«Não faço ideia do que é que José Sócrates vai dizer amanhã mas sei o que é que durante estes anos todos tem feito. Tem tido uma estratégia dupla de, por um lado, atrasar o normal curso do julgamento e depois queixar-se de que tudo isto está a demorar muito e não é normal que demore muito. [...] O País saiu sempre mal deste tipo de suspeitas que não são investigadas e que não são completamente clarificadas. Portanto, espero mesmo — quer dizer, tomara, oxalá — chegue a julgamento. [...] É importante do ponto de vista da democracia que as coisas sigam o seu curso normal, isso é absolutamente essencial. Porque, de facto, foi muito danoso para o País, e continua a ser, e há fenómenos de percepção de corrupção, e há fenómenos de deliquescência do regime democrático, que têm uma causa bastante próxima em tudo o que aconteceu com José Sócrates. Portanto, para nós todos, enquanto País, é importante que vão a julgamento os alegados crimes de José Sócrates.»
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Rui Tavares é uma das mais salubres personalidades que habitam no nosso espaço político. Transmite racionalidade, decência e um idealismo íntegro adentro dos valores que moldam a civilização onde queremos viver. Talvez essas características se expliquem, em parte fundante, por ser historiador. Terá uma natural aversão à verborreia e à banha-da-cobra típicas da direita decadente, assim como às cassetes da esquerda pura e verdadeira. Abomina a retórica da violência. Podia, depois do seu ciclo Louçã, ser um natural militante e quadro do PS, mas nesse ecossistema a concorrência seria muito maior e teria de fazer política interna partindo de uma posição inferior e desfavorável. Optou por fazer política completa, a sua legítima ambição, num pequeníssimo território onde pudesse começar por cima, ser rei, a plataforma que viria a ser o LIVRE.
Ora, de uma figura tão prendada em História, especialmente a de Portugal, a qual tem um compromisso de honra com a liberdade e a democracia, muito há a esperar calhando opinar sobre a Operação Marquês. Este processo amalgama dimensões judiciais, políticas e sociais que têm dimensão histórica incontornável. Embora não o tenha transcrito, é significativo do seu perfil intelectual ter referido, no comentário para que a citação acima remete, os casos de Afonso Costa e do Marquês de Pombal, acerca do primeiro até dando um pormenor curioso que faz paralelo geográfico com a detenção e prisão de Sócrates. Portanto, numa intervenção de dois minutos, o Rui teve despacho mental para ir até à I República e ao século XVIII, muito bem. E quanto ao século XXI, que tinha para nos dizer?
Como se pode ler e ouvir, voltamos a levar com uma diabolização do cidadão José Sócrates, de novo apresentado na comunicação social por alguém com responsabilidades políticas e cívicas como tendo uma estratégia para “atrasar o normal curso do julgamento”, a partir da qual monta um espectáculo de vitimização, acrescenta. Isto, se mais nada dissesse, já chegava para afundar Rui Tavares num poço sem fundo de descrédito moral, pois apenas com má-fé se pode ser tão enviesado e deturpador. Só que há mais no que disse, e bem pior. Ao carimbar como “curso normal” a necessidade de se chegar a julgamento, o Sr. Tavares alista-se na trupe de celebridades mediáticas que fazem campanha aberta contra o Estado de direito e a Constituição. A implicação directa, inevitável, do que diz é a de se considerar anormal que Sócrates se reclame inocente e se queira defender com todos os recursos que as leis põem à disposição de todos os cidadãos.
Para Rui Tavares, a “deliquescência do regime democrático” está a nascer do que “aconteceu com José Sócrates”, com isso referindo-se aos seus “alegados crimes”. Já o que se passou na forma como foi investigado, na forma como foi detido, na forma como foi preso, na forma como o MP andou a saltar de suspeita em suspeita para acabar em nada, na forma como foi vítima de crimes perpetrados por agentes da Justiça e jornalistas, na forma como ele e outros que com ele tinham relações políticas e sociais foram e continuam a ser alvo de assassinatos de caráter e calúnias na comunicação social e no palco político, isso não lhe merece uma caloria de atenção. Donde, não considera esses fenómenos como atentatórios, sequer algo negativos, para o regime democrático. Bonito.
Apetrechado como está com os instrumentos metodológicos com que faz a sua investigação histórica, não conseguiria explicar, em Dezembro de 2024, qual foi o crime de corrupção alegadamente cometido por Sócrates enquanto primeiro-ministro que lhe deu 30 milhões de euros a ganhar. Se questionado a respeito, refugiava-se em tábuas e diria que não era nem procurador nem advogado do acusado, os juízes que resolvessem isso. Apenas lhe interessa ver Sócrates num tribunal, lava as mãos para tudo o resto desse caso.
O que me leva à seguinte conclusão: sempre achei que esta pessoa era das melhores do País na defesa da cidade, daí lhe ter dado o meu voto várias vezes, mas descubro agora que não quero viver no país do Rui Tavares.
a velinha diária a são zezito ?
já deste entrada com o processo de beatificação oficial?
«Rui Tavares … transmite racionalidade, decência e um idealismo íntegro.»
Também gosto do Tavares, é fácil gostar dele, mas não é só isso que ele transmite: é daqueles pífios moderados que só mudam as moscas, ou nem isso, e no final do dia mais um chuleco que vive de tachos. Porque é isso que está em causa – tacho. Por muito que ele sugira o contrário, ‘não preciso disto, etc.’, ensinar e escrever livros de história não lhe dava a vidinha que a política dá.
O volupi explica-o bem – “Podia … ser um natural militante e quadro do PS, mas nesse ecossistema a concorrência seria muito maior”. Pois é: muito mais chulos à cata de tacho. Como a Dona Portas e outros perceberam há muito, vale mais ser um peixe grande num aquário pequeno.
Quero, além disso, acreditar que o Tavares é demasiado íntegro, como diz o volupi, para o ‘ecossistema’ sucateiro do PS. Não se ia sentir bem naquela máfia. Daí as verdades, aliás banais, que diz do 44 e que o afastam do coração partido do volupi. Deve ser duro sofrer tantas desilusões.
Desde o seu apoio descarado à destruição da Líbia, Rui Tavares nunca mais me enganou.