Para uma teologia sem Deus

É muito difícil encontrar católicos, mesmo quando os procuramos dentro das igrejas. Já encontrar quem tenha opiniões acerca da religião católica, é mais fácil do que pisar beatas à porta do café. Os padres devem poder casar? Saltam logo retumbantes apoios ao casório. As mulheres devem poder ser ordenadas? Caem do céu inflamados protestos contra o atraso de dois mil anos na implementação dessa paridade sexual. A Igreja deve ficar calada quanto ao aborto? Levantam-se clamorosas vozes a exigir que os religiosos deixem de perturbar a sociedade secular com a expressão pública das suas aberrações teológicas.

Muito bem. Não há problema algum com este fenómeno onde indivíduos que não são católicos, nunca o foram, nem se imaginam a ser, desatam a emitir sentenças a respeito de matérias cuja história e racionalidade ignoram. Nenhum problema, dado que é nessa civilização da liberdade, mesmo daquela liberdade que não sai da ignorância, que apetece viver. O problema é não se prolongar o interrogatório. Por exemplo, que pensam essas pessoas do dogma da virgindade de Maria? Faz sentido manter essa léria ou há vantagem em reconhecer que o velho José sempre molhou a sopa na miúda? E quanto aos milagres relatados nos Evangelhos, devemos ignorar as evidências científicas que nos garantem não existir milagre algum neste mundo, à excepção da actual época do Benfica? Já agora, tendo em conta a complicação em que se tornou a concepção trinitária de Deus, não será preferível fazer uma versão simplificada onde a divindade seja descrita como um Noddy de barbas?

Até pagava para conhecer essas respostas.

50 thoughts on “Para uma teologia sem Deus”

  1. belíssima sugestão da Tereza. :)

    E óptimo título do post. Mais do que uma teologia sem Deus, “dentro” e “fora” da Igreja, e, note-se; a Igreja católica não esgota o legado da fé, andamos ao engano com imagens falsas de Deus. Pegando no Deus do cristãos, o que nos faz palpitar de perguntas e respostas, explícitas no post, tem muito pouco a ver, mas muito pouco mesmo, com o Deus que encontramos nos Evangelhos. Onde as questões essenciais não são estes particulares, mas a revelação de um Deus que é Amor.

    Um Deus que está “dentro” e não “fora” de nós.

  2. Não digo que pagaria, a minha curiosidade não chega a tanto. Mas é verdade que já andei entretida em conversas blogosféricas, onde discussões relacionadas com a religião eram comuns, e esse tipo de dúvidas não eram muito apreciadas pelos católicos de serviço. Curiosamente, também diziam que eram fruto da ignorância. E, no meu caso, eram. :)

  3. “quanto aos milagres relatados nos Evangelhos” apetece citar Fernando Pessoa, a propósito do Quinto Império:

    “Na eterna mentira de todos os deuses, só os deuses todos são verdade”

  4. Quanto ao dogma da virgindade de Maria, não tenho dúvidas: a ter existido um filho feito por deus (que ainda falta provar que existe) e se deus é assim tão poderoso e magnânimo, então quando resolveu pôr uma mulher a parir-lhe um filho, pela certa terá havido na concepção orgasmos múltiplos de proporções cósmicas. No mínimo! E não haveria hímen que resistisse a tal.

    Quanto ao resto, parece-me que a religião é assim como as regras de trânsito: todos as conhecem, mas contornam sempre que a polícia não está a ver. Sendo que para tal – e cada vez mais – se refugiam numa contradição absoluta, que é a treta do “católico não praticante”. Quando se trata de religião, ou se é, ou não se é. É que, para o caso, não faz parte da crença ter o “polícia” sempre a ver? Não pode bastar baptizar as criancinhas antes que as criancinhas possam decidir por elas e muito menos ir ao casamento (o primeiro, obviamente) na Igreja só para mostrar aos outros. Ou sair a comentar a torto e a direito as escolhas de terceiros, com base nos dogmas que os próprios não têm qualquer dúvida em contornar sempre que dá jeito. E que resta depois da figura de deus? Um bonecreiro cujo incompetência é consequência da inamovível teimosia do boneco em mudar e passar a cumprir as regras que tanto gosta de impor aos outros?

  5. (e será que escreveu a mensagem nas horas do patrão e usando os lápis e o papel almaço da casa? é que se descobrem sacam-lhe a estátua do chiado e enfiam-na no páteo do linhó, que isto anda perigoso, muito perigoso)

  6. Val, convinha não meteres tudo no mesmo saco.
    Quanto aos casamentos, paridades, milagres, tudo bem, tens razão. Acontece que nunca ouvi ninguém dizer que a igreja devia ficar calada quanto ao aborto. Tu já ouviste? Quem?
    Aquilo que eu ouço a toda a hora é a igreja a criticar as leis do Estado por estas não meterem na prisão quem aborta. Mas se a igreja pode, ou deve, opinar a propósito, por que razão não poderia eu dizer que as posições da igreja sobre esse assunto são de uma selvajaria bárbara sem ter que levar com um chorrilho de acusações de intolerância ou de perseguição à igreja?

  7. E tu o que é que julgas que és? Nem sequer percebeste que se trata de um título de livro referenciado há pouco tempo no «aspirinab». Safa!!!

  8. ouve la’, o’ Valupi, queres respostas com bom-senso ou queres respostas teologicas?

    Para as teologicas, passo, nao tenho competencia. Quanto ‘as do bom-senso, com a ressalva de que e’ eminentemente impessoal e independente da capacidade de organizar a vida com o mesmo acordo, tens alguma duvida de que exigir o celibato a um homem e’ a receita certa para o dirigir para a loucura e para o disparate? Talvez a dedicacao exclusiva aos outros fosse a melhor forma de os ajudar num dado universo ideal; na realidade, e’ como nos avioes quando falta a pressao: primeiro, comecas por vestir a mascara de oxigenio e 2) so’ depois e’ que ajudas os vizinhos a vestir as deles (criancas e senhoras primeiro, ca va de soit).

    Quanto aos dogmas da virgindade e da trindade, e’ pa’, isso e’ mais plural. Podes pintar quadros, fazer filmes, escrever romances com as mais variadas perspectivas. Nao te aconselho, porem, a abordar tais dogmas de um ponto de vista filosofico. E’ um beco sem
    saida. (traducao: se levados ‘a letra, nao passam de estorinhas para adormecer meninos e meninas).

  9. Jcfrancisco,

    Comentário infeliz.

    Fernando Pessoa era um génio, ao qual regresso sempre para me ajudar a pensar. Um visionário. Alguém que se interroga permanentemente sobre os mistérios da vida. Sim, é verdade. Foi empregado de escritório e correspondente em línguas estrangeiras. Por isso teorizou sobre economia, comércio e gestão. O escritório foi apenas o local concreto onde um patrão benevolente deixou que se desenvolvesse o génio criativo de um poeta ímpar.

  10. Para a Mc e o Valupi da última pergunta.

    MC, quando dizes que o evangelho nos apresenta um Deus que é amor, sabes exactamamente do que estás a falar? Supondo que sabes, facilmente responderás à última questão do Valupi, acerca da Trindade Divina dos cristãos. Com efeito, quando falamos de amor, partimos do principio que estamos a referir-nos, necessariamente, a uma comuninade de pesooas. No mínimo dos mínimos, duas, porque ninguém ama sozinho. O chamado dógma cristão da Trindade Divina reporta-nos um Deus pluripessoal. A partir daí p.oderá definir-se Deus como Amor.
    O problema é que nos evangelhos não resulta claro este Deus plural. Antes pelo contrário. Mas isso é outra história. O certo é que o cristianismo desenvolveu-se até chegar à pluralidade divina.
    Se fizermos uma analogia entre uma familia de três pessoas divinas e uma familia humana de três pessoas, não vejo onde está o berbicacho de três serem um e vice versa, com base num factor comum aos três, por exemplo, a «humanidade. Eu, a minha mulher e os meus filhos somos seis pessoas iguais e distintas numa só humanidade verdaddeira. Nenhum de nós se confunde com o outro…
    Ora os cristãos aprendem a dizer na catequese, acerca de Deus, que são «tres pessoas iguais e distintas e um só Deus verdadeiro». Então são tres Deuses? Não senhor, dizia a minha catequista.
    Muitas pesooas e uma só Humanidade; tres pessoas divinas e uma só Divindade.
    Digam lá se náo é o Deus mais lindo e humano que se pode imaginar!

  11. A minha ideia era chamar a atenção para o texto e a foto do livro publicados em «aspirinab», ideia simples e sem maldade – foi nosso «livro da semana» com o nº 170. Nada mais. Tirei um curso de Contabilidade não de filosofia – só vou até onde posso. Não discuto teologia nem ontologia nem ética nem moral.

  12. Mario,

    porque é que a minha afirmação “Deus-Amor”, te leva a invocar o dogma da Trindade? Eu não o referi, pois não? Nem tal transparece dos Evangelhos.
    Deus-Amor não é um ser solitário. Se fosse, não era amor (até aí também chegaste). Cristo chegou a dizer:”eu e o Pai somos um só”. Mas isto não reporta necessariamente ao dogma da Trindade. A qualidade da relação entre os dois é que lhe permite dizer isso.
    Imagem disso, tal como a referes, é o amor humano entre as pessoas. Mas Deus Transcende essas nossas imagens. Por isso, sempre que queremos dizer Deus, quer encerrando-o num dogma, ou ilustrando-o com as nossas limitadas experiências humanas, corremos o risco de um beco sem saída (passe a redundância).

    É tolice uma teologia sem Deus e é igualmente tolice um Deus criado à nossa imagem e semelhança.

  13. Dedico esta parte do Tao Te Ching ao jcfrancisco:

    Aquele que se ostenta não encontra reconhecimento
    (…)
    Aquele que se vangloria não alcança superioridade

  14. Na terra de Blimunda, o fonema deu o morfema, que deu a palavra que se fez ouvir, na voz dos congressistas; “….. foi o Sócrates, foi ele, foi ele, quem lhe tirou os três” E o Baltasar, moita carrasco!

  15. claudia, touche’!

    se costumas andar por aqui, sempre poderas ajudar-me a esclarecer as duvidas de ultima hora :O)))))

  16. Ando sempre por aqui, mas na maior parte das vezes não comento. Quando tiveres dúvidas, manda aí. Eu esclareço a tua mente obscura :-)

  17. Nesta questão, procuro apontar um novo caminho a todos aqueles que se interessam pela reforma da Igreja. Embora não seja o meu caso, posto que não sou católico nem pretendo influenciar os católicos, aconselho a que se conheça primeiro o alvo da crítica, e depois que se entre em diálogo com os membros da Igreja. E eles são tantos que alguns até parecem comungar das mesmas ideias repetidamente ouvidas na praça pública quando se trata de malhar nos padrecos, no Papa e no Vaticano. Porém, quem é da Igreja não renega aquilo que faz de uma qualquer religião uma entidade diferente de uma ONG: o fundamento, e destino, espiritual. Sem compreender essa dimensão, aquilo que se diz da religião católica arrisca-se a ser apenas estéril subjectivismo.

  18. do Fernado Namora

    “Aqui ao meu lado o bom cidadão
    escolheu Sagres
    que é tudo tudo cerveja
    a pausa que refresca
    a longa pausa de um longo cigarro King Size.

    atenção ao marketing.

    Eu não gosto de cerveja
    mas tenho que gostar que os outros gostem de cerveja
    sobretudo da Sagres
    para não contrariar os fabricantes de cerveja.

    atenção ao marketing.

    Ninguém contraria os fabricantes de cerveja
    ninguém contraria os fabricantes da Opel e da Super Silver
    nem os fabricantes de alcatifas para panaceias
    nem as panaceias nem os códigos e os edredons macios
    nem as mensagens de Natal dos estadistas
    nem os negociantes de armas da Suiça
    nem o homem de capa negra que virou as costas ao Palmolive
    Está tudo perfeito e deito-me no conforto de um Lusospuma
    a ver as procissões passar mesmo sem anjos mesmo sem anjos
    que são agora selvagens e voam numa Harley”

  19. Mas como as lembranças não deixam nódoas negras, mais Fernando Namora.

    “Também vou arear as caçarolas e os nervos e os miolos
    com um pó azul de que não me lembro o nome
    Não me lembro mas a culpa não é minha
    porque na mesma noite
    massajado com Aqua Velva
    fiz a barba com Gillette e Schick e Nacet
    e fui não sei onde sempre com a mesma lâmina
    e oito dias depois (eu era actor ou toureiro?)
    a lâmina ainda me escanhoou mais uma barba
    antes de eu descer no aeroporto
    onde me esperava um agente do marketing.

    Atenção ao marketing!”

  20. E porque hoje é Domingo – o Pai, Filho e Espírito Santo doutrinários andarão assim tão longe do Id, Ego e Super Ego Freudianos?
    É que normalmente Freud explica muita coisa…

  21. certo, certo!

    o estar “fora” permite uma segurança confortável. Apontam-se caminhos à esquerda e à direita sem qualquer tipo de compromisso. Mais uma vez: certeiro o título do post.

  22. Se deus fez o homem á sua imagem e semelhança havendo homens brancos, pretos,amarelos e vermelhos qual seria a cor de deus?

  23. o estar fora é uma impossibilidade teológica, MC. Para quem tem fé o fora não existe, para quem não tem não existe o “dentro” que permite o “fora”.

  24. Tereza

    porque será que escrevi “fora” entre aspas? mas o “fora” anterior era referente à posição confortável de quem se põe àparte a sugerir em que devem acreditar e como devem ser os católicos. Não é que pessoalmente despreze as críticas, mas permito-me a liberdade de escolher os meus caminhos.

  25. Eu vi as aspas mas por vezes parece que usamos as aspas da mesma forma que usamos os quatro piscas, para ir tomar café e vir já já…

    mc, eu não sei se acredito ou não em deus mas sei que seria tão difícil dizer que não sou católica como dizer que não sou portuguesa. Podemos mudar de nacionalidade e de fé, podemos até renegar as duas, mas não podemos tirar de nós a nossa história.

  26. Mario,

    não há novidade nenhuma nessa ideia de deus como plural na sua unidade. Então queres mais pluralidade na única divindade, do que, por exemplo, no hinduísmo? Aos milhares, as facetas de Deus.

  27. também acho, hoje apareceu-me uma caneta num bolsinho da mochila que eu ontem tinha revistado três vezes, o que me fez ir comprar uma daquelas de 4 cores para revêr bem o paper, cumprido isso a outra reapareceu. Prático. Mas eu gosto mesmo é de dormir e voar,

  28. &,
    perfeito, esse episódio das canetas… Tenho uma com seis cores, é um bocado à menina :)

    Calha que estou a ler Histórias do Bom Deus, do Rainer Maria Rilke…É muito divertido vê-lo brincar com as coisas sérias de Deus…Acho que Ele se divertiu muito ao ler o livro…

  29. eu dantes assustava-me com estas coisas que desaparecem confirmadamente e reaparecem, agora sorrio-me.

    Entretanto eles estão ao ataque, trocando tudo como convém, agora fomos nós que fizémos o descalabro e já agora a guerra do Iraque,

    a sombra do abismo,

    xonex, dorme bem também.

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