O Presidente da República foi à Assembleia da dita comemorar solenemente o 25 de Abril com um discurso de 16 minutos e 38 segundos onde fez uma exposição didáctica sobre a efeméride. O registo foi paternalzinho, parecia estar a falar para um filho muito querido e muito estarolas, contextualizado pelas actuais crises na saúde, na economia e na vida social. Alguns à esquerda e na direita decente vocalizaram alto o seu aplauso, carimbando o discurso com adjectivação encomiasta, senão ditirâmbica, em reconhecimento da inequívoca defesa do simbolismo abrilista – o simbolismo da liberdade e da democracia adentro de um Estado de direito como a ideologia fundadora e reguladora da Constituição. Mas talvez estes emocionados ouvintes apenas estivessem em desforço por causa do folclore de ocasião da direita decadente; decadente porque, lá está, continua a depender de fanáticos e pulhas para fazer prova de vida. Talvez o discurso em causa mereça o que já está a ter nem uma semana ainda lhe passou por cima: completa indiferença, fatal esquecimento.
Comparemos com os 11 minutos e 33 segundos de Outubro de 2017. Começa por ter laivos de improviso, embora surja após aviso prévio e no dia imediatamente a seguir à solitária comunicação ao País de Costa, esta feita na residência oficial em São Bento para lhe conferir dignidade institucional. Por contraste, e com um significado que foi explorado por todas as palavras, todos os silêncios, todas as expressões de rosto e de voz, Marcelo falava ao povo a partir do povo, na fustigada Oliveira do Hospital. E tinha muito para contar. Começou em estilo fotojornalista, qual Fernão Lopes presidencial, descrevendo os variegados sofrimentos que os incêndios causaram com recurso a ilustrações anedóticas e bucólicas, colmeias e sinos a rebate. A indisfarçável pantomima ocupou um terço do discurso, consistindo na pintura de um fresco do seu abraço às vítimas, o mural do seu personalismo gloriosamente católico. Esta primeira parte foi invocada como o suporte para a mudança de papel: a pessoa igual às outras pessoas, a pessoa do coração misericordioso, era também o Presidente da República. E estava na hora de o Presidente distribuir tau-tau, puxar orelhas, tomar conta disto. Entrávamos no segundo acto, onde a mensagem foi a tal que ouvíamos de manhã à noite desde Pedrógão e o assalto a Tancos pela boca e dedos do editorialismo, do comentariado e do passismo: o Estado falhou… por culpa exclusiva do PS. Estava o cenário montado para a conclusão e epílogo. Marcelo declarou que o seu presente mandato e o eventual seguinte acabavam de ficar ligados umbilicalmente aos incêndios de 2017. As fichas foram postas todas na mesa, cabendo ao adversário mostrar se ia a jogo ou desistia. Ir a jogo implicava não acreditar no bluff marcelista, isso de ter ameaçado abrir uma crise política e dissolver a Assembleia caso o Governo insistisse em governar sem depender de Belém. Desistir implicava que Costa entregasse a cabeça de Constança Urbano de Sousa numa bandeja e participasse no logro de se fingir que a Presidência da República tem mais legitimidade política do que a Assembleia da República.
O discurso de 17 de Outubro de 2017 saiu perfeito no conteúdo, na forma e na execução. O seu à-vontade permitiu-lhe brincar aos padrecos, gozando o prato de estar a dar um sermão aos governantes socialistas e demais deputados. Chegou ao ponto de largar esta maravilha de teologia demagógica ou vice-versa:
“Se falei aos portugueses primeiro como pessoa foi para tornar bem claro que sempre, e mais ainda em tempos como estes, olhar para os dramas de pessoas de carne e osso com a distância das teorias, dos sistemas ou das estruturas, por muito necessário que possa ser, é passar ao lado do fundamental, na vida como na política. E o fundamental é o que vai na alma de cada uma e de cada um dos portugueses.
“
Marcelo estava no pico da forma e sabia que não podia perder. Ia espancar e chantagear um Governo derrotado por calamidades naturais e disfunções públicas que calhavam acontecer em cima umas das outras para felicidade dos pulhas e dos broncos. E ia aumentar com esse oportunismo o seu apoio popular, o principal objectivo da encenação. Sabemos que Marcelo foi sofisticada e superiormente cínico porque o seu domínio sobre os códigos populistas merece estudo académico. Todas as vítimas por ele referidas, com tanto gosto que até sorrisos lhe escapavam incontroladamente ao listar desgraças, esses mortos usados como palanque, foram carne para o seu canhão eleitoralista.
Marcelo serviu-se gulosamente de acontecimentos que nenhum outro Governo poderia ter evitado para com eles obter ganhos sectários e pessoais. De lá para cá muito se passou e ele é agora um líder gravemente fragilizado precisamente por ter falhado numa crise onde não havia bodes expiatórios nem hipótese de usar os impérios mediáticos da direita para a baixa política. Não é com o Marcelo que queremos ir para a guerra, ficámos todos a saber quando desapareceu do comando após ter andado a beijocar o seu povo.
Excelente
Obviamente !
Mais lúcido não podia ser. Parabéns Valupi.
O mundo da vida e, implicitamente, o da política é a do homem comum que é a grande maioria nas comunidades. Os homens, não comuns, que se destacam, uns pela inteligência outros pela habilidade, esperteza e manhas, usam esses dotes especiais quase inevitavelmente para o domínio e condução dos outros em benefício próprio.
Ora Marcelo alia em si as duas qualidades; inteligência e habilidades.
Em 2017 perante o manancial de utilidade pessoal que a tragédia dos dos fogos permitia, mesmo que apenas pelo uso da palavra, Marcelo não hesitou em mostrar “quem mandava” e “obrigava” a obedecer.
Contudo, Costa, com igual inteligência e esperteza embora de outro estilo e outra maneira de “caçar moscas” sabe esperar e actuar com paciência oriental e aparente bonomia até levar a água ao seu moinho.
Se Marcelo jogou, driblou e marcou à grande nos fogos de 2017 Costa, surpreendido nessa jogada pela habilidade posta em campo, pensou desde logo em não se deixar enredar em novas jogadas semelhantes; pôs-se em guarda.
E quando Marcelo, medroso e atacado pelo seu próprio amigo JMT, o pensador de Portugal a partir de sua existência pessoal e familiar, se remeteu ao confinamento de moto-próprio, Costa de imediato assumiu naturalmente o comando da pandemia e do país. Aliás, é próprio dos comandantes medrosos ou merdosos levantarem a voz grossa em situações pacíficas e esconderem-se sorrateiros face ao perigo; na guerra colonial tal foi mato.
Desta vez o mal atingia todos sem distinção e de igual modo pelo que não dava para acusar e atirar uns contra outros e ficar no palco como o salvador. E temendo, que os seus correligionários decadentes pulhas e broncos, se lançassem numa aventura política oportunista em plena situação de calamidade de saúde pública, apercebeu-se que era seu dever impor à escumalha o bom senso.
As coisas estão assim e parece que vão ter de se respeitar um ao outro devido ao entendimento mútuo de que isso é o melhor para ambos e para o país, penso eu.
atão e o caso tancos? parece que a invenção rebentou nas mãos do padrinho e agora se quiser repetir a presidência vai ter de se portar bem, depois logo se vê.
Balelas !
Salvo o devido respeito, você está a ver mal as coisas, com tique de paranóia e a partir daí, a extrapolar para montar um strawman, que cai que nem uma luva nos carneiros do blog de que é pastor .
No caso dos fogos, o Estado falhou, e no caso, competia exclusivamente ao Governo assegurar medidas de prevenção – como se veria mais tarde, foi decretada a limpeza obrigatória dos matos – bem como de acompanhamento – que também falhou por causa das comunicações deficientes que conduziram ao não corte de estradas – equipamento de combate insuficiente e até inoperacional, incompetência de quadros de chefia nomeados de fresco pelo executivo, etc .
No caso da pandemia, não se pode dizer que o Estado falhou, nem na pessoa do Governo, nem na de qualquer outro órgão de soberania . Neste caso, estamos perante a presença de uma calamidade pública, inesperada, e natural .
No caso dos incêndios estivemos em presença de uma calamidade pública, que era previsível, dado que o estado da floresta era uma bomba-relógio .
No fundo, até parece que V. não perdoou ao Marcelo, o não ter indultado o Vara .
“No caso dos fogos, o Estado falhou,…”
Não, Faustino! Não foi o Estado quem falhou: falhaste tu, falhei eu, e falhamos todos como comunidade que se revela incapaz de cuidar e gerir o território que habita. E falhou redondamente o comandante supremo desta piolheira, pois em lugar de apontar o dedo à tua e à minha incúria, foi arranjar um bode expiatório e arranjar maneira de alimentar o ego com a única merda que concebe como “sentido de estado”, que é o estado da sua popularidade entre os faustinos que passam a vida a ladrar contra a interferência do estado na gestão das suas vidinhas de merda e não têm o minimo pudor em gritar pelo apoio do estado para os salvar das estrumeiras em que se atascam.
yah meus! os governos e as comunidades, da california à austrália com escala no pedrógão, andam todos a falhar desde que o costa pegou fogo ao cavaco e incendiou a direita, coisa que só voltará a apagar-se com o santo de massamá ao volante e o querubim de fafe a pendura.
um terramoto em lisboa e uma erupção vulcânica nos açores tamém são calamidades públicas previsíveis e não passa pela cabeça de ninguém mudar a baixa para a alta ou pôr uma rolha nos capelinhos.
O beijoqueiro apanhou um susto e fugiu de imediato, mostrando o nível de comando que é capaz de exercer. Mas a memória é curta e a comunicação social é comprida pelo que, de decreto em decreto e de discurso em discurso, já lá está outra vez no palanque.
Estou cheio de curiosidade para ver como, não sendo possível os beijos e os selfies, vai restabelecer a ponte dos afetos.
o “afectuoso” goza da protecção institucional de toda a comunicação social. vejam lá se a apropósito das comemorações do 1 maio, alguém veio recordar que elas estavam explicitamente previstas no decreto presidencial ( aprovado na ar ) que renovou o estado de emergência, tendo o governo limitado-se a regulamentar o evento? não! o que factura é passar a ideia de ter sido iniciativa da ministra, essa ateia que não obrigou papa e cardeal a autorizar a romaria( que tinham cancelado ) à cova dos pastorinhos. é isto o normal da nossa democracia: ditadura de desinformação sistemática ; governança ao sabor das percepções mediatizadas; tudo com a conivência voluntária das vitimas/consumidores de desinformação.voilá!
(…)
yah meus! os governos e as comodidades, da Bigórnia à Bilinga com escalada no pedrógão, andam todos a escalar desde que não se construiu o muro em redor de trás-os-montes, incluindo a costa . Pegou fogo ao cavaco e incendiou a direito, coisa que só voltará a apagar-se com o santo Zézito ao volante e o querubim Vara a pendura. (…)
Concordo !
(…) um terramoto em lisboa e uma erupção vulcânica nos açores tamém são calamidades públicas previsíveis e não passa pela cabeça de ninguém ter a capital dum país num local de altíssimo risco, ou pôr uma rolha na garrafa (…)
Também concordo !
Caro Rocha
“ Não, Faustino! Não foi o Estado quem falhou: falhaste tu, falhei eu, e falhamos todos como comunidade que se revela incapaz de cuidar e gerir o território que habita. “
Pois falhei !
Não comprei uma mangueira para combater os fogos que não ateei, nem sequer na floresta que não tenho, nem adquirí um bulldozer para ir descaracterizado com aquelas goelas anti-fugicas de polyester, arrasar as plantações de eucalitos, e também tenho máxima culpa por elas terem sido erguidas contra a minha vontade .
“ E falhou redondamente o comandante supremo desta piolheira, pois em lugar de apontar o dedo à tua e à minha incúria, foi arranjar um bode expiatório “
Certo !
O homem nem sequer serviço militar fez, e portanto falhou, não mandou actuar a tropa, metralhar o fogo, bombardear com artilharia, e até, bombardear com napalm !
“ e arranjar maneira de alimentar o ego “ “ foi arranjar um bode expiatório “
Foi para o que lheu .
De seguida, vai meter o rebanho num estábulo infectado com brucelose, e depois saca um subsídio ao Estado, por pernas e danos .
Também quanto ao bode, temos que ser um pouco compreensivos, na altura da Páscoa, já em plena emergência, e co-finamento, até o padre da paróquia, estava na fila do take away, com senha de espera pré-tirada, para comer o cabrito ou o anho . Não lhe perguntei .
Há pessoas que não se enxergam, são como aquele personagem do filme ( Marlon Brando ) que queria comer o bife do último dragão de Komodo .
“ com a única merda que concebe como “sentido de estado”, que é o estado da sua popularidade entre os faustinos que passam a vida a ladrar contra a interferência do estado na gestão das suas vidinhas de merda e não têm o minimo pudor em gritar pelo apoio do estado para os salvar das estrumeiras em que se atascam. “
O que concebe merda, é o Sr. Merda, não sou eu, nada de confusões .
Fazem eles muito bem !
Eu não tenho nenhuma indústria nem atividade comercial, senão fazia o mesmo, fazia uma parceria com o Vara e sacava logo um acordo leonino ao Sócrates, que me livrasse da estrumeira, é um assumpto de estado ! Um Pin !
Também falhou a Helena Cardoso, que deu parecer favorável a um mamarracho de 4 andares, e o autarca Moreira, que mandou a fiscalização municipal para casa, catar chatos, as trolhices prosseguiram a todo o ritmo e com todas as ilegalidades possíveis e imaginárias, incluindo demolições com os bizinhos detidos à força em casa, nesta situação, eu devia era ter ido comprar uma caçadeira de dois canos, e resolvido o assumpto .
Porém, o venerando estado de direito, de que Valupi é feroz santo devoto, não deixa .
Cordiais !