O homem que não pode ter primos, amigos e um tecto para dormir

Posto que nunca privei com ele, o que mais aprecio no Sócrates público, a seguir à sua paixão pela política, é a sua amoralidade. Este conceito não é de imediata nem fácil apreensão, requerendo algum trato prévio com os conceitos de moralidade e imoralidade para ser usado com eficácia pensante e comunicativa. A não ser para especialistas ou curiosos, o mais comum é confundir-se a amoralidade com a imoralidade. Essa confusão começa pela generalizada iliteracia acerca do que seja a própria moralidade. Pelo que o melhor é chamar personalidades retintamente morais na política portuguesa para ajudar à nitidez do retrato.

Por exemplo, Cavaco Silva, Marcelo Rebelo de Sousa, Paulo Portas e Passos Coelho são personalidades públicas que usam a dimensão moral como bandeira política e para efeitos de propaganda. Neles a moralidade aparece definida como declaração de integridade excepcional, como referência a entidades divinas com as quais reclamam ter uma relação especial, como ataque a adversários políticos usando categorias morais e ainda como exibição de sinais que mediática e popularmente podem ser explorados como manifestação de características morais. Há racionalidade pragmática nesta tipologia dada a sociologia eleitoral que lhes deu o poder e poderá continuar a dar nalguns casos. Compare-se com Sócrates, ignorando para efeitos da avaliação as campanhas negras e escândalos judiciais em que está envolvido. O que fica é um político que nunca difamou qualquer outro adversário, que nunca sequer lançou suspeitas de natureza moral como arma política, que nunca se arrogou uma superioridade moral que quisesse usar como bandeira política, que jamais deixou de viver a sua privacidade como lhe deu na real gana para simular ser “íntegro”, “honesto”, “humilde”, “poupadinho”, “predestinado” nas capas e ecrãs da comunicação social. Foi precisa e exactamente ao contrário, chegando ao ponto de cometer aparentes absurdos de relações públicas e de eleitoralismo na defesa da sua privacidade e bom nome, assim como da sua família e relações privadas. Como caricatura folclórica desta atitude, ele conseguia arranjar tempo para pegar no telefone e falar com jornalistas que ficavam espantados com a estultícia de quem assim se oferecia para ataques futuros contra os quais não teria defesa. Aqui entre nós que ninguém nos lê, é preciso estar-se tomado por uma ingenuidade patológica para achar que vale a pena estar horas ao telefone com o Henrique Monteiro por causa de uma edição do Expresso qualquer.

Políticos que usam a moralidade como capa hipócrita e recurso retórico estão constantemente prontos para disparar acusações de “imoralidade” em relação a adversários. A forma mais poderosa desta acusação é o carimbo “corrupto”, o qual funciona como sinónimo de “criminoso”, sendo o crime o grau mais alto da imoralidade. Sócrates ficará como o político que na história da democracia mais atacado foi do ponto de vista moral, sem qualquer exemplo comparável que possamos nomear. A paixão com que continua a ser perseguido e violentado é um monumento ao seu poder político, algo a que os seus adversários fazem diária e horariamente homenagem na forma da expressão do seu ódio – isto é, do seu medo. Ora, é nesse contexto, enquanto já está a ser julgado por suspeita de crimes gravíssimos, que Sócrates decide ir para casa de um primo, igualmente suspeito de ser seu cúmplice. Casa oferecida por um angolano (logo, inevitavelmente um corrupto). Qualquer caloiro de um curso de Relações Públicas, ou Política, ou Veterinária conseguiria explicar a Sócrates os efeitos incendiários desta sua opção junto de quem nem quando o vir carbonizado no Terreiro do Paço ficará descansado, ainda irá a correr buscar uma saca de sal. É precisamente por ele saber disso, e apesar do óbvio dano à sua imagem pública ter assumido fruir desse imóvel, que a sua atitude é brilhantemente amoral. Está para além do que os outros lhe querem impor como suposta correcção ou dever social. É uma escolha de quem sabe que a liberdade não tem de pedir licença à moral para ser essencial e existencialmente boa.

18 thoughts on “O homem que não pode ter primos, amigos e um tecto para dormir”

  1. Também a mim me parece brilhante este “estou_me_cagandismo” para os FDP que andam com a caixa dos fósforos na mão.

  2. não é amoral, é doido, doido varrido. penso que as categorias moral/imoral não se aplicam nestes casos. o advogado do zé com esta fica bem colocado para alegar Inimputabilidade.

  3. mal de Hubris (um bocadinho, de amostra)

    . Modo mesiánico de comentar los asuntos corrientes y
    una tendencia a la exaltación.
    . Un enfoque personal exagerado (yo) tendiente a la
    omnipotencia.
    . Agitación, imprudencia e impulsividad.
    . No son iguales a los demás mortales, se sienten
    superiores.
    . En su vida personal se dotan de lujos y
    excentricidades y tienen una desmedida preocupación
    por la imagen (Luís, vê lá como fico … Achas que fica bem assim?)

    conclusão….
    Entre los psicólogos y los psiquiatras
    va ganando cada vez más adeptos la necesidad de
    implantar la selección psicológica y psicohigiénica
    de los dirigentes y los políticos
    ”. -:)

  4. O que os faz espumar dos dois lados do tubo digestivo é o que Sócrates fez,realizou. O resto são tretas.
    E a coragem sempre horroriza os cobardes.

  5. Caro Valupi,
    Desde o primeiro momento se notava a grandeza de princípios invulgares de elevada índole de capacidades de estar acima de vulgares xico-espertos armados em letrados pedantes.
    Ainda era Secretário de Estado e um desses xicos-advogado-de-província entrou em conversa de gozo face à sua juventude tratando-o como fazem esses advogados vaidosos aos homens analfabetos e rudes das aldeias e vilas ao que Sócrates lhe retorquiu, mais ou menos o seguinte, olhando sério de frente; o senhor ou fala do assunto que aqui veio tratar e com a seriedade que o assunto requer ou então o melhor é sair para pensar melhor o que pretende e voltar cá mais tarde quando souber o que pretende.
    O advogado xico-esperto, talvez habituado a tratar desse modo os interlocutores do seu escritório, ficou emudecido e, espantado, mudou mecanicamente de estilo jocoso para o estilo sério.
    Fiquei de olho naquele jovem Secretário de Estado e verificava que com ele era sempre assim; tratar dos assuntos e nada de conversa fiada de sala de estar.
    Uma vez, já PM, deu uma resposta ao PM da Holanda que ofendera Portugal dizendo-lhe de frente como fizera ao xico-esperto que Portugal era um país com quase mil anos de História e feitos de que os holandeses se invejaram e quiseram apropriar.
    Sócrates é aquele que esteve uma noite durante 4 horas 4 a explicar a Passos Coelho que ia acertar com Bruxelas o PEC IV e logo pela manhã sabe da notícia que o mesmo Passos e o Cavaco negam o facto e dizem ao país que não sabiam de nada abortanto tudo o que fora acordao. E, jamais, acusou, se defendeu ou se queixou de tamanha, obscena, anti-patriótica e vil pulhice.
    Ainda hoje, face ás mentiras idiotas e descaradas de Cavaco ou Passos ele passa ao lado e por cima e apenas responde quando tem de defender-se de alguma acusação.
    Sócrates não é farinha do mesmo saco nem é da mesma massa do homem vulgar mui sabido de conversa de café e de leituras de jornais ou muito sábio pelo google.
    E basta ler os fragmentos dos seus discursos e argumentos que deu em todas as negociações do PEC IV e respostas a jornalistas ( ver o livro ‘Entoicados’) do Dinis bandalho da direita para se ter uma medida rápida e certeira das suas qualidades de estadista ímpar,
    Porque razão nenhum jornal, nem o “cm” que o acusa de tudo e mais alguma coisa, se serve dos seus discursos, entrevistas, respostas ou declarações enquanto governante para suportar as acusações que lhe imputam e, pelo contrário, apenas usam o seu próprio palavreado tirado de suas imaginações dementes?
    Todo o homem fora do seu tempo mete medo aos homens da vulgata dominante e aos medíocres torna-se insuportável alguém que lhes prova constantemente a sua, deles, mediocridade.

  6. Brilhante texto VALUPI.
    O Homem correctamente avaliado.
    Indestrutível.
    Livre.
    Inteiro.
    O poder de ser Ele.

  7. O que o pseudónimo aparelhista diz acerca do impostor não é nada que já não se soubesse. De facto, o culto da personalidade do trafulha por parte da carneirada acéfala é algo que já atingiu níveis patológicos, chegando ao ponto de considerar que o oportunista é uma espécie de super-homem nietzschiano que está para além do bem e do mal, do dever social, dos compromissos políticos ou da fidelidade a quaisquer princípios ideológicos.
    Esta adoração religiosa e neurótica por parte do pseudónimo aparelhista e da carneirada é simples de explicar: é o resultado da política-espectáculo, da política concebida como uma campanha publicitária em que o que interessa é vender sabonetes, e em que a imagem é mais importante do que qualquer projecto político. No que ao trafulha em causa diz respeito, este sempre foi visto pela carneirada como um “animal feroz” capaz de resistir a todas as “calúnias” dos invejosos e como alguém “moderno” e “reformista” determinado a combater a mediocridade dos portugueses.
    Um homem só com qualidades, brilhante e um exemplo a seguir para quem quer ser bem-sucedido na vida, portanto, como a sua riqueza escondida mas amoralmente exibida é a demonstração disso mesmo. A feminista e cornuda Câncio que o diga…

  8. Tinhas mais interesse quando batias nos comunistas e defendidas os católicos, mas os anos passam e o cérebro sofre transformações. O Pacheco Pereira que o diga. Vou tentar ser amoral nas minhas acções :D

  9. ’tou-me nas tintas para os outros moralistas de moral duvidosa a que apelido de tugas merdosos, políticamente nerds ultrapassados, gente xéxé que espuma pelos cantos da boca como o exm Cavaco da bomba de gasolina de Boliqueime. De lá nunca saiu, sempre foi aquilo mesmo: um tipo nascido e criado na “província” , provinciano nos discursos e nitidamente vingativo, pleno de ameaças veladas e paxeiradas.

    Sócrates caga-se para isso tudo, para aqueles que se cagam para ele e tão mal dizem. Não sabem o que é a sofisticação amoral . É algo que o tuga merdoso nunca compreenderá. Nunca entenderá. Assim sendo, para quê criticar? O homem está acima, muito acima da classe política merdosa e dos jornalistas e comentadores, gente comprada pelo regime vigente, ou pelas mafias dos conselhos de estado jornalísticos: aqueles que mascaram a censura com a liberdade de expressão. Liberdade de expressão essa que , literalmente, os obriga a espalhar as Fake News. Mais amoral que isso não há.
    Ora tenham dó….poupem a minha inteligência.

  10. Valupi,
    De repente lembrei-me de Maradona que encaixa, perfeitamente, na tua definição de amoral
    Ora, Maradona tem a Igreja Maradoniana e Sócrates, também, a deveria ter, a Igreja Socratina.
    “Sócrates é o nosso Deus e Valupi é o seu profeta”

  11. Deixa a moralidade, a imoralidade e a amoralidade em paz, que não te fizeram mal nenhum e que não merecem suportar esta carga arrogante de pura ignorância (não ha uma unica frase que faça sentido no teu post, tirando o habitual lacrimejar sobre o destino do pobre do Socrates), ao serviço de mais um frete de reles mercenario.

    Boas

  12. Sócrates não é “um homem sem qualidades”, pelo contrário, é um homem com bastantes adjetivos. Sócrates é! Ponto.
    Bora lá rever o conceito de normalidade.

  13. Outra modalidade:
    Um tipo não pode viver da “bondade” de um amigo de infância…
    (haja decência! E eu não sou nada moralista, não gosto é de hipocrisia)
    a verdadeira anonima

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *