A situação de Israel na sua relação com os palestinianos causa a este observador distante na velha Lísbia, apaixonado pela cidade, um permanente estado de conflito moral. Culturalmente, a identificação é com a nação e cultura judaicas por razões de fundo etnográfico comum e modelos sócio-políticos similares. Civilizacionalmente, os palestinianos têm o mesmo direito que os israelitas a viverem num território de que sejam soberanos, sem margem para qualquer relativismo.
O ponto final do parágrafo anterior marca o limite da minha capacidade analítica no plano da História. A origem do país Israel confunde-se indistintamente com os séculos e milénios em que os povos da Europa foram a força política e militar mais decisiva naquela parte do Mundo. E esse nascimento tem uma relação directa com o Holocausto nazi. A violência que se abateu sobre os judeus até aos dias de hoje, começando pela invasão de Nabucodonosor só para ter uma data inicial qualquer e prosseguindo com o sistémico e ubíquo antissemitismo, é impossível sequer de elencar. Donde, quando são os israelitas a violentarem os palestinianos o risco moral é o da duplicidade, essa pulsão de encontrar justificações verbalizadas ou silentes para o que deve ser denunciado como abuso e crime.
No que tem sido, e não parece poder deixar de ser, uma guerra de vida ou de morte sem possível compromisso, ficar calado é sensato. Mas só porque a probabilidade de se largar uma obscena inanidade é altíssima. A ter de dizer alguma coisa, que seja esta: “debaixo do sol não há nenhuma novidade”.
que linda apologia ao equilíbrio, sentença laudatória, adoro. como eu te ramo, Val
«E esse nascimento tem uma relação directa com o Holocausto nazi. …»
Um pouco simplista, não ? Qual a atitude dos vencedores para com os sobreviventes ? Convidaram-nos a regressar aos seus locais de origem e a retomarem a vida interrompida ? Mais: em França, por exemplo: quem apontou aos nazis onde estavam os judeus ? Quem lhes ficou com os bens quando a guerra terminou ? Na América: quem recusou acostagem a navios de refugiados judeus ? Vamos reescrever também esta história ?
A criação de Israel tem uma relação directa com o nazismo ( na Alemanha e fora dela ); mas tem uma relação ainda mais directa com a hipocrisia de quem pretendeu matar dois coelhos com uma cajadada – ver-se livre de judeus que sobraram sem ter de lhes devolver o que lhes roubaram.
Ricardo, bota simplismo nisso.
Quanto à tua versão, e admitindo que não estavas lá ao tempo, é mais uma versão que não anula a tese: Israel acontece tendo o Holocausto como principal factor histórico a criar as condições internacionais para a ocupação da Palestina.
hubris…não se pode andar por aí com a conversa de ser” povo eleito ” sem virar saco de pancada.
Caro Valupi,
Sendo “Holocausto” entendido como genocídio de judeus promovido sob a égide do nazismo ( coisa por sua vez associada a determinada fase da vida politica da Alemanha ), pode-se inferir do seu texto que mais ninguém na Europa teve qualquer responsabilidade no processo. Ora não terá sido assim. Se o anti-semitismo não fosse transversal nas sociedades europeias da época, dificilmente o holocausto teria tido as proporções conhecidas. Tanto assim que as portas do “regresso” foram fechadas na cara aos sobreviventes. Na região de Limoges, onde vivi durante muito tempo, por exemplo, há abundantes testemunhos vivos dessa realidade, não sendo por acaso que boa parte da elite local dos negócios descenda de quem se abarbatou com património de judeus. Foram franceses quem apontou, juntou, “exportou” e confiscou os bens de vizinhos judeus ; foram franceses quem deu fogo aos registos prediais após o fim da guerra para apagar o rasto da golpada e justificar o “usocapião” ; foram ainda franceses quem recusou acolher quem tentou regressar à vida que tinha. Consequentemente, a criação de Israel é também uma criação dessa tremenda canalhice . Quem foi para Israel não foram unicamente judeus alemães; e nem todos foram voluntariamente. São factos históricos bem estabelecidos. Compreendo que não compaginem com as narrativas de superioridade moral que gostamos de produzir sobre os vencedores do conflito. Mas isso não basta para mudar o que se passou.
Em complemento, para quem possa ter interesse:
https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/refugees
https://www.facebook.com/100088504554398/videos/169318526230340?idorvanity=944995956870607
judeus ortodoxos manifestam em favor dos palestinianos
não deixa de ser curiosos que os asquenazes , a maior comunidade de judeus nos usa ( 80% no mínimo) e metade dos israelitas e que segundo vários estudos genéticos têm origens europeias e não no médio oriente, sejam os sionistas mais ferozes.
https://noticias.up.pt/portuguesas-descobrem-origem-europeia-dos-judeus-ashkenazi/
de todos modos , quando se instalaram em jericó “a mando de Deus”, mataram e espoliaram quem lá vivia. pois , em jericó vivia gente.
direito às terras têm nenhum , historicamente falando.
Ricardo, nada do que dizes me suscita contraditório. Nem contradiz o que escrevi; o qual, como começaste muito bem por dizer, não passou de um simplismo. Como estamos aqui armados em historiadores, é natural que haja competição para fazer vingar a narrativa própria. Só que a minha não compete com a tua. Nem sequer sei ao que te referes com o remoque da superioridade moral, posto que sendo o antissemitismo ubíquo (o que está no texto que vieste comentar) é igualmente verdade que o Holocausto só aconteceu na Alemanha nazi, e continua a ser verdade que essa Alemanha nazi só interrompeu o Holocausto porque foi derrotada por quem nunca tinha feito nem queria fazer Holocaustos.
Quanto aos bens abarbatados aos judeus na Segunda Grande Guerra aqui e ali, isso não é necessariamente antissemitismo pois confunde-se com a ganância universal que nas guerras atinge um grau máximo de oportunismo. Isto é, quem puder obter um qualquer ganho ilícito vai tentar a sua sorte.