A questão dos crucifixos nas escolas públicas é útil para se compreender como o excesso de algo bom pode ser mau. É o caso da secularidade, a separação entre o Estado e a religião, um processo civilizacional que se confunde com a própria matriz europeia por ter começado na Grécia com o advento da filosofia. Recebe depois um impulso decisivo no Renascimento, outra vez com a ajuda dos autores clássicos agora conservados pelos árabes e redescobertos pelos italianos, a que se junta o crescimento político dos Estados, a expansão económica com novas classes sociais, rotas e territórios e o desenvolvimento científico-tecnológico. Seguiram-se séculos de crescente secularidade, num processo que, embora ainda não esteja completo (basta recordar o peso dos preceitos legais de origem religiosa que continuavam a enformar as relações sociais e os direitos individuais ao longo do século XX), já passou para a fase em que é normativo e maioritário. No Ocidente, as religiões e os religiosos transformaram-se em minorias, perderam influência e têm um estatuto ambíguo que vai no sentido da sua progressiva exclusão cívica. À secularidade juntou-se o laicismo, permitindo-se a liberdade de culto em igualdade de condições, direitos e deveres, para todos os credos. O Estado quer-se neutro.
Acontece que não existe neutralidade na História, e tanto para os vencedores como para os vencidos. Nem sequer a investigação histórica é neutra, quanto mais o efeito cumulativo do passado na antropologia: a fundamental temática da identidade. Por aqui, estamos rodeados de monumentos e heranças que cristalizam as variegadas camadas históricas de que somos feitos, quer o saibamos e aproveitemos ou não. Assim como não passaria pela cabeça de ninguém começar a destruir edifícios públicos com sinais e discursos estéticos do foro religioso, nem mudar o nome a terras, ruas e feriados por serem celebrações de entidades religiosas, não se percebe como pode um símbolo religioso numa escola ter um efeito proselitista. O contrário será até mais provável, dada a situação dessacralizada e descontextualizada em que se exibe. E aposto que não existe um único caso, seja onde for, em que um crucifixo, sem qualquer outro factor ambiental e de interacção psíquica, levou uma criança ou jovem para os devassos caminhos do Senhor.
São os fanáticos religiosos quem procura destruir os símbolos religiosos exógenos, por falta de autoridade secular que os refreie. Um Estado neutro devia seguir a lição romana e acolher todos os símbolos, celebrá-los como as extraordinárias cápsulas de civilização em que se constituem sob qualquer ponto de análise cultural. E a regra não podia ser mais simples: quem quisesse, que pedisse à escola para incluir um símbolo religioso no seu espaço – a escola teria de aceitar, porque absolutamente neutra. Crucifixos sofridos, Budas obesos e felizes, diagramas taoístas, máximas de Confúcio, estatuária faraónica, anedotas do Olimpo, frescos dos lupanares de Pompeia e uma selecção dos melhores argumentos a favor do ateísmo. A cada um a sua tara. Era nesta escola pública que gostaria de ter aprendido a respeitar as diferenças e os diferentes.
Dizem que há seis milhões de portugueses (não sei se este numero astronómico inclui os emigrantes) que veneram o emblema do SLB. Eu, como reverenciador do emblema do FCP, não gostaria nem um pouco de ver pendurado o “lampião” na parede da minha sala de aulas. Não seria nada do outro mundo nem valeria a chatice de uma disputa eleitoral lá na paróquia. Simplesmente, não havia necessidade, depois da constituição laica.
“No Ocidente, as religiões e os religiosos transformaram-se em minorias, perderam influência e têm um estatuto ambíguo que vai no sentido da sua progressiva exclusão cívica. À secularidade juntou-se o laicismo, permitindo-se a liberdade de culto em igualdade de condições, direitos e deveres, para todos os credos. O Estado quer-se neutro”
Valupi, convinha informá-lo que existem bastantes Estados confessionais na Europa. Começando pela Grécia (já que falou nela) e terminando na Islândia, passamos pela Malta, Mónaco, Lichtenstein, Dinamarca, Noruega. Todos estes países têm religiões oficiais, previstas nas respectivas Constituições. Nalguns deles a Igreja é a Católica.
Eu sei que foi moldado desde tenra idade a pensar que o laicismo foi uma conquista da humanidade contra a opressão das religiões, blá blá blá. Afinal de contas foi formatado, perdão, educado sob um programa de ensino padronizado pelo Estado.
Pelo Estado que curiosamente é republicano e laico e não prescinde dessa estandardização a todo o território nacional (ao contra´rio do que acontece, por exemplo, na Suiça e EUA).
Mário, concordo. Ter aulas com o emblema do FCP na parede podia ser penoso para mim. A menos, claro, que lá estivesse o do Leão. Aí, sim, ficaria uma parede bem bonita.
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Pinto, os Estados europeus com religião oficial nem por isso deixam de ser laicos, pois admitem liberdade de culto e respeitam variados acordos e institutos que defendem os Direitos Humanos. De resto, se estás informado, a frequência das religiões estatais, e sua influencia política e social, tende a ser residual.
Mas, e então, que pretendes? Queres viver num Estado com uma religião oficial qualquer? Ou, admitindo que tens uma, só admitirias viver num Estado que tivesse a tua religião?
estás enganado: passaria, e passa, pela cabeça de muita gente a alteração das designações religiosas prévias. um indício são as férias escolares em frança: ainda sobrevive o natal, mas as férias da páscoa, por exemplo, são as ‘férias da primavera’. não acredito que não te pareça melhor designação. há ainda quem queira, em muito lado, acabar com os feriados religiosos, mesmo que isso implique redução do número de feriados.
discordo do que dizes porque é óbvio, na prática, que a religião com maior história no local se torna impositiva. isto ainda pesa em tanta coisa, incluindo nas acções curriculares. não há escola, nas primeiras faixas etárias, que não relate a história. por exemplo, d. afonso henriques só foi verdadeiramente rei quando abençoado pelo papa. e a presença religiosa, se tal não bastasse, prolonga-se no desenvolvimento de projectos para o natal e a páscoa, com desenhos alusivos, que de certo modo ‘obrigam’ à valorização de uma mitologia particular na integração social desde tenra idade. estás a ver um puto de 6 anos a dizer na escola que não lhe apetece fazer figuras para o presépio, porque este não lhe diz nada? parece-te equitativo que um aluno budista ou muçulmano seja obrigado a construir figuras para um culto que não é o dele, enquanto o dele é completamente ignorado? uma história ilustrada das várias mitologias, sim, isso poderia aparecer na escola. mas enquanto não existe, e enquanto a religião católica tem presença curricular, parece-me são retirarmos os cruxificos. o peso das maiorias não deve ser incutido pela hierarquia em meio escolar, porque não é verdade que conviveriam em harmonia os diferentes símbolos. como bem demonstra o outro exemplo aparecido, o das referências desportivas, não é o desportivismo que emerge do confronto entre símbolos diferentes, mas o conflito. a religião, no entanto, é felizmente expressa na cidade, cada edifício pertencente aos cultos um manifesto dos seus ideiais. todos têm acesso à cidade, a escola pode bem ficar isenta.
quando houver verdadeiro universalismo, então sim, pode-se dar liberdade aos alunos (aos alunos, atenção!) de colocarem uma figura decorativa nas paredes, uma cada. mas desconfio que veríamos mais justin biebers e símbolos de clubes do que cruxifixos…
Caro Valupi, na Grécia há limitações de acesso à função pública a não cristãos-ortodoxos.
Há dois casos não referidos: Grã-Bretanha e Espanha. Na Grã-Bretanha existe uma religião oficial do Estado, da qual o Monarca em funções é o principal líder. Em Espanha, não há religião oficial, mas a Constituição obriga a que o Chefe de Estado (tal como os seus familiares mais próximos – a esposa do actual Monarca foi obrigada a renunciar à religião cristã-ortodoxa) professem o catolicismo romano.
susana, sim há pressão para alterar denominações dos dias feriados, em especial o Natal, mas é um movimento difuso e sem grandes paixões ideológicas. A verdade é a de que a questão não tem relevância social, mesmo que tenha militantes activos.
Quanto ao raciocínio que desenvolves para justificar a exclusão dos símbolos religiosos das escolas públicas, vejo-o como um exemplo de análise abstracta que, por isso mesmo, termina estéril para a reflexão a fazer na Europa. Repara: afirmar que uma religião se torna impositiva por via da sua presença na história local é contraditório, pois foi essa mesma história que levou à separação entre Estado e religião. O exemplo de D. Afonso Henriques é por ti completamente deturpado ao serviço dos enviesados pressupostos donde partes, pois ignoras (no que escreves) que a mesma história pode ser contada de mil maneiras diferentes, o que nos leva para o currículo oficial onde essa matéria aparece e para os professores que são os responsáveis pela transmissão desse conhecimento. Assim, a menos que o Estado tivesse como grande objectivo pedagógico levar as crianças até aos 10 anos a inculcarem que na Idade Média era regra os reis cristãos garantirem legitimidade política em Roma, o centro organizador do poder de então, e que tal era uma prova da existência de Deus que ainda hoje devemos lamentar ter perdido, não vejo risco para o futuro agnosticismo e ateísmo dos nossos pequerruchos.
As mitologias, que pressinto queiras ver fora das escolas mais rapidamente do que as epidemias de piolhos, não se confundem com a experiência religiosa. Na verdade, qualquer narrativa genesíaca será inevitavelmente mitológica, posto que apresenta uma versão ficcionada (mesmo que suportada numa suposta ciência da História à maneira do marxismo) cujos propósitos são identitários. E esse ideal de uma escola higienizada da herança civilizacional que é devida às religiões parece-me um fanatismo a ser combatido por quem pretenda viver em democracia e no respeito pelos Direitos Humanos.
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Branco, claro que sim, tudo isso é conhecido e tudo isso, e já há muito tempo, não passa de folclore. As sociedades foram incorporando nos seus códigos legais e normativos os preceitos da secularidade e do laicismo. Basta que te lembres das incríveis mudanças em matéria de costumes que foram sendo consagradas política e juridicamente nos últimos 100 anos: liberdade de culto, divórcio, aborto, casamento homossexual, etc.
os crucifixos estão para as paredes como os pássaros não estão para os beirais das janelas das salas de aula. é assim, por entre dizeres e visuais formatados, que se fazem crescer gentes, desde tenra idade, que não crescem. perante um crucifixo, qualquer atenção vale as palmas; perante o olhar para um pássaro toda a atenção vale um castigo e uma chamada de falta de atenção. mas concordo com a polivalência possível de figuras; mas discordo com a formatação do ensino que censura os porquês e a criatividade. :-)
agora lembrei-me que futuros mecânicos e camionistas em estado embrionário, Mário, apreciariam ter, desde a primeira classe, posters rançosos de mamas e vaginas nuas.:-)
(Eu não sou camionista nem mecânico embrionário e confesso que a ideia não me choca por aí além…)
:)
(Nas aulas de Matemática então tinha dado um jeitão…)
Val, para sermos fiéis ao conceito que defendes realmente as paredes deveriam poder serem forradas com símbolos de tudo quanto possa ser enquadrado no que defines como “acolher todos os símbolos, celebrá-los como as extraordinárias cápsulas de civilização em que se constituem sob qualquer ponto de análise cultural”.
Nem que seja por uma questão prática, não achas que faz mais sentido não admitir símbolo algum?
E porque não adoptar todos os feriados de todas as religiões? Isso é que era uma coisa catita e respeitadora da liberdade religiosa.
shark, estás a remeter para a prática de ter um crucifixo em cada sala de aula. Creio que a solução deveria ser outra: haver um espaço nas escolas à maneira de um panteão.
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Kruzes Kanhoto, é lançar a petição. Dessa vez é que iríamos ver alguns milhões a marcharem na Avenida da Liberdade a favor da medida.
não, não foi isso que disse: a história da mitologias é uma componente fundamental da cultura e da compreensão antropológica. sugeri precisamente que a religião aparecesse enquadrada na dimensão mitológica, pois é disso que se trata quando falamos em religião. a realidade é que a religião católica aparece no currículo como uma espécie de agente de verdade. poderá ser uma deficiência do ensino, pois claro, e de toda a sua estrutura, mas não é bondosa a ideia que passa, de que jesus “existiu mesmo”, ao contrário de todos os outros símbolos de outras religiões. é impressionante como o ensino da história de portugal permanece carregado de ideologia, como na época em que nós a aprendemos. havendo uma história da cultura que mostrasse aos nossos alunos o mundo em que vivem, não seria avessa a um local feérico no espaço da escola, dedicado às mitologias, aos ritos, às lendas e, porventura, também à arte popular do mundo, tão próxima dos mesmos sistemas.
O problema, e é dos maiores que a humanidade enfrenta, é haver quem acredita, e são milhões, que lá em cima há um deus que olha por nós.
“Um Estado neutro devia seguir a lição romana e acolher todos os símbolos,“
É evidente. Apenas com a ressalva de que as identidades religiosas não poderem ser aceites como pretexto para impedir as crianças/jovens estudantes a participar integralmente em todas as actividades escolares e académicas sem excepção – desporto (todos e todas de perninhas , bracinhos e cabecinha à mostra que só lhes faz bem à saúde), estudos científicos: física, biologia (incluíndo a evolução, sem designs a não ser, eventualmente, os das artes gráficas), história (de preferência, de trás para a frente como propunha o Tertuliano Máximo Afonso), …
Essa malta que anda a chamar os tribunais para retirar uma porcaria de um crucifixo até parece que foi recrutada pelas facções religiosas mais reaças, é que eu não consigo ver maneira mais eficiente para lhes dar protagonismo do que andar atrás dos tribunais e a invocar — tal qual — o direito dos pais educarem os filhotes exactamente como entendem. Como é óbvio, isto é música para os ouvidos de todos os fundamentalistas, integristas, fanáticos e alucinados de toda a espécie. Se não foram os adoradores da cruz quem lhes pagou para andarem com estas fitas, na prática ficam a dever-lhes uma data de massa.
enganei-me: história (de preferência, da frente para trás …
Mesmo ateia que sou, dava jeito sim senhor, um crucifixo na minha sala de aula. Assim, sentiria-me menos só e poderia dizer-Lhe, “Pai, porque me abandonaste?” em plena aula, no seio da canalhada do curso CEF que dirijo e que me dá cabo do pouco juizo que ainda me resta.
Agora a sério, o problema aumenta quando os professores acrescentam às paredes da sala de aula as imagens da santíssima trindade. Sai da capital e verás ainda resquícios de um Portugal ainda rural, temente a Deus e aos homens com poder.
Essa coisa da “lição romana” que referes situa-se antes ou depois do imperador Constantino?
Pinto, os Estados europeus com religião oficial nem por isso deixam de ser laicos, pois admitem liberdade de culto e respeitam variados acordos e institutos que defendem os Direitos Humanos.
Mas agora um Estado com uma religião oficial é laico? Adiante.
Vou-lhe então deixar aqui um pequeno excerto da nossa Constituição de 1838: Art. 3.º: A Religião do Estado é a Católica Apostólica Romana (…) Art. 11.º: Ninguém pode ser perseguido por motivos de Religião, contanto que respeite a do Estado
A nossa monarquia era laica?
Agora deixo um pequeno excerto da Constituição norgueguesa: Art. 2.º: The Evangelical-Lutheran religion shall remain the official religion of the State (…) Art. 100.ºThere shall be liberty of the Press. No person may be punished for any writing, whatever its contents, which he has caused to be printed or published, unless he wilfully and manifestly has either himself shown or incited others to disobedience to the laws, contempt of religion, morality or the constitutional powers, or resistance to their orders, or has made false and defamatory accusations against anyone. Everyone shall be free to speak his mind frankly on the administration of the State and on any other subject whatsoever.
Não caro Valupi. Laicismo não é a tolerância para com as outras religiões. Laicismo é a separação entre a religião e o poder. Nestes países não há essa separação. Por isso não são laicos. E tanto não são laicos que isso vem referido no acórdão.
” E aposto que não existe um único caso, seja onde for, em que um crucifixo, sem qualquer outro factor ambiental e de interacção psíquica, levou uma criança ou jovem para os devassos caminhos do Senhor”.
“… um crucifixo, sem qualquer outro factor ambiental e de interacção psíquica …” ?
Pinto, tens pouca fé na amplitude do conceito de laicidade. Tens de investigar melhor o assunto.
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mp, ??
Val,
Faço link.
Obrigado.
Grande abraço.
Val,
Pinto, tens pouca fé na amplitude do conceito de laicidade. Tens de investigar melhor o assunto
Então diga-me se a Constituição de 1838 era laica ou, não o sendo, qual a diferença com a Constituição actual da Noruega. É que o conceito de laicidade pode ser usado a gosto (como o sal) mas quando se coloca o assunto nestes termos já não se sabe como classificar a coisa.
Não Val, laicismo não é a tolerância religiosa, por muito que tente esticar o conceito. Caso fosse, então a nossa monarquia constitucional era laica.
Ao lado, mas nem assim tanto. Isto é (relativamente) simples :
1. Acho comovente a tua caracterização da historia do conceito de laicidade (um bom caso de estudo para a nossa amiga Zazie), tocante porque ainda é das melhores ilustrações que conheço do que dizes a seguir : a historia é tudo menos neutra…
2. E’ certo que o Estado devia “acolher” (presumo que queiras dizer admitir no espaço publico e nos locais onde se exerce o serviço publico) todos os simbolos religiosos. Isto é a base : a neutralidade é respeito, o que implica que se dê espaço para a expressão de todos credos religiosos (incluindo o dos fanaticos ateus como eu), desde que essa expressão não impeça os outros de existirem e de se expressarem também.
3. So que a frase acima, muito bonita no papel, não permite resolver problema algum na pratica. A questão, e a exigência principal (senão unica) do principio da neutralidade, é fazer com que todos os simbolos, de todos os credos, sejam “acolhidos” EM IGUALDADE. Aqui é que a porca torce o rabo, porque (como lembras no teu texto) não existe sociedade em que os diversos credos tenham co-existido em situação de igualdade ao longo da “historia” e porque o espaço publico é completamente tributario dessa situação, que é fonte de, ou pelo menos pode favorecer, iniquidades e injustiças (admites que rezar o terço seja um rito religioso, mas ha outros que não admites com tanta facilidade, que vão desde a proibição do contacto fisico à excisão).
4. Agora uma coisa é certa, e inultrapassavel, as dificuldades com que se depara o principio de neutralidade na pratica enraizam-se num dado antropologico que é completamente angélico ignorar : NAO é possivel traçar uma fronteira absoluta entre “publico” e “privado”.
5. E ainda bem que não é…
KIKI, bem antes.
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susana, a tua leitura do currículo é bizarra, pois nem sequer dos meus tempos de estudante me lembro dessa referência à religião como “agente de verdade”. Bem pelo contrário, com vários professores a venderem a sua ideologia, e crenças, oposta à do catolicismo e cristianismo (ou mesmo contra qualquer forma de admissão de transcendência). Mas podes estar cheia de razão, claro, pelo que te pedia para trazeres exemplos citados. É um assunto que interessará a muitos pais e cidadãos, de certeza absoluta.
Quanto à religião ser redutível à mitologia, discordo. A mitologia pode ser apenas memorial, folclore e símbolo, consoante os locais e as épocas. A religião será tudo isso mas inclui a organização social, na forma de criação de comunidades e sua regulação, sendo fonte axiológica autoritária. Também te lembro que os estudantes do Secundário podem ter as disciplinas de Antropologia Cultural, Psicologia e Sociologia, já para não falar de Economia e diferentes ciências naturais, onde todo o composto religioso é desconstruído ou mesmo anulado na sua operatividade e fundamentação. Claro que isto é feito de forma incipiente e lateral, ou directa e radical consoante cada professor, mas não deixa de corresponder a um programa coerente com os valores da secularidade, da investigação científica, da democracia e da liberdade.
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Pinto, investiga. É tão bom investigar. Mas dou-te uma pista: é frequente usar-se o conceito de laicismo para descrever a secularidade. Isso não é um erro, apenas um uso consagrado pela tradição.
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joão viegas, o problema da igualdade resolve-se no modelo do panteão.
Valupi, faço-lhe só duas questões:
Primeira: a monarquia constitucional portuguesa do séc. XIX era laica?
Segunda: a Noruega é um país laico?
Se me conseguir responder às duas questões, tendo em linha de conta os excertos das respectivas Constituições que deixei em cima, agradeço-lhe.
Ola,
Era bom que resolvesse mas, como decerto não ignoras, o de Roma foi (magnificamente) concebido para dar primazia ao sol, que se pensava na altura poder simbolizar o imperador, e de resto foi posteriormente transformado em Igreja cristã, com um crucifixo bem dominante. Não vejo la, por exemplo, o cavaleiro De la Barre (a não ser na medida em que, também ele, à sua maneira, acreditava no sol)…
Mas de uma certa maneira, tens razão : a ideia é reconstruir sempre, recuperando e dando voz aos credos mais recentes ao lado dos antigos. Lembremos que existia em Roma, desde o periodo arcaico, um sacerdote encarregue de “nacionalizar” os deuses e os ritos dos outros povos, na medida em que tinham dado provas da sua utilidade…
E o Panteão parisiense, aqui mesmo ao meu lado, deveria servir da mesma maneira, não houvesse infelizmente uma maneira exclusiva de interpretar a palavra “nação”. Como sabes, ainda ha muito pouco tempo, houve quem achasse herético colocar la um certo escritor, o que mostra que as coisas não são assim tão simples…
incrivel o que as pessoas fazem para nao perder a face…nao tem mal errar , tem mal nao o reconhecer. claro que estado laico e o que nao e confessional , Pinto. e claro que o Valupi nao fazia ideia que a rainha sofia teve de renunciar a sua religiao…ou que na grecia os funcionarios publicos hao-de ser ortodoxos , mas enfim.
penso que ele confunde sociedades laicas com estados laicos…um estado confessional nao significa que a maioria dos seus cidadaos sejam religiosos…podem ser todinhos e mais um laicos.
E no que toca à tua conversa com o Pinto, se me permites convidar-vos a entrar no panteão, eis o que penso :
1. Existem de facto tradições diferentes : nos regimes “tolerantes” (por exemplo o Reino Unido) admite-se que exista uma religião de Estado, sem que isso seja necessariamente visto como contraditorio com o principio da tolerância ; nos regimes laicos, existe um principio de separação que impede que as autoridades publicas dêem preeminência a um culto sobre os outros, razão pela qual não se admite, por exemplo, que os funcionarios vistam trajes ou arvorem simbolos religiosos, que dinheiros publicos financiem cultos religiosos, etc.
2. Tanto quanto percebo, a diferença entre os dois regimes explica-se pela historia. Na Europa, os regimes laicos surgiram em paises onde se receava (e onde se continua a recear) que predomine uma religião que se revelou bastante intolerante e que esteve aliada ao poder durante séculos. Nos paises reformados, nos quais a religião é normalmente mais identificada com a esfera “privada”, não existe o mesmo receio, quer porque o poder central pugnou desde muito cedo pelo respeito da tolerância, quer porque se tem uma tradição mais antiga do respeito pelo outro, que faz com que as pessoas não se sintam oprimidas ou ameaçadas quando vêem um funcionario que se reclama de um credo diferente.
3. Nem nos paises laicos é posssivel cumprir totalmente o principio da “neutralidade do Estado”, pelas razões que apontei acima (a separação total das esferas “privada” e “publica” é uma quimera). Vemos assim que, na realidade, as praticas de apoio a um credo continuam, mas ocultas, ou não assumidas, o que faz do problema da laicidade uma fonte inesgotavel de conflitos. O caso do financiamento das escolas religiosas em França é paradigmatico a esse respeito…
Pinto, isso depende do que entenderes pelo conceito. Obviamente, não se descreve como laica uma constituição que institui uma religião oficial, pois no laicismo está implícita a noção de neutralidade religiosa do Estado, mas pode admitir-se como tendo consequências laicas a constituição, sociedade ou comunidade que admite a liberdade de culto nesse sentido em que o laicismo nivela o acesso e expressão religiosos.
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joão viegas, a ideia não seria imitar o composto mitológico-imperial dos romanos, mas ir nessa lógica de acolhimento das diferenças étnicas, o que inclui as manifestações religiosas endógenas.
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media, o laico é várias coisas, mas tendo essa nota, que se confunde com a noção de secularidade, de anulação da religiosidade do Estado e admissão das religiões na esfera cívica sem predominância de alguma delas sobre as outras ou a Lei.
Valupi,
mas pode admitir-se como tendo consequências laicas a constituição, sociedade ou comunidade que admite a liberdade de culto
Então a monarquia constitucional portuguesa tinha “consequências laicas”? Não diga isso muito alto que ainda é crucificado.
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João Viegas,
Nos paises reformados, nos quais a religião é normalmente mais identificada com a esfera “privada”, não existe o mesmo receio, quer porque o poder central pugnou desde muito cedo pelo respeito da tolerância
1) Todas as Constituições portuguesas permitiram a liberdade de culto. Essa não foi permitida na vigência da Inquisição. Não foi permitida aqui nem na França.
2) Nem só nos países reformados existem religiões oficiais. Malta, Lichenstein, Mónaco são exemplos onde a religião oficial é a Católica Apostólica Romana. A título de exemplo, diz o art. 9.º da Constituição do Mónaco que “La religion catholique, apostolique et romaine est religion d’État.”.
Pinto, foste tu que trouxeste o exemplo da monarquia constitucional portuguesa, aparentemente para comentares uma referência ao triunfo do espírito secular e laico que se observa actualmente por todo o Ocidente, inclusive nos países que mantêm regimes monárquicos e com religião oficial.
Sendo assim, que te interessa discutir, afinal? Que te preocupa nesta conversa que implique concentrarmos a atenção na monarquia constitucional portuguesa?
valupi, como exemplo, aquele que já referi: os trabalhos temáticos sobre o natal, sobre a páscoa, sempre com a história subjacente. a história é contada com todos os detalhes ‘maǵicos’, no entanto como uma história verdadeira, dado que também o é. e isto todos os anos, desde o pré-escolar. as outras religiões nem sequer são estudadas, os seus momentos de celebração não são sequer referidos, e as mitologias grega e romana são tocadas ao de leve, quando o são. se não vês que isto veicula a noção de uma religião ‘apropriada’ é estranho. o que nos parece, como me foi parecendo, normal, se visto de um ponto de vista analítico tem certamente consequências. quanto mais não seja, tu conheceres uma confissão religiosa sem conheceres qualquer outra funda a primazia dada ao cristianismo. falaste no secundário, mas eu estou a falar dos primeiros níveis de ensino.
quanto ao secundário posso deixar outro exemplo, que creio até já ter deixado aqui: na escola do meu filho (10º-12º) houve uma missa de natal, em horário lectivo. os alunos foram dispensados para assistir à missa e só eu e outro pai reclamaram. a normalidade com que é encarada uma situação como esta confirma o facto de não sermos uma sociedade laica, pois tenho a certeza que a reacção generalizada teria sido outra se os alunos tivessem sido dispensados para um ritual budista ou muçulmano, ou até qualquer coisa mais isotérica, como a contemplação de cristais ou uma sessão de espiritismo.
bem sei que não falaste em sociedade, e sim em estado, mas já que a escola é do estado não devia ser possível alinhar-se em coisas destas. e se o estado fosse laico não se teria recebido o papa com uma paragem do país.
Os defensores da retirada dos crucifixos têm razão: não cabe ao estado promover nenhuma religião, mesmo a dominante, em detrimento das outras. Na impossibilidade prática (já para não dizer estética) de colocar os símbolos religiosos de outras religiões nas salas de aula, como propõe o Valupi, restaria pois retirar todos, crucifixos incluídos, para evitar descriminar os ateus e praticantes de outras religiões. A lógica é, a meu ver, inatacável. Mas aqui surge o problema de aplicar lógicas perfeitas a seres imperfeitos, como somos. Porque a realidade é que os crucifixos já colocados são um símbolo que, devido precisamente à separação efectiva entre a igreja e o estado, já não tem grande significado senão uma tradição cultural, e não religiosa. Estão lá porque fazem parte da nossa história, e não pela missão evangelizadora original. Já não se reza o Pai Nosso no início das aulas, como na minha escola primária. Em ultimo caso, estão lá porque estão. E é precisamente essa condição inofensiva, histórica, e até pitoresca, que faz com que a exigência de retirada possa ser percebida como uma agressão a uma religião em particular, um sinal de intolerância de um estado laico que muitos gostariam de ver convertido em ateu – basta ver as reacções desses sectores à visita do Papa. Os crucifixos são, para muitos, símbolos de uma religião que gostariam de ver varrida do espaço público, com a influência reduzida a zero. A questão, a meu ver, é essa. Eu, como católico, estou-me perfeitamente nas tintas para a existência ou não de crucifixos nas salas de aula, e tenho quase a certeza que 99.9% dos alunos e pais também. Já não me estou nas tintas para o significado e intenções dos que recorrem aos tribunais para as retirar.
Mas fico à espera das propostas para retirar a dimensão religiosa do calendário aplicando a mesma lógica, porque afinal estamos no ano de 2011 após Cristo. Deve ser interessante. Talvez o calendário de Juche?
Caro Pinto,
Tem razão. Não é so nos paises reformados que existe um regime de tolerância, nem a correlação é sistematica. Apenas quis frisar que a escolha do regime tem razões historicas e que elas se prendem muitas vezes com o receio (fundado ou não) de que a existência de uma religião “de Estado” venha a traduzir-se por abusos (intolerância).
Penso que nos paises reformados, o facto de a religião ser concebida (em maior escala e desde ha mais tempo) como pertencendo principalmente à esfera “privada” pode ajudar a explicar, em parte, que não se tenha tanto esse receio.
O que me parece importante é não esquecer que o facto de se autorizar sinais religiosos nos serviços publicos não é necessariamente incompativel com a tolerância. Um colega americano diz-me muitas vezes : mas porque é que as pessoas se sentem mais protegidas, em França, pelo facto de o professor não poder manifestar as suas crenças religiosas ? O facto de ele não ter uma cruz na lapela por acaso faz com que um professor catolico deixe de ser catolico ? Neste caso, autoriza-lo a assumir publicamente a sua crença até podia servir de garantia, alertando para o facto de decisões ou atitudes dele poderem radicar num preconceito e facilitando a protecção das vitimas quando fosse o caso…
Não digo que concordo com o meu colega americano, mas que acho interessante a atitude dele, porque mostra que a escolha entre os dois regimes é mais uma questão de cultura e que a equivalência que fazemos inconscientemente entre “laicismo” (no sentido juridico e não no sentido amplo que o Valupi da à palavra) e tolerância, tem que se lhe diga…
susana, o Natal e a Páscoa são também rituais civis, não só religiosos. Implicam alterações ao quotidiano que estão consagradas legalmente e têm relevância social. Nesse sentido, são parte da vivência comum, justificando-se a sua transmissão em ambiente escolar, posto que permitem às crianças a sua assimilação enquanto unidades culturais. Como te estás a situar no âmbito infantil, pré-escolar e 1º ciclo, é natural que as narrativas sejam apresentadas em registo mágico e fantasista. Mas, que raio, pretendias enquadramentos epistemológicos e de análise antropológica nessas idades? Igualmente estranho seria ter um ensino que dedicasse tanto espaço ao hinduísmo (por exemplo) como ao cristianismo, posto que estudar o cristianismo explica facetas da cultura e sociedade onde se nasce e onde nasceram os antepassados, enquanto o estudo de outras religiões só tem interesse intelectual ou remete para níveis superiores de cognição e maturidade escolar.
A escola é do Estado, mas a escola também é da comunidade – e é a comunidade que legitima o Estado. O purismo é mau conselheiro, sendo que todas as ditaduras são instituídas com essa promessa redentora. O que importa é que esteja consagrado o direito ao protesto quando um encarregado de educação considera que a escola faltou aos seus deveres republicanos e constitucionais. Se a autorização para ir a uma missa é algo inaceitável para ti – e podem apresentar-se variadíssimas razões lícitas para que assim se considere -, tal não está a pôr em risco toda a estrutura constitucional onde a enorme maioria da população quer viver.
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Vega9000, não falei em colocar todos os símbolos em todas as salas, mas no espaço da escola. Algures. E apenas aqueles que a população escolar fosse pedindo para colocar, não tendo de se fazer um museu das religiões.
A polémica refere-se a salas de aula, onde estão os crucifixos da polémica, não “algures”. Daí a referência. Algures onde? Na sala dos professores? Na cantina? Criam-se espaços de culto nas escolas públicas? Havia de ser bonito. ;)
Seria à maneira de um panteão. Dessa forma a escola acolhia os símbolos das religiões cujos crentes (ou descrentes…) manifestassem interesse em ver no espaço escolar. Porque, tomando como exemplo o crucifixo, bastaria um. E tu explicaste muito bem porquê, ao referir a descontextualização actual da sua presença numa sala de aula.
Valupi, eu concordo com quase tudo o que escreve, principalmente quando diz que “não existe um único caso, seja onde for, em que um crucifixo, sem qualquer outro factor ambiental e de interacção psíquica, levou uma criança ou jovem para os devassos caminhos do Senhor”, pois se existisse, a presença do Cristo-Rei, de braços bem abertos para os condutores que atravessam a ponte para o lado de Almada seria, desde logo, um problema.
Apenas insisti nos aspectos em que não concordava porque são esses que criam razões para a existência de um debate.
João Viegas,
Apenas quis frisar que a escolha do regime tem razões historicas e que elas se prendem muitas vezes com o receio
Eu diria que são mais razões político-ideológicas que históricas, mas é a minha opinião.
Mas, Val, se as escolas, num Estado laico, não são locais de culto, a que propósito gostarias que se criassem altares no seu recinto?
Deixar a religião para a cabeça das pessoas (seu berço e residência natural), para casa e locais de culto apropriados parece-me a medida mais avisada. A esta conclusão já chegaram há uns séculos pessoas inteligentes.
Aparentemente tu tens pena que os seus símbolos desapareçam das escolas públicas e isso leva-te a fazer comparações abusivas com a destruição das estátuas de Bamiyan. Falas em vazio e o teu tema é a presença ou a ausência de crucifixos nas salas de aula. Quem defende a erradicação de símbolos religiosos das escolas públicas, entre outras coisas em nome da concórdia, não defende a destruição dos locais de culto históricos, ao contrário do que insinuas. O pragmatismo pode é levar países, como a Holanda, a transformar as igrejas excedentárias mas com boas condições arquitectónicas em bibliotecas, museus, salas de concertos ou hotéis de charme.
E eu agradeço a tua participação, Pinto, também em nome de todos os leitores destas caixinhas. Aliás, quanto mais discordância melhor, pois aumenta a possibilidade de aprendizagem. De resto, e mesmo para académicos, os conceitos de secularidade e laicismo não estão fixados de forma unívoca ou são de significação estreita, pelo que é naturalíssimo haver divergência na sua aplicação e interpretação.
Ola,
Esta ultima resposta do Valupi mostra bem porque é que em Portugal tem todo o sentido insistir em manter o principio da laicidade (neutralidade) com tudo o que ele significa, incluindo os possiveis abusos apontados no post.
Com efeito, é obvio que nas aldeias do Interior, o “Panteão” com que sonha o Valupi iria sempre ser uma sala com um crucifixo. Jamais alguém iria atrever-se a pedir (nem sequer saberia como) que a escola arranjasse espaço para um culto animista, ou para o culto islâmico ou judaico (não fossem colocar, para o primeiro, um retrato do Bin Laden e, para o segundo, um quadro com um onzeneiro).
Ainda tenho calafrios quando me lembro dos impressos que se deviam preencher no ciclo para quem não quisesses ter educação civica e moral (ou la o que era) : era preciso colocar a cruz em “prescinde”. Esta claro que toda a gente partia do principio que nem a criança, nem os pais, “prescindiam” coisissima nenhuma. Ja se sabe, quando a criança começa a “prescindir” aos 12 anos, o mais certo é ser drogada aos 17…
Como disse acima (mas talvez não me tenha feito entender) a laicidade não é uma questão de “tolerância” e de outras belas ideias que vêm nos livros, é uma questão de nos livrarmos da padralhada mental que temos.
La nas holandas e nas inglaterras, até acredito que não precisem…
Foi antes de eu reler. Um pouco injusto, talvez, mas que soube bem, la isso soube bem…
Penélope, não falei em altares, porque essa noção remete para locais de culto consagrados. Falei foi num análogo do panteão, mas apenas para acolhimento dos símbolos e demais manifestações associadas às religiões (onde incluo os seus opositores, agnósticos e ateus).
A tese é a de que em cada símbolo religioso, como nos exemplos vulgares do crucifixo ou de um Buda, estão representações da civilização. É incongruente, e até violento, que a escola os queira erradicar a pretexto, como defendes, de salvaguardar a “concórdia”. Isso implica que as religiões são, nesse quadro ideológico, fontes de “discórdia”.
São os fanáticos, seja de que credo ou ideal forem, quem tem medo dos símbolos religiosos, por isso os destroem ou afastam. Os humanistas acolhem-nos como parte da nossa caminhada em direcção ao humano e à liberdade.
Susana,
as outras religiões nem sequer são estudadas, os seus momentos de celebração não são sequer referidos
Da mesma forma, as escolas dão uma importância ao Fado que não dão ao Taarab, dão uma importância ao Rancho Folclórico que não dão ao sapateado russo. No desporto, dão uma importância ao futebol que não são ao basebol.
Não me lembro de ter visto um grupo de gente a insurgir-se contra esta “discriminação” horrorosa.
De resto, e mesmo para académicos, os conceitos de secularidade e laicismo não estão fixados de forma unívoca ou são de significação estreita, pelo que é naturalíssimo haver divergência na sua aplicação e interpretação
Por vezes há a ideia que na monarquia tinhamos um Estado confessional, limitador, opressor, que a república veio, qual cavaleiro libertador, desmoronar, surgindo sobre ela uma aura de liberdade religiosa nunca antes vista. Veja, a este propósito, quantas vezes se refere em livros, jornais ou revistas, que as constituições monárquicas permitiam o livre culto. Tal como a norueguesa hoje em dia. É esta ideia preconcebida que tento, por vezes, desmistificar.
Seria interessante que se fizesse um inquérito para apurar quanta gente em Portugal sabe que existem Estados confessionais na Europa. Isso, desculpe-me Valupi, não se ensina nas escolas. Propositadamente ou não, não sei. Mas que não se ensina, lá isso não.
quanto ao secundário posso deixar outro exemplo, que creio até já ter deixado aqui: na escola do meu filho (10º-12º) houve uma missa de natal, em horário lectivo. os alunos foram dispensados para assistir à missa e só eu e outro pai reclamaram.
E reclamava se a escola colocasse um ecrã para os alunos poderem ver a final da selecção portuguesa de futebol no campeonato da Europa e não tivesse o mesmo procedimento em relação à final da selecção portuguesa de basquetebol ou de críquete? Escusa de responder porque é óbvio que nem sequer se lembraria de tal coisa.
Lembro que o Estado não tem qualquer desporto oficial da nação
Caro Pinto e outros,
A dificuldade é que existe um abismo entre a realidade social e a das nossas representações. Esse abismo é que explica como aparecem as discriminações.
Exemplo : quando v. entra num prédio, qual é a probabilidade de pisar chão colocado por trabalhadores animistas, ou muçulmanos, e limpo na noite anterior por trabalhadoras animistas ou muçulmanas ? Nessa altura, nem v. nem ninguém se preocupa com isso, nem sequer repara…
Agora quando vai levar os seus filhos à escola, que é suposto ser um sitio onde eles podem encontrar-se com os filhos desses trabalhadores que tanto fizeram para que v. não sujasse os sapatos (isso em teoria, porque na pratica, esta gente até mora nos suburbios da Moita do Ribatejo, não é ?), reparou se existia um panteão com simbolos animistas ou islâmicos ? Ouviu falar de alguém a preocupar-se com o assunto ?
Ninguém pois não ?
Ora ai temos o panteão a funcionar.
Esta tudo à espera que os pais das ditas crianças preencham o impresso que diz “prescindem”.
Isto vai provavelmente acontecer ja amanhã.
Alias sei duma escola em Maçainhas de Cima (conselho da Guarda), onde o panteão vai ser inaugurado para a semana que vem…
João Viegas,
Ainda tenho calafrios quando me lembro dos impressos que se deviam preencher no ciclo para quem não quisesses ter educação civica e moral (ou la o que era) : era preciso colocar a cruz em “prescinde”
Infelizmente não tem esses calafrios quando preenche os impressos a dizer que prescinde da disciplina de Educação Sexual (repetirão o que se dá em Biologia relativamente ao ciclo reprodutivo? Ou terão uma abordagem mais … moralista?). E não tem calafrios porque simplesmente esses impressos não existem. As aulas são obrigatórias.
Caro Pinto,
Não segui tudo mas repare que não me faz confusão nenhuma que as aulas de educação sexual sejam obrigatorias nem vejo alias o que isso tem a ver com a nossa discussão.
Que eu saiba o programa de educação sexual é sobre educação sexual.
O Kama Sutra é que é opcional (mas, em rigor até devia constar do Panteão do Valupi).
Ó João mas acha que eu me chateava com o facto da escola dos meus filhos ter pendurada numa das paredes a estrela de David? Até podiam encher as paredes com elas.
Faço uma pergunta aos defensores do proibicionismo: imaginem que um professor convidasse os meninos a fazerem um trabalho em gesso ou um desenho para ser afixado nas paredes e um dos meninos optasse por fazer a imagem de Jesus crucificado. Colocariam todos os trabalhos menos o dele? Uma escola deve ser um espaço aberto, livre e não um local de proibicionismos. Para isso já bem bastam as paranóias nutricionistas a proibir a venda de Coca-Cola, como se de uma bebida alcoólica se tratasse.
Que eu saiba o programa de educação sexual é sobre educação sexual
Podia especificar melhor?
João, o art. 2.º do Protocolo adicional à Convenção de Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 20 de Março de 1952, refere que “O Estado, no exercício das funções que tem de assumir no campo da educação e do ensino, respeitará o direito dos pais a assegurar aquela educação e ensino consoante as suas convicções religiosas e filosóficas.
Caro Pinto,
1. Como eu disse acima, a laicidade/neutralidade não é, de todo, incompativel com o respeito pela expressão de crenças religiosas no espaço publico. Apenas procura, normalmente por razões historicas, restabelecer uma certa igualdade entre os varios credos ou inverter uma situação de supremacia, geralmente fruto da historia…
2. Que eu saiba os programas de educação sexual (estou a falar dos programas do ME) respeitam plenamente, não so os direitos dos pais, mas as suas convicções religiosas e filosoficas. Nunca alias vi ninguém defender que uma determinada parte do programa desrespeitasse esses valores, dignos de toda a nossa consideração…
João Viegas,
Nunca alias vi ninguém defender que uma determinada parte do programa desrespeitasse esses valores, dignos de toda a nossa consideração
http://peticaopublica.com/PeticaoVer.aspx?pi=P2010N2545
João, o ensino deve ensinar como funciona o ciclo reprodutivo e tudo o que se refira à biologia. Mas para isso já existe uma disciplina. As aulas de educação sexual têm fins de doutrinação sobre como, onde quando se dever ter relações sexuais e esse tipo de educação cabe a cada pai.
Caro Pinto,
As aulas de educação sexual não têm fins de doutrinação nem contêm nenhum ensinamento sobre quando, nem onde, se “deve” ter relações sexuais. Onde é que v. viu isso ?
Quanto à petição, não a li toda, mas fiquei com a sensação de que a principal dificuldade com que se deparam os proponentes tem mais a ver com o ensino do português (obrigatorio, mas provavelmente não em quantidades suficientes) ou com o ensino da logica, que acho que não é obrigatoria, ou então apenas uma pequena parte repartida entre os programes de filosofia e de matematica, o que é um deveras preocupante…
Até porque um dos nossos males cronicos é um evidente déficit de logica, e um superavit de loquacidade…
“um dos nossos males cronicos é um evidente déficit de logica, e um superavit de loquacidade…”
sintese maravilhosa de “nós”…
parabens
abraço
valupi, não teria que haver esse enquadramento científico com que ridicularizas a crítica, mas já agora poder-se-ia falar nas origens anteriores às religiões cristãs (tudo cheio de magia e fantasia, se quiseres – mas que dirias se pusessem o pai natal a levar presentes a jesus, servia?). e, se tudo me parece normalíssimo por ter sido educada nesse contexto, entendo que será melindroso para outras confissões a valorização de uma religião no plano curricular e no espaço da escola. o problema é que igualdade não é equivalente à primazia das maiorias e apagamento das minorias; havendo o tal panteão que desejas, imagina-lo, presumo, com apenas um cruxifixo, um buda, etc. mas igual para todos. então defenderias, ao defenderes a missa na escola, uma dispensa de aulas por cada confissão religiosa que a frequentasse e quisesse partilhar as suas tradições, é isso? por que carga de água tem que ser no horário lectivo? não te parece que há uma manipulação na manobra, i.e. assim a missa ficou cheia? não me oporia se houvesse oportunidade de emprestar o espaço da escola às mais diversas práticas, religiosas e outras, para participação voluntária fora do horário lectivo. e que falta faz o tal panteão na escola? que problema há em que a escola esteja isenta de religião?
pinto,
acho estranha a comparação, porque misturas alhos com bugalhos, manifestações artísticas com religião, tudo à luz da ampla cultura. a religião tem uma dimensão política.
porém, estás enganado, nem fado nem rancho folclórico. os meus filhos frequentaram até à data, entre um e outro, cinco escolas públicas, e nunca houve fado nem folclore em qualquer programa curricular, exceptuando em educação musical, classificados num conjunto, entre o jazz, o rock, etc., enquadramento que não aparece na abordagem da religião. mas é relevante trazeres esse exemplo na comparação com a religião: fado e folclore.
ah, e pinto, também não é verdade isso do futebol, nem sequer no meu tempo de escola: as modalidades praticadas são agora muitas, até danças (como a salsa, o tango, a valsa, o samba), mas é tradição praticar-se handball, basketball, volleyball e badmington, além do futebol.
ai, devia ter lido os comentários até ao fim.
pinto, não reclamava se fosse futebol? claro que reclamava!
quanto às aulas de educação sexual, na minha experiência como encarregada de educação, limitam-se a tratar a vertente biológica, a contracepção e problemas como a gravidez adolescente ou a SIDA. não vejo como se possa colocar objecções, a segurança rodoviária também é objecto de acções escolares, assim como a nutrição, noutra funcionalidade fisiológica.
foda-se, valupi, que privilégio, muito obrigada! eu a queixar-me interiormente por não poder apagar, corrigir, editar comentários e eis que desaparece um comentário e aparece uma vírgula em falta, assim como que por influência do senhor. :D
susana, não defendi a missa na escola nem a licença para faltar às aulas para ir à missa ou a qualquer outro ritual religioso. Não leste isso de mim em lado algum.
As questões que colocas a respeito de crianças de outras confissões que estariam sujeitas ao contacto com as narrativas mitológicas, religiosas e folclóricas do meio onde estão inseridas parecem-me parciais. Por um lado, existe a necessidade da escola preparar o aluno para a sua inserção no meio onde habita, fazendo parte dessa preparação a iniciação aos valores vigentes. Por outro lado, cada caso pode ser tratado em acordo com os encarregados de educação respectivos. Se se pretender proteger a criança dessa eventual contaminação cultural – o que me parece absurdo e perigoso, mas adiante – então não será difícil alcançar uma destas soluções: falar com a direcção da escola, falar com os professores em causa, preparar em casa a criança de modo a que não fique influenciada (também se chama educação a este processo), mudar de escola até achar aquela conveniente ou mesmo optar por ensinar a criança em casa de modo a que fique pura e perfeitinha.
Sim Susana, tal e qual. As escolas nem privilegiam a cultura portuguesa nem nada. Eu não sei onde andaram os seus filhos mas sei onde andam os meus e a realidade é completamente diferente. Claro que também se dá importância a outros desportos e géneros musicais mas não da mesma forma que as predominantes no nosso país. Nem de longe nem de perto. O que é normalíssimo … em qualquer parte do mundo.
Quer queira quer não, quer goste ou não goste, a cultura grega, romana e cristã marcam a cultura ocidetal, desde os Montes Urais à Califórnia. E isto não se apaga por decreto (se bem que já se tentou).
Embora um pouco ao lado e correndo o risco de estar “fighting fire with fire”, convido à leitura de um artigo hoje saído na BBC News, secção Science & Environment, cujo link não consigo aqui meter, mas cujo título é “Religion may become extinct in nine nations, study says”.
Eu sei, vale o que vale. É uma curiosidade. Um passo um pouco mais à frente na questão dos queridos crucifixos. “Enjoy!”
valupi, não me parece que haja isolamento cultural (resumindo as narrativas referidas) em meio escolar por se impedir os símbolos religiosos no espaço escolar impostos pela hierarquia. os alunos relacionam-se entre si, acedem às características individuais nas estruturas familiares e contextos culturais através do contacto, da conversa. uma coisa seria o tal panteão, ou parede, ou canto onde conviveriam os símbolos escolhidos por cada aluno, mas essa partilha já eles fazem, se o quiserem. também podia haver um museu das religiões e mitologias, local excelente para visitas de estudo. seguindo a sugestão do joão viegas, um sítio onde se vissem gravuras do kamasutra ao lado de doridos cruxifixos, com filmes de pessoal a rezar o terço, ou a praticar sexo tântrico, ou o rodopio dos derviches, procissões, tudo lado a lado, intercalado com lendas de polvos gigantes ou mitos com medusas, isso seria lindo. não te assustes com o aparente nivelamento, cada narrativa iria impor a sua dimensão relativa.
susana, eu também não diria que a exclusão dos símbolos religiosos do meio escolar possa ser invocada como sendo equivalente a um “isolamento cultural”, apenas a um inquestionável, antidemocrático e perverso empobrecimento cultural.
Acerca do susto com o nivelamento, aconselho (e perdoa a auto-referência) a leitura do último parágrafo do texto que inaugura e encima esta frutuosa discussão.
sim, tens razão quanto ao último parágrafo. mas uma escola neutra não é uma escola que já ostenta crucifixos nas paredes, como parte do equipamento requerido, convirás…
e, quanto ao isolamento, vem a propósito do teu primeiro parágrafo no comentário anterior, acerca da inserção no meio, do contacto com culturas distintas, etc., contaminação cultural que eu porventura quereria evitar. ora se a evitava por falta de símbolos religiosos no espaço da escola, então parecia que esta ausência significava isolamento cultural – o não contacto, contaminação, etc..
por outro lado, discuitr esta segunda proposta como se fosse ela o cerne do debate é instalar um equívoco. é um bocado virar a realidade para o teu desejo, porque o que acontece não é o teu panteão, mas os crucifixos já colocados, não a pedido dos alunos, e sim de um passado católico autoritário. nada contra a discussão da proposta, mas não ajas como se eu estivesse a defender a eliminação do panteão e não dos crucifixos que ‘já lá estão’ (a propósito, este foi dos argumentos mais descabelados que por aqui vi, como quem não limpa as teias de aranha).
Filmes de sexo tântrico, Susana? Isso seria uma espécie de versão hardcore do Manoel de Oliveira, não?
:)
Vale a pena ler este artigo da Wikipédia, muito rica em fontes nas notas de rodapé, para os intelectuais anti-wkipédia:
Um Estado ateu ou Estado ateísta é a rejeição de todas as formas de religião por um Estado em favor do ateísmo, habitualmente através da supressão da liberdade de expressão e religiosa.[1][2][3] Normalmente apenas os governos comunistas procuraram promover o ateísmo como uma lei pública, de acordo com a doutrina do materialismo dialético marxista.[4] Estados ateus foram implementados nos países comunistas da antiga União Soviética,[2][5] China comunista, Albânia comunista, Afeganistão comunista, Coréia do Norte e Mongólia comunista. O ateísmo nestes países inclui uma oposição ativa contra a religião, e perseguição de instituições religiosas, líderes e fiéis. A União Soviética teve êxito social em proclamar o ateísmo e discriminar igrejas, essa atitude foi especialmente observada sob Stalin.[6][7][8] A União Soviética tentou impor o ateísmo em vastas áreas da sua influência, incluindo locais como a Ásia Central.[9] A Albânia comunista sob Enver Hoxha chegou a proibir oficialmente a prática de qualquer religião.
É frequentemente dito que a ideologia comunista defende explicitamente o Estado ateu e a supressão da religião, de acordo com Karl Marx o fundador da ideologia comunista, a religião é uma ferramenta utilizada pelas classes dominantes para que as massas possam “aliviar” brevemente seu “sofrimento”, através do ato de “experiências e emoções” religiosas. Marx afirma que é do interesse das classes dominantes inculcar nas massas a convicção religiosa que os seus atuais sofrimentos levarão a uma “eventual felicidade”. Assim, enquanto as massas acreditarem na religião, eles não tentariam fazer qualquer esforço genuíno para compreender e superar a verdadeira fonte de seu sofrimento, o que, na opinião do Marx foi o seu sistema económico não-comunista.[10] Muitas vezes, interpretou-se que Marx defendia que a religião seria utilizada para “controlar as pessoas”, e que seria o “ópio do povo”. Esta é a principal razão que alguns regimes comunistas no passado e no presente restringiram a liberdade religiosa e proibiram cultos religiosos.
Albânia
A Albânia tornou-se um Estado ateu declarado por Enver Hoxha,[11] e manteve-se assim a partir de 1967 até 1991.[12] A tendência ateísta na Albânia foi levada ao extremo durante o regime quando religiões foram identificadas como importações estrangeiras para a cultura albanesa e foram totalmente proibidas.[12] Esta política foi aplicada e sentida principalmente no interior das fronteiras do atual estado albanês, produzindo uma maioria da população não religiosa.
A Lei de Reforma Agrária, de Agosto de 1945 nacionalizaram as propriedades de instituições religiosas, incluindo os bens de mosteiros, ordens e dioceses. Em Maio de 1967, todas as instituições religiosas tinham renunciado a 2.169 igrejas, mesquitas, claustros, e santuários, muitos dos quais foram convertidos em centros culturais para os jovens. Muitos imãs muçulmanos e sacerdotes ortodoxos renunciaram ao seu passado. Mais de 200 clérigos de diferentes religiões foram detidos, enquanto outros foram obrigados a procurar emprego em qualquer indústria ou agricultura. Como as obras literárias mensais “Nëndori” relataram, a Albânia “criou a primeiro nação Ateísta do mundo.” De 1967 até o fim do regime comunista, foram proibidos as práticas religiosas do país que foi proclamado oficialmente ateu, marcando um evento que aconteceu pela primeira vez na história mundial.
URSS
A URSS desde 1922 tornou-se um Estado ateísta. Em 1934, 28% das igrejas ortodoxas cristãs, 42% das mesquitas muçulmanas e 52% das sinagogas judaicas foram fechadas na URSS.[13] O ateísmo na URSS era baseado na ideologia marxista-leninista. Tal como o fundador do Estado soviético, Lenin falou o seguinte sobre a URSS e as religiões:
A religião é o ópio do povo: este ditado de Marx é a pedra angular de toda a ideologia do marxismo sobre religião. Todas as modernas religiões e igrejas, todos (…) os tipos de organizações religiosas são sempre considerados pelo marxismo como órgãos de reação burguesa, usados para a proteção da exploração e o assombro da classe trabalhadora. [14]
O Marxismo-leninismo tem defendido firmemente o controle, repressão, e, em última análise, a eliminação das crenças religiosas. Dentro de cerca de um ano da revolução do estado expropriou todos os bens da Igreja, incluindo as próprias igrejas, e no período de 1922 a 1926, 28 bispos Ortodoxos Russos e mais de 1.200 sacerdotes foram mortos (um número muito maior foi objeto de perseguição).[15]
A Catedral de Cristo Salvador de Moscou, a sede da Igreja Ortodoxa Russa e seu templo mais sagrado, foi destruída em duas rodadas de explosões por ordens diretas de Stalin em 1931,[16] milhares de sacerdotes protestaram contra a decisão e foram presos e enviados à Gulags, em seu lugar os comunistas pretendiam construir o “Palácio dos Sovietes”, a sede do governo stalinista[17]. A Igreja Ortodoxa Russa possuía 54.000 paróquias durante a Primeira Guerra Mundial, que foi reduzida para 500 em 1940.[15] A maioria dos seminários foram fechados, a publicação de escrita religiosa foi proibida. [15] Embora historicamente a grande maioria da Rússia fosse cristã,apenas 17 a 22% da população é atualmente cristã. [18]
República Popular da China
A República Popular da China foi criada em 1949 e durante a maior parte de sua história manteve uma atitude hostil para com a religião que era visto como sinónimo do feudalismo e do colonialismo estrangeiros. Templos, mesquitas e igrejas, foram convertidos em edifícios para utilização estatais.[19] Durante a Revolução Cultural, a religião foi condenada como feudal e milhares de edifícios religiosos foram pilhados e destruídos.
Esta atitude, porém, foi consideravelmente flexibilizada no final dos anos 1970, com o fim da Revolução Cultural. A Constituição de 1978 da República Popular da China garantiu a liberdade de religião, embora com algumas restrições. Desde meados da década de 1990 tem havido um enorme programa para reconstruir templos budistas e taoístas que foram destruídos na Revolução Cultural. Há cinco religiões reconhecidas pelo Estado: Budismo, Taoísmo, Islamismo e Cristianismo (tanto católico quanto protestante). [20]
Camboja sob o Khmer Vermelho
Pol Pot reprimiu no Camboja a religião budista: monges foram assassinados; templos e artefatos, incluindo as estátuas de Buda, foram destruídas. Comunidades cristãs e muçulmanas estavam entre os mais perseguidas. A catedral católica de Phnom Penh foi completamente arrasada. O Khmer Vermelho forçou os muçulmanos à comer carne de porco, que eles consideram como uma abominação. Muitos daqueles que se recusaram foram mortos. O clero cristão e muçulmano foram executados.[21][22] Quarenta e oito por cento de cristãos cambojanos foram mortos por causa de sua religião.[23]
Mongólia comunista
Em 1936 e 1937, um grande ataque à fé budista começou. Ao mesmo tempo, foram efetuados expurgos no Partido Comunista e exército mongol. O líder da Mongólia naquela época era Khorloogiin Choibalsan, de ideologia stalinista.
___________________________________
1.↑ Protest for Religious Rights in the USSR: Characteristics and Consequences, David Kowalewski, The Russian Review, Vol. 39, No. 4 (Oct., 1980), pp. 426-441.
2.↑ a b http://www.jstor.org/pss/128810
3.↑ Wolak (2004):104.
4.↑ http://www.bambooweb.com/articles/S/t/State_atheism.html
5.↑ Greeley (2003).
6.↑ Pospielovsky (1998):257.
7.↑ Miner (2003):70.
8.↑ Davies (1996):962.
9.↑ Pipes (1989):55.
10.↑ Marx (1844).
11.↑ Sang M. Lee writes that Albania was “[o]fficially an atheist state under Hoxha…” Restructuring Albanian Business Education Infrastructure August 2000 (Accessed 6 June 2007)
12.↑ a b Representations of Place: Albania, Derek R. Hall, The Geographical Journal, Vol. 165, No. 2, The Changing Meaning of Place in Post-Socialist Eastern Europe: Commodification, Perception and Environment (Jul., 1999), pp. 161-172, Blackwell Publishing on behalf of The Royal Geographical Society (with the Institute of British Geographers)
13.↑ Religions attacked in the USSR (Beyond the Pale)
14.↑ Lenin, V. I.. About the attitude of the working party toward the religion.. Collected works, v. 17, p.41. Página visitada em 2006-09-09.
15.↑ a b c Country Studies: Russia-The Russian Orthodox Church U.S. Library of Congress, Accessed Apr. 3, 2008
16.↑ Time Magazine, December 14, 1931, mentioned demolition by liquid air cartridges; this is not corroborated by current Russian sources http://www.time.com
17.↑ A Catedral de Cristo Salvador. Site Ecclesia. Arquidiocese Ortodoxa Grega de Buenos Aires e América do Sul.
18.↑ Cole, Ethan Gorbachev Dispels ‘Closet Christian’ Rumors; Says He is Atheist Christian Post Reporter, Mar. 24, 2008
19.↑ Mao: A História desconhecida. Jon Halliday e Jung Chang. Tradução de Pedro Maio Soares. Editora Companhia Das Letras. ISBN 85-359-0873-0
20.↑ White Paper–Freedom of Religious Belief in China. Embassy of the People’s Republic of China in the United States of America (October 1997). Página visitada em 2007-09-05.
21.↑ Pol Pot – MSN Encarta
22.↑ Cambodia – Society under the Angkar
23.↑ Rusija tibet tibetas spain russia maskva moscow komunizmas comunismo Lietuva Lithuania genocide communism genocidas holocaust holokaustas stalin lenin marx marksizmas partija …
ó pinto, bastava pôr o link, não?
e quem está a falar de rejeição da expressão religiosa? diz lá: os crucifixos nas paredes das escolas são a expressão religiosa de que indivíduos da população escolar? não disseste atrás que ‘já lá estavam’? ninguém aqui se opôs à cruz num fio ao pescoço, nem ao véu islâmico, nem à pata de coelho num penduricalho. então…
shark, claro, porque existem tais rituais, com muito sagrado no meio. :)
susana, tens sido tu a trazer questões conexas a partir do problema original – e que é este: o TEDH decidiu que a presença de um crucifixo na sala de aula “não viola o direito à educação, ou de os pais educarem os seus filhos de acordo com as suas convicções.” A partir da notícia, elaborei uma defesa do acolhimento de todo e qualquer símbolo religioso no espaço da escola, precisamente para polemizar com a posição antagónica, a da exclusão de todo e qualquer símbolo religioso do espaço da escola.
Este é o fulcro do debate, a mera presença silenciosa e inútil de um símbolo no local onde o Estado ministra o seu currículo secular e laico, entre outros valores humanistas e civilizacionalmente unânimes. Como é óbvio, há variadíssimas questões directa ou lateralmente ligadas a esta, as quais remetem para a problemática da relação da escola com as religiões e sua herança cultural, influência social e consequência psíquica.
Em suma, o meu desejo é, presumo, o mesmo que o teu: educar cidadãos para a liberdade. Só que divergimos neste ponto: tu pretendes excluir a religião dessa formação, e eu pretendo que a formação seja tão completa que não fuja de uma das principais dimensões da antropologia, da História, da filosofia e até da experiência artística.
mas isso é que não é verdade, não pretendo excluir a religião da formação de ninguém, assim no sentido lato, enquadrado e abrangente. explica lá o que é que um crucifixo na parede contribui para a formação de alguém. tal como o crucifixo ao peito indica que o seu utilizador é católico e algumas formas de toucado indicam outras religiões, o crucifixo na parede indica que a escola é católica. ora não o é, supostamente. eu vejo essa premissa como uma forma de publicidade, se quiseres, e não de educação nem de liberdade (liberdade de quem? de quem lá o pôs? da igreja? dos pais?). é extraordinário que chegam a dizer que é um símbolo vazio, que não tem qualquer significado, então qual é o mal. se é vazio e sem significado, então o que está ele ali a fazer?
Não sou eu que tenho de explicar, foi o TEDH que explicou: o crucifixo pode ser símbolo identitário legítimo para certas comunidades (aquelas que o reclamam nas escolas que frequentam ou que se opõem à sua remoção), não é fonte de proselitismo.
Quanto à tese da publicidade, aqui entre nós que ninguém nos lê, acreditas no que estás a dizer?…
explica lá o que é que um crucifixo na parede contribui para a formação de alguém
O mesmo que tantos outros que se encontram por essas escolas fora, ou seja, serve, quanto muito, para mostrar aos alunos (que nem todos saberão) que aquele é o símbolo do cristianismo – a pdera angular da nossa cultura e daquilo que somos hoje.
Para se ter uma ideia da influência da cultura judaico-cristã no nosso país e, consequentemente, no nosso ordenamento jurídico:
O Dez Mandamentos:
1º – Amar a Deus sobre todas as coisas.
2º – Não usar o nome de Deus em vão.
Ultraje de símbolos nacionais e regionais
1 – Quem publicamente, por palavras, gestos ou divulgação de escrito, ou por outro meio de comunicação com o público, ultrajar a República, a Bandeira ou o Hino Nacionais, as armas ou emblemas da soberania portuguesa, ou faltar ao respeito que lhes é devido, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
Artigo 332.º do Código Penal
3º – Guardar domingos e festas de guarda.
Descanso semanal obrigatório
1 – O trabalhador tem direito a, pelo menos, um dia de descanso por semana.
2 – O dia de descanso semanal só pode deixar de ser o domingo quando (…)
Artigo 205.º do Código do Trabalho
4º – Honrar pai e mãe.
Conteúdo do poder paternal
(…)
2. Os filhos devem obediência aos pais (…)
Artigo 1878.º do Código Civil
5º – Não matarás.
Homicídio
Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de oito a dezasseis anos.
Artigo 131.º do Código Penal
6º – Guardar castidade nas palavras e nas obras.
Injúrias
1 – Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até três meses ou com pena de multa até 120 dias.
Artigo 181.º do Código Penal
7º – Não roubar.
Roubo
1 – Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia (…)
Artigo 210.º do Código Penal
8º – Não levantar falsos testemunhos.
Difamação
1 – Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias.
Artigo 180.º do Código Penal
9º – Guardar castidade nos pensamentos e nos desejos.
Deveres dos cônjuges
Os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência.
Artigo 1672.º do Código Civil
10º- Não cobiçar as coisas do outro.
pinto, se queres a pedra angular da nossa cultura põe antes um busto de platão, de onde foram retirados os fundamentos do cristianismo. mas estás a esquecer-te de tantos outros, que também andaram a partir pedra nos primórdios. os atomistas, uns tipos mais pragmáticos, por exemplo.
depois, começas logo com os dois primeiros mandamentos associados ao respeito pela república para fundamentar a tua teoria da legítima presença dos crucifixos nas escolas. muito bem escolhidos, é isso mesmo, tens toda a razão: a ideia é mesmo passar essa mensagem. muito obrigada pela ajuda.
valupi, claro que acho. como sabes, cresci numa casa sem santinhos nem fé, mas vivi largos períodos noutra, cheia de crucifixos, santos, uma nossa senhora, alguns anjos. acreditava, piamente, que deus morava nas casas da minha avó. (e de certo modo morava.) claro que a presença de símbolos convoca a presença imaginada de deus, do deus representado, na mente de uma criança. não é esse o efeito da mensagem publicitária? :)
susana, ora, ora… A menos que as casas da estimada senhora tua avó venham a ser transformadas em escolas públicas sem direito a renovação da decoração interior, diria que Deus vai ter de se esforçar um bocadinho mais se pretende aumentar o rebanho.
a primeira que lhe conheci, um apartamento na cidade, vem-me à memória sempre com os santos pelas paredes. na segunda, maior e numa aldeia com uma comunidade beata, havia mais tralha evocativa mas, como era maior e tinha muitos livros, a experiência foi-se diluindo. mas ainda acreditei durante muito tempo que deus andava por ali, naquele lugar fui nesse tempo uma católica (céptica, concedo), e tenho a certeza de que o poder daquele imaginário teve tudo a ver com isso. aliás é para isso que serve e foi concebido. a eficácia é irrelevante, importa a razão, residente na intenção.
Quando somos crianças tudo é fantástico. Para o melhor e para o pior.