejamos discutir o assunto.
    Neste caso da Ucrânia o que escolhemos para critério da legitimidade?
    O último acordo-tratado assinado pelas partes em conflito, sob a égide da ONU? Ou os acordos-tratados que antecederam o último (o mais recente)?

    ORA, o último (o mais recente) foram os designados “Acordos de Minsk”. Quem os não cumpriu? Quem os assinou, e veio dizer publicamente que não os queriam cumprir?

    PORQUE, se começamos a recorrer aos Tratados-Acordos anteriores a esse de ‘Minsk’ acabamos onde?

    Se fossemos aos Tratados anteriores, teríamos de ir aos Tratados do séc. IX, assinados por Oleg, o Sábio (879-912); ao Tratado da Reunificação na Dinastia Rurik; ao Tratado de Bohan Khmelnytsky e Zemsky Sobor com o czar Alexei assinado em 18 janeiro de 1654; ou ao Tratado Küçük Kaynarca de 1775 (segundo o qual as terras da atual ucrânia, do sul da planície russa, e da península da Crimeia se tornavam territórios governados pela Rússia).

    O mesmo para a Palestina. Acabaríamos na lei do Talião e antes do Antigo Testamento e da Tora.

    Logo, há aqui um problema maior, mais difícil, e mais profundo em termos humanos.

  10. hahahahaha valupi, não passas de um farsolas gigante. espero que os soldados ucranianos mortos te assombrem o sono.
    e isto se o teu silêncio perante o genocidio palestiniano não significar algo pior claro
    seja como for, muito pouca moral para falar de supostos crimes racistas dos outros

  11. “A solução dos populistas de direita contra o crime é sempre serem eles a cometer crimes.”

    Há lá frase mais populista que esta?

  12. Montenegro já apareceu ao lado de Passos, ao lado de Cavaco, ao lado, de Santana Lopes…Montenegro não tem vergonha na cara!

  13. Só vi aqui dois nomes, Ricardo e ucrania e isso bastou para iniciar esta mensagem.
    Valupi responde a isto e aceita que tu pretendes uma ajuda incondicional a ucrania.
    Não é melhor a nato ativar o artigo 5 e ser atacada pela Rússia, portanto deixar a Rússia seguir com o plano (infundado obviamente) de invadir a Europa, do que um país da nato isoladamente avançar com tropas para a ucrania sem estar protegido pelo mesmo artigo? Ah mais uma coisa, é de um profundo egoísmo dizer “guerra na ucrania ” visto que subentende se disso que enquanto for na ucrania está tudo bem, não é no nosso território.. Já deves ter idade para ter algum juízo pá

  14. Gostei do “ostensivelmente estrangeiros” em vez de “com caracteristicas que me levaram a presumir que eram estrangeiros”.

    Projectarmos nos outros – ou numa realidade pretensamente “objectiva” – as causas dos nossos pequenos viés e preconceitos é o elemento chave para entendermos como funciona a discriminação de 2a geração, a que ja não se situa no plano do racismo puro ou da xenofobia desinibida, mas no “eu não sou racista, mas…”.

    Boas

  15. João Viegas, ostensivamente estrangeiros porque falavam outras línguas que não o português, para além de parecerem de outras paragens.

    Mas que isso não te limite na tua capacidade para disparatares.

  16. Concordo com o texto e o meu reparo é uma minudência, mas a tua resposta não colhe : quem é que te diz que o facto de eles falarem outras linguas do que o português exclui que eles tenham a nacionalidade portuguesa ? Não existem portugueses que sabem falar outras linguas ? Para além disso, o meu reparo não é propriamente sobre as razões que possas ter, ou não, de suspeitar que eles eram estrangeiros, mas sobre o facto de as apresentares como devidas a comportamentos ostensiveis dos outros, em vez de as atribuires a vieses e preconceitos teus (e repara que ter preconceitos não é um mal em si).

    Boas

  17. joão viegas, discordo. Perante pessoas com aparência física de nórdicos, a falarem uma língua que parece nórdica, não há nenhuma razão para perder tempo com a altíssima improbabilidade de, afinal, serem portugueses.

    O mesmo para outras nacionalidades e respectiva semiótica fenomenológica.

  18. Not my point. A questão é tu achares que eles estão a manifestar ostenvivamente o facto de serem estrangeiros. Não estão. Eles estão apenas a viver a sua vida. Tu é que lhes atribuis, pelas razões que expões (mais ou menos convincentes, alias, mas não é este o ponto central), a qualidade de estrangeiros. Projectas na realidade uma construção que é tua. Por isso é que digo, sem qualquer animosidade (provavelmente somos todos “racistas” nesse sentido, pelo menos tendencialmente), que se trata de um mecanismo psicologico que esta na base de muitas discriminações : se fores parecido comigo, acho normal, se fores diferente, acho que estas a manifestar ostensivelmente uma diferença…

  19. podia então haver muito mais estrangeiros franceses italianos espanhóis venezolanos brasileiros de origem , europeia argentinos e sei lá mais quê idênticos aos portugueses . desde que estejam calados não se dá pela diferença. queres ver que eram 90 % de estrangeiros? -:) -:)

  20. Perante o normal o diferente é quase sempre ostensivo, ou seja, parece existir uma intenção ilusoria do diferente de se salientar ou mostrar. Ora tudo nao passa de uma interpretação subjetiva da presença do outro, uma quebra do padrão, um exotismo que afecta a sensibilidade, ou melhor, um viés, como disse e bem o Viegas. Pode também ser um olhar turístico, superficial, não vivido, não por acaso o Metro, o underground, o não -território, a exclusão, é o introdutor da peça que depois decorre numa exemplar definição do que se conhece tão bem .Um bom texto por isso mesmo.

  21. o metro é um óptimo meio de transporte , mas com a descrição que alguns fazem dele , quem nunca o frequentou fica a pensar que é só para pobres e excluídos e turistas de pé descalço.
    os lisboetas , que não devem querer misturar-se com os “pobres” andam todos de uber , só pode.
    o que lisboa mudou em meses , nossa senhora.

  22. Valupi tu é que tens de rever os teus.O meu comentário não é sobre o serviço do Metro, para isso consulto estudos qualitativos, é sobre a experiência que é relatada. E utilizo regularmente o Metro mais do que tu pelos vistos.
    Ou será que por oposição os excluídos são “pouco fixes, lentos e ameaçam a segurança”?
    Começo a achar esse ostensivamente, a ameaça à tua sensibilidade, mais parecido com uma “sensação de inseguranca” que não conseguiste disfarçar no texto.

    E sim o Metro é transporte mas também (pelas suas características) é abrigo para os mais pobres e muitos sem abrigo que procuram ai refúgio .

  23. JStrummer, para cientista social, estás-te a revelar demasiado amador até para o gasto nas caixas de comentários deste pardieiro.

    O texto começa com uma referência temporal: sábado. Podia ter acrescentado uma precisão que o tornaria ainda mais sociologicamente exacto: à tarde. Quer isso dizer, como sabes como assíduo frequentador do Metro, que há grande variação demográfica ao longo dos sete dias da semana e no ciclo horário diário. Ao sábado, a quase totalidade da população trabalhadora que usa esse meio de transporte está a curtir o fim-de-semana. O mesmo para a população estudantil. Donde, o texto remete para o que poderá ser (ou então não, é só um palpite) um segmento da classe trabalhadora que labuta ao sábado em funções associadas à imigração desqualificada, à mistura com ostensivos turistas (ou residentes estrangeiros), os quais usam o Metro por ser uma opção racionalmente preferível.

    Não, mano, o Metro não é apenas seguro como serviço, é também seguro como ambiente. E cada vez mais, pois no passado (até há 20 anos, mais lustro menos lustro) era comum os carteiristas terem ali actividade frequente. Com os sistemas de câmaras e a segurança profissional, deixei de ouvir os então tradicionais avisos sobre carteiristas a bordo. Claro, ignoro se esse tipo de crime desapareceu, apenas relato a minha impressão. O mesmo para a questão dos sem-abrigo, os quais poderão ocupar escadarias exteriores quando se fecham as portadas mas que não recordo de ver dentro do espaço Metro. Mais uma vez, porque não sou investigador desse tema, ignoro se continuam a estar nos corredores. Na minha impressão, há anos e anos, nunca.

    Finalmente, é de sensação de insegurança que fala o texto, exactissimamente. Só que o argumento remete para quem, a partir de uma alteração demográfica com súbita intensidade social, quer explorar os mecanismos inevitáveis, na sua potencialidade, de exclusão e diabolização do diferente às nossas identidades nativas. Há quem queira espalhar o medo e isso, por razões que a psicologia evolucionista explica, realmente espalha o medo.

    Claro que nada disto te interessa, pois tu és um “contrarian” que, por misteriosos desígnios, em vez de gastares o teu rico tempo a ler os clássicos vens para aqui fazer hermenêutica à moda da Malveira.

  24. Dizes o obvio e sei bem do contexto, mas distorções as minhas intenções.
    E não sou cientista social, isso és tu pá, com especialização em coscuvilhice politica, um sub segmento do comentariado nacional que tanto criticas e que imitas na perfeição. Sempre que sais á rua espalhas-te é aí que está a questão.
    Eu nunca disse que não era sábado nem desmenti qualquer outra afirmação tua, tu é que a propósito da exclusão deste uma resposta um pouco ambígua em que associas a exclusão ao contrário de limpeza, segurança etc é isso que está em questão.
    já agora tens aqui um texto do mano Guterres que explica bem a que tipo de exclusão estão sujeitos os imigrantes e outros apátridas:
    https://www.dn.pt/3624042361/folhas-caidas/?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter

    Quem tem sentimentos de insegurança são os imigrantes pela forma como são tratados ( um até foi morto pelo SEF) e explorados, e claro tambem andam de Metro.

    “Claro que nada disto te interessa, pois tu és um “contrarian” que, por misteriosos desígnios, em vez de gastares o teu rico tempo a ler os clássicos vens para aqui fazer hermenêutica à moda da Malveira.”
    Eheh

    De quem escreve um primeiro parágrafo que parece uma versão urbana de um cronista dos Descobrimentos na Guiné ou da chegada de Vasco da Gama à India, feita por um narrador não confiável (unreliable narrator). É melhor do que um clássico!
    Adeus

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