Os reis do jornalismo e a sua falta de interesse

Se António Costa destruiu qualquer possibilidade de haver um bloco central em Portugal. Agora, com esta comissão de inquérito, Passos Coelho destrói o bloco central de interesses económicos que geriu Portugal nos últimos 25 anos. Aquela velha cumplicidade entre PS e PSD, que permitia aos reis do negócio repartir Portugal, morreu.


JOÃO VIEIRA PEREIRA_Há crime na Caixa

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Esquecendo a exótica sintaxe que dá origem à primeira frase, a expressão “bloco central de interesses económicos“, com ou sem o calendário aqui aposto, é um tropo do discurso à esquerda do PS (inclusive dentro do PS) e, e talvez ainda mais, do discurso de alguns jornalistas politicamente opinativos quando lhes dá para simularem uma postura de “isenção” ou “equidade”. Também tem gasto em meios populistas e caluniadores, embora ai seja mais frequentemente usado com precisão e cautelas para apenas manter o fogaréu que cozinha o ódio da turbamulta contra certos alvos socialistas seleccionados. Vale a pena analisar a economia do uso desta figura que nasce de um estilo decadente de fazer jornalismo ao serviço de uma forma decadente de fazer política.

Este João Vieira Pereira, director-adjunto do Expresso, usa o seu palco como cronista e editorialista para atacar o PS. Não há mais nada de notável ou de reconhecível no que escreve para além deste seu gosto. Tudo bem, o patrão deve andar satisfeito com essa produtividade, e é exactamente o que está a fazer na peça citada. O seu título diz tudo, a mensagem é a de que temos em Passos Coelho o herói que vai acabar com décadas de corrupção expondo os criminosos do PS, é certo, e do PSD, é igualmente certo embora não se comparem em malfeitorias com os outros. O sr. Pereira está convicto de qual será o desfecho do inquérito e entusiasmado com a coragem necessária para finalmente se proceder à histórica limpeza.

Vamos agora imaginar que algum maluco conseguia reunir todos os textos publicados por jornalistas deste calibre e estatuto, mais as eventuais gravações de declarações televisivas e radiofónicas dos mesmos, onde tivesse sido usada a expressão “bloco central de interesses” e variantes. Tal daria origem a uma listagem com centenas ou milhares de entradas referentes a muitos anos. O que é que, seguramente, não encontraríamos em qualquer delas? A explicação do que está em causa para o interesse público, com referências objectivas e factuais ao sentido pejorativo ou ambíguo da fórmula. E a razão para essa ausência não custa a encontrar: tentar associar qualquer acto concreto no plano da actividade do Estado ou de privados, ou entre ambos, com uma suspeita de qualquer tipo de ilícito, legal ou moral, é entrar no território da difamação e da calúnia. Então, estes passarões nada concretizam, o que lhes garante a imunidade para continuarem a usar essa munição de baixa política ao produzirem as suas peças e contributos “jornalísticos”.

Contudo, a fórmula recebe uma tácita aprovação popular por aparentar ser um retrato exacto do que se passa. Se privássemos com estes jornalistas de “referência”, e bastaria uma conversa com o fulano aqui na berlinda, a probabilidade de escutarmos dezenas e dezenas de histórias que ilustram a substância da mensagem ultrapassa os 357%. Histórias marcadas com o selo “verídico” porque testemunhadas pelo próprio ou recebidas em 1ª mão por algum protagonista das mesmas. Afinal, pertencer à elite jornalística implica ir a muito almoço e a muito jantar, geralmente bem regados do belo néctar e de muitas conversas espirituosas. Só o tópico BES daria para encher meses de serões bem passados a contar episódios picarescos e até grotescos adentro da categoria “bloco central de interesses”. O povoléu alinha no diagnóstico não tendo de gastar mais do que o tal bom senso que Descartes lembra estar tão bem distribuído que a ninguém ocorre pedir mais do que aquele que calhe ter. Esse pessoal dos cargos e dos negócios, que aparecem nas notícias quando mudam de poiso e sobem na hierarquia, são uma cambada de ladrões ao serviço dos mafiosos do “bloco central de interesses“. Como explicar sem recurso a essa entidade tentacular com sede desconhecida que beltrano e sicrano tenham sucesso no trabalho e na vida? Como poderá alguém servir o Estado em funções de topo, ou ser contratado por uma empresa para um cargo superior, apenas pelos seus méritos, disponibilidade e interesse nessas responsabilidades? Impossível no mundo do analfabrutismo, da miséria moral e do rancor.

A expressão é plástica e adequa-se a semânticas tão variadas quantas forem as intenções do seu uso. Porém, como neste exercício do JVP, o mais frequente é que permita fazer referências eufemísticas a um estado generalizado de corrupção, tão grave que teria conseguido dominar o regime nas últimas décadas. E tão mais grave por ter sido organizado pelas sucessivas lideranças do PS e do PSD, com o CDS a reboque e os Presidentes da República, mais os deputados de todos os partidos com assento parlamentar, mais os magistrados, todos a assobiarem para o lado ou, mais lógico, a comerem da mesma gamela. Só nesta extensão criminosa é que se pode interpretar o substantivo “interesses económicos” e a imagem verbal “repartir Portugal“. A ser assim, a prática política não passaria de uma burlesca e espantosa comédia onde os agentes combinariam insultar-se em público para melhor encobrirem os abraços que davam nas catacumbas enquanto dividiam o espólio dos assaltos ao tesouro. Bata num tacho quem considere alucinada esta sugestão. Não se ouve nenhum, né?

E que fez o sr. Pereira até hoje, do alto do seu prestigiadíssimo jornal, para denunciar e combater a infernal situação? Ele próprio responde: esperou que Passos Coelho se decidisse a fazer um inquérito à CGD, meses após ter largado a sua tutela. Ou seja, não consta que este jornalista, nos últimos 25 anos, tenha tido interesse em perturbar o bloco central que, portanto, pelas suas próprias palavras, está por inerência na origem do sucesso de quem lhe paga o salário.

8 thoughts on “Os reis do jornalismo e a sua falta de interesse”

  1. é mais um panamá, desta vez é para foder a restruturação da caixa, que não fizeram à semelhança do arrastar do banif, e para darem uma saída política ao buraco em que a justiça se meteu com o caso sócras. quando a coisa inchar de nomes direitolas chutam para longe, até lá vai ser um fartar de escândalos financeiros protagonizados pelos xuxas. andamos a ver este filme há 16 anos e ninguém põe cobro a esta merda.

  2. Ignatz

    O caso Sócrates não tem saída nem para a Justiça nem para a Política portuguesa. É uma linha recta contra um muro de betão, onde todos hão-de partir os ornamentos que usam na testa.

    Quanto à manobra para f… a reestruturação da Caixa, depois de o PCP se ter posto a milhas agora o Bloco também veio destapar-lhe a careca. Já não há idiotas úteis.
    E como as “forças de bloqueio” europeias dentro de dias vão levar um abalo continental com os resultados do referendo inglês, pode ser que comecem a deixar de meter nojo e não se atravessem na Caixa (mesmo que ganhe o não ao Brexit se a coisa for renhida eles não ganham para o susto).

    Ainda ontem na última quadratura do círculo o Lobo Xavier veio dizer que a CI à Caixa é para desviar as atenções do facto de o Governo ter conseguido fazer aprovar em Bruxelas um plano de re-estruturação da Caixa como eles nunca foram capazes (ou nunca quiseram) apresentar. Disse que isso era muito embaraçoso para eles e que isto é para desviar as atenções.
    Esperemos que o Governo não ande a dormir ….

  3. 1º – E qual é o problema de atacar o PS? 2º – Pelo menos o JVP assina os textos.

    Passe bem.

  4. tão fixe este que podia bem ser a política e a hedonê. bora lá um com a psiquê, Val. :-)

    ó Maria Vaz, só não lhe sabe da assinatura quem o não lê. ademais, Valupi é uma marca registadíssima. :-)

  5. e tu, pagarias para comprar um jornal em que lá estivesse o vieira pereira a fazer, ininterruptamente, broches ao passos coelho? é por estar pejada de vieiras pereiras que a imprensa vai toda pelo cano…

  6. Os ataques a jornalistas deviam envergonhar seja quem for e mais quem gosta da liberdade de expressão, consagrada nos países da UE ; com vigor igual se defendem os que pensam como nós, tanto como os que pensam o contrário. A estes ultimos rebatemos, ponto por ponto as diferenças, defendendo sempre a sua liberdade de dizer o contrário do que eu penso. Há aí tudologo na praça que devia ter vergonha do que escreve.

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