O juiz perigoso

Rui Pedro Castro, o juiz que se filmou a desafiar o director nacional da PSP para uma luta corpo a corpo, é vítima de alguma disfunção do foro psiquiátrico. Este diagnóstico pode ser feito por leigos, dada a evidência de que se prejudicou irremediavelmente ao ter perdido a capacidade de prever as consequências dos seus actos. Não é crível que volte a ser juiz, portanto, e mesmo como eventual advogado não oferece confiança e tem a credibilidade destruída. Precisa de se ir tratar e depois, caso recupere toda ou parte suficiente da sanidade mental, descobrir um novo modo de vida.

Mas se, no plano clínico, estamos perante um indivíduo que merece compaixão e protecção, no plano político a sua exibição patológica em público permite chamar a atenção para um dos tabus que dão forma ao quotidiano da República: a problemática da saúde mental dos magistrados. Não se fala disso na “imprensa de referência”, ocupada como está em garantir que certos magistrados continuem a produzir certo tipo de manchetes e certo tipo de alarme persecutório. Talvez só lá muito de vez em quando apareça alguma coisa nas revistas e colóquios das ciências jurídicas (embora não apostasse nisso os 10 euros que tenho no bolso). Ora, trata-se de uma inevitabilidade estatística, alguma percentagem dos procuradores e dos juízes exerce com doença mental não detectada pelo próprio, sua família e/ou entidades responsáveis por essa aferição no sistema de Justiça.

Outro aspecto relevantemente político no episódio deste juiz está no discurso de extrema-direita que usou. Não se trata de um acaso, porque não é um acaso estar na actual extrema-direita populista uma reacção de negacionismo da racionalidade científica, democrática e liberal. Esse fenómeno tem longínquas causas, desvairados factores influenciadores e inscreveu-se na história da civilização de uma forma espantosa com a vitória de Trump e a violência irracionalizante que espalhou e acirrou numa escala considerada impossível antes de a termos visto acontecer. Figuras como Trump, e como Ventura que lhe imita o feitiço, atraem quem esteja cognitivamente depauperado; seja por carência de literacias e formação intelectual, seja por estados doentios em desenvolvimento ou em actividade, seja por tudo isto ao mesmo tempo. Para dizer que alguém é “maçom”, e que é por isso que chegou a director da PSP para ser um “pau mandado do Governo”, não é preciso ter grandes estudos nem ter ao dispor uma grande inteligência. Será precisamente ao contrário. Onde está “maçom” ponha-se “corrupto” ou “socialista” e depois conte-se quantos no espaço público, muitos desses com papéis de representação política e social, repetem o bordão.

Não, este juiz não é perigoso agora que está exposto. Perigoso é estoutro, chamado Manuel Soares. Do muito que revela nesta entrevista – “Há pessoas que entraram pobres na política, saíram ricas e riem-se de nós” – o título escolhido pela TSF e JN c’est tout un programme do justicialismo populista que invade a cachimónia de figuras gradas no Estado e na sociedade. Infelizmente, dado não existir imprensa em Portugal, nenhum dos dois jornalistas presentes teve tempo para lhe pedir os nomes desses ex-pobretanas que andam agora por aí a rir e a gargalhar à nossa custa. Era giro saber de quem fala este juiz tão decente e honrado que até lidera o órgão que representa sindicalmente os juízes portugueses, né? Azar do caralho, perguntassem.

O melhor da entrevista, para mim, está neste naco:

Revê-se mais na justiça de Carlos Alexandre ou na de Ivo Rosa?

Revejo-me nas duas. Revejo-me na justiça que absolve quando não se provou que uma pessoa cometeu o crime ou que nega uma escuta telefónica quando não há indícios suficientes, como me revejo numa outra em que, se há uma investigação importante e se a Polícia ou o Ministério Público trazem indícios suficientes para pedir uma busca, uma prisão preventiva, o tribunal deve deferir.

Pois bem, bute lá traduzir:

«Eu, Manuel Soares, em nome de 2 300 associados que representam 95% dos juízes, penso que o Carlos Alexandre condena mesmo quando não se provou que uma pessoa cometeu o crime e que despacha escutas telefónicas mesmo sem indícios suficientes, e mais penso que o Ivo Rosa não acolhe os pedidos de busca e de prisão preventiva do Ministério Público, nem mesmo quando existem indícios suficientes.»

Aqui entre nós, Manel, aconselho-te a pensares um bocadinho melhor no assunto caso te voltem a fazer a mesma pergunta. Cuidado com esses excessos de transparência.

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Vindo de quem tem autoridade e saber na matéria é outra loiça:

Os nós do populismo judiciário

9 thoughts on “O juiz perigoso”

  1. O coiso e afins assalariados xuxas na constante habitual cruzada nao binaria…10 euros no bolso resultado de trabalho extra teletrabalho na rua do bem formoso durante 4 horitas….rua deserta…lockdown…Collants esburacados e crina multiculor com baton rainbow e canivetes depilados já era pá….não há nada a provar,sendo tudo publico,não é necessario trabalho de casa,ajoelhar de bilha pró ar é mais q suficiente.

  2. este tosco só precisa dum estágio de comentador de telejornais para ser o ministro da justiça favorito da direita e herdeiro do património persecutório da santa joana, a abençoada do cavacoise.

  3. A pergunta do entrevistador sugere que há duas “justiças”, uma do Rosa, outra do Alexandre. O entrevistado, como juiz e responsável sindical, deveria ter dito que só há uma justiça. Mas não, confirmou que há duas justiças (pelo menos), mas que são ambas boas. Depois, como se não bastasse, disse que uma justiça boa (presume-se que a do Rosa) absolve quando não há provas de crime, e que outra justiça boa (presume-se que a do Alexandre) passa mandatos de busca e manda prender preventivamente quando há indícios suficientes. Ou seja, o gajo insinua que a característica da justiça do Rosa é “absolver” e que a característica da justiça do Alexandre é passar buscas e mandar prender. Baseia-se em quê? No caso Marquês, como parece implícito? Mas o Rosa ainda não decidiu porra nenhuma nem terá, quando decidir, de absolver nem condenar. Toda a resposta do Soares é desastrada e estúpida, porque alinha na suposição do entrevistador de que há duas justiças (pelo menos), depois caracteriza-as estupidamente e por fim ainda diz que o Rosa “absolve” (o Sócrates, como se pode depreender). Pelos vistos, os juízes gostam de ter um líder sindical estúpido.

  4. Claro, é como nos partidos.
    Os partidos da direita, nomeio um parvo e sempre o mais afastado possível do anterior para os liderar.
    Os partidos de esquerda, elegem sempre os que têm melhor proximidade da gestão política!

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