Onde está a direita?

We must not confuse dissent with disloyalty. When the loyal opposition dies, I think the soul of America dies with it.

Edward R. Murrow

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Há semelhanças incríveis, ou inevitáveis, entre Sócrates e Obama. Ambos se propõem reformar uma economia em crise estrutural. Ambos querem uma sociedade onde o Estado proteja os mais fracos e os mais inteligentes. Ambos têm que lidar com uma direita velhaca, paranóica, reduzida à infâmia. Ambos têm um passado que é alvo de ataques sórdidos. E, finalmente, ambos decidiram lutar contra o poder mediático pervertido sem recorrer à perversão, assumindo o combate político frontal contra quem usa o escudo jornalístico para fazer terrorismo político.


Quando Manuela Moura Guedes foi afastada do Jornal de Sexta, aquilo que simula ser a direita portuguesa de imediato caluniou Sócrates e Governo. Paulo Rangel chegou ao ponto de soltar esta transparente pulhice:

É preciso um levantamento da sociedade civil a favor da liberdade de expressão. José Sócrates conseguiu a coisa extrema de limitar a liberdade de expressão em Portugal 35 anos depois do 25 de Abril. É absolutamente espantoso que em 2009 tenhamos que voltar a empunhar a bandeira da liberdade de expressão. É uma coisa absolutamente intolerável num Estado de direito a sucessão de episódios que culmina na suspensão do Jorna Nacional e no afastamento da direcção da TVI. Já tinha começado quando ainda estava o parlamento a funcionar, consumou-se com a saída de José Eduardo Moniz e agora tem este desfecho. É a prova cabal de que existe um enorme condicionamento governamental da informação e claustrofobia democrática em alto grau.

O fim do JN6, pois, servia às mil maravilhas os propósitos da campanha negra do PSD. Nada de novo se esperava no caso Freeport, o assunto fora explorado de todas as formas possíveis na TVI ao longo de 9 meses. O programa, apresentadora e comentador residente já tinham sido ridicularizados e reduzidos a uma rotina circense. Se continuasse até às eleições, tal poderia causar reacções negativas nos indecisos, aparecendo como inaceitável perseguição a Sócrates – e ao PS – em período eleitoral. Bonito, bonito, para além das canções do Tó Zé Brito, só uma farsa que entalasse o Engenheiro sem que ele pudesse defender-se. Algo que metesse espanholitos, pouco importando que esses hermanos estivessem agora contra o PSOE; já para não falar no pormenor de ser provável que até um espanhol tenha direito ao bom nome. Mas os canalhas não se atrapalham, nunca deixam a realidade estragar uma boa conspiração.

A saída do Zé Manel também suscitou manifestações congéneres. Consta que o senhor fazia um excelente jornalismo, que desmascarou Sócrates uma série de vezes, o reduziu a um ser acabrunhado e ressentido, que o derrotou com a pena e lhe destruiu a carreira política sem ela. Consta que deixa um glorioso legado no Público, projecto que é hoje a referência indiscutível em assassinatos de carácter. O mérito do Zé Manel é tão grande que talvez o jornal nunca mais recupere da sua passagem. Há traumas que não saem com água e sabão.

George Clooney, um tipo muito parecido comigo mas em giro, escreveu e realizou o filme onde se conta a história do conflito entre o jornalista Edward Murrow e o senador Joseph McCarthy, fanático e implacável perseguidor de comunistas e suspeitos de simpatias comunistas. O filme deixa-se ver por muitas e boas razões, mas vou ficar-me pelo que acontece nos minutos 42 e 43. É um discurso dirigido aos que tentam criar e explorar um clima de medo para perseguirem cidadãos e obterem ganhos políticos ilegítimos. Remete para o que se passou e passa em Portugal, onde a crise na Justiça permite a actual epidemia de indignidades na praça pública. Para esta direita insidiosa, direita ranhosa, que desonra a própria ideia de direita, good night, and good luck:

Qualquer conhecedor da nossa História vê utilidade nas Comissões do Congresso. Há que investigar antes de legislar, mas a fronteira entre investigação e perseguição é muito ténue e o Senador de Wisconsin já a transpôs repetidamente. Não devemos confundir desacordo com deslealdade: uma acusação não constitui prova e uma condenação assenta em provas e no respectivo processo legal. Não viveremos com medo uns dos outros. Não deixaremos que o medo nos torne irracionais. Se mergulharmos nos primórdios da nossa História e doutrinas, recordaremos que não descendemos de medrosos, de gente que receia escrever, associar-se, falar, antes de gente que defendeu causas na altura impopulares. Não estamos no momento de calar a oposição aos métodos do Senador McCarthy nem aos que os aprovam. Podemos negar a nossa herança e a nossa História, mas não podemos fugir à responsabilidade pelo que acontecer.

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24 thoughts on “Onde está a direita?”

  1. E como pode ele, o jornal, recuperar totalmente se por lá ainda anda aquela direita velhaca, paranóica, reduzida à infâmia, de que fala, bem representada por VPV?

  2. o Público já foi, nos escombros da guerra do Iraque, agora de vez em quando leio o i, tem um formato que é um apetite e em 15 minutos está despachado,

  3. A direita está onde sempre esteve, pelo menos em Portugal. Trauliteira e cândida, bajuladora e arrogante, senhora de muitas faces e máscaras. A direita dos “nigóc$os” que vive de uma relação amor/ódio com o Estado.
    A direita insinua e acoita. Insinua nos pasquins, acoita os trânsfugas e os deslumbrados de esquerda,sorri nas porqueiras do costume,diaboliza o valor do salário mínimo, tem os seus homens de mão.A direita que faz a apologia da desregularização do mercado de trabalho (sempre a pensar na sua produt$v$dade)e ao mesmo tempo,de lágrima ao canto do olho, apela à solidariedade da sociedade civil para com os pobrezinhos que ela própria engendra.
    Onde está a direita? Está onde sempre esteve desde que me conheço. Do outro lado da vida.

  4. A tese valupiana segundo a qual o Pinto de Sousa é o messias está de volta! Ele é o salvador de uma economia em crise; ele é quem se preocupa e quem olha pelos mais fracos; ele é o adversário dos hipócritas e fariseus; ele é atacado por estes mesmos fariseus e poderosos que o querem crucificar; ele é o defensor da verdade e do bem.
    Se esta sua «tese» não fosse um hino ao humor, eu diria que o Valupi já atingiu aquele estado de delírio, próprio de quem confunde a propaganda «evangélica» do Pinto de Sousa com a realidade. Se o Saramago tem um visão literalista da Bíblia que se esquece da sua dimensão simbólica, o Valupi tem uma visão simbólico-mitica do Pinto de Sousa que se esquece da sua dimensão real e literal. Valupi é, assim, uma espécie de São Paulo do Pinto de Sousismo: é o verdadeiro divulgador da Palavra do Messias. É o grande responsável pela invenção de uma nova religião.
    Mas vamos pressupor que a sua «tese» fundadora teria algum fundamento. Ora, o que se pode dizer é que o dito messias pós-moderno (tal como o pré-moderno, o JC) apenas quer restaurar, salvar (através de uma «terceira-via») o culto do ismo que os «novos judeus» institucionalizaram: o neoliberalismo. Claro que os neoliberais mais puros não vêem isso com agrado, mas estão de acordo que deus só há um: o deus de «Abraão Smith» e cujo profeta é «Moisés Reagan». A sua preocupação com os mais fracos é a preocupação em impedir a sua revolta (dando-lhes esmolas – mas reduzindo-as ao mesmo tempo, como os desempregados e reformados sabem -e adormecendo-os com discursos para pobre de espírito ouvir), e daí que muitos dos seus seguidores socialistas o critiquem por estabelecer uma fronteira entre o que é de César (o que é da economia neoliberal) e o que é de Deus (o que é da doutrina política para adormecer). Esperavam mais de um tipo que se diz preocupado com os pobres… Por isso a sua oposição aos fariseus e hipócritas é mais aparente do que real. Na raiz dos ataques daqueles está apenas o facto do Pinto de Sousa querer ser o novo representante do deus e do ismo que sempre foi deles. Percebe-se, pois se as políticas económicas de direita eram constitutivas da identidade de apenas um grupo (de um «povo eleito»), agora o dito messias pós-moderno quer universalizar tais políticas a todos os grupos ideológicos ou «povos» do mundo político. A sua mensagem é a de que todos somos filhos de deus, filhos do neoliberalismo reinante, entenda-se… Pinto de Sousa seria assim o grande defensor da verdade e do bem: da «verdade» do sistema vigente e do «bem» neoliberal.
    «Onde está a direita?», pergunta o apóstolo. Está no meio de vós, dos «socialistas», como se o «apóstolo» da mentira não soubesse. Sejamos, pois, claros: que este novo messias é um mentiroso e um mero oportunista está à vista de todos. Os grandes responsáveis pela mitificação do personagem são os São Paulos pós-modernos (ou Valupis) que estão na linha da frente da evangelização dos pobres de espírito. São os comedores-de-parvos como eu já disse noutra altura…

  5. Caro Director, julgo que não compreendeu qual a direita a que o Valupi se refere, é aquela velhaca e aquela que o Jafonso se refere, esta sim, todos a sabemos bem identificada e onde se encontra.

  6. jv:
    Eu entendi. Velhacos, manhosos, Varas de oportunistas.

    Edie:
    No CDS estão os que gostam de traulitada, no PSD estão os que ainda têm cartão de sócio do partido. No PSD também estão os que acham que Passos Coelho é liberal.

  7. (hora de almoço, entre uma sandes de queijo e uma merendeira do dia de pão-por-deus)

    val, quando é que aparece o livro com as crónicas do aspirina coligidas? sei que é uma seca ter de aturar o pais do amaral (o isaías gomes teixeira ainda seria pior) mas esse livrinho daria-me jeito para oferecer no natal aos meus amigos anti-sócrates (o facto de ser essa a nossa única divergência faz com que a amizade ainda se mantenha). vá lá, faz lá o jeitinho…..

  8. E pq é q na operação furacão ninguém sabe os nomes dos passarões que fogem ao fisco e obrigam os pagantes a ter de pagar mais do que seria necessário, e neste caso o Vara foi logo nomeado e sumariamente julgado e condenado como corrupto pelo “tribunal da praça pública”?
    É preciso alguém (com gdes tomates) para limpar a merda que se arrasta no MP e PJ e punir com mão pesada as fugas ao segredo de justiça que alguns, que ninguém elegeu, usam para proseguir a sua agenda de interesses, para começar a exigir resultados concretos a estes magistrados.
    Qdo se houver progressos aqui os processos começarão a ter principio meio e fim! Mandar o Pinto Monteiro para a rua seria um bom começo!

  9. Nuno,

    estás a ser maldoso. Toda a gente sabe que os corruptos e os pedófilos em Portugal são todos do PS. É a justiça que o diz.

    A ilha BPN não conta, toda a regra tem uma excepção.

  10. se o livro não sair a tempo dos presentes , pode ser sempre substituido eficazmente pelas obras completas de santa teresa de ávila , um exemplar do Mein Kampf e uma colectânea de dvs dos Monty Python . intercala-se a leitura de umas páginas com uns sketches e fica-se com uma ideia clara do espírito da coisa.

  11. director,

    “No CDS estão os que gostam de traulitada, no PSD estão os que ainda têm cartão de sócio do partido. No PSD também estão os que acham que Passos Coelho é liberal.”

    Portanto, tudo gente inqualificável do ponto de vista político…bem, estou a ver que tenho de me passar para a “direita” (nunca pensei vir a dizer isto) …

  12. Edie,

    Pode sempre passar para o lado do maior partido nacional, aquele que por vários motivos, não se dá ao trabalho de alimentar a matilha (ou neste caso, a vara). É a abstenção.

    Outras opções são movimentos revolucionários ou subversivos. Não os descarte. É por causa de movimentos desses que não tem um rei a governar a corte hoje.

  13. Nã, gosto mais de participar :)

    Quanto ao rei, não é, mas tem tiques. Refiro-me, obviamente, a Aníbal I, da dinastia dos Silva de Boliqueime.

  14. Não sabia que o Obama também tinha tirado o curso na Independente, com inglês técnico e que era falado no Jornal de Sexta.
    Gosto deste blogue, farto-me de rir.

  15. camarada jv,

    Um Vara não faz uma vara tal como um tipo de calças pelo joelho na Casa Pia faz um pedófilo.
    Estou certo que também haverá uma explicação perfeitamente inocente para as outras Fátimas Felgueiras e anexos de quartos de banho dos Dias Loureiros deste cantinho.

    Eu por mim dava-me por contente em saber se devo tratar o Sócrates por doutor, engenheiro ou senhor.

  16. Perdão, seria antes:
    Um Vara não faz uma vara tal como um tipo de calças pelo joelho na Casa Pia NÃO faz um pedófilo.
    É aborrecido estragar a nossa própria piadola.

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