Não se faça Justiça, desta

O ignatz chamou a atenção para este vídeo, e estamos mesmo perante 4 minutos imperdíveis. Só lamento não estar disponibilizado o resto do debate (se alguém souber onde, mesmo que apenas em áudio, é avisar).

Apanhamos o paleio com António Ventinhas a repetir a sua cassete alinhada com o populismo do tempo: os criminosos de colarinho branco (isto é, os ricos e os políticos – as “elites”, donde ele finge estar excluído) dominam a comunicação social e daí disferem contínuos ataques contra a Justiça com a finalidade de deslegitimar as decisões tomadas contra eles e influenciar os juízes. Como quase sempre com esta personagem (a excepção sendo a Operação Marquês), não há qualquer informação concreta que permita aferir do que e de quem está a falar. Na ausência de factos, a intenção do seu discurso só pode ser a de espalhar uma teoria da conspiração onde os maus cercam os bons. Os maus passam a ser todos aqueles que questionem os procedimentos e decisões da Justiça portuguesa e os bons são todos aqueles que possam exibir um cartão de funcionários de alguma instituição policial e judicial, está a dizer-nos o Ventinhas armado em sério. O mesmo Ventinhas que não se importa de sugerir que há juízes influenciáveis pelo que aparece na comunicação social – caso não o fossem, ou os criminosos nem perderiam tempo a fazerem o que supostamente fazem ou este marmanjão não perderia tempo a mostrar-se preocupado com isso. Contradições e suspeições cabeludas que parece não interessarem a ninguém neste país de branda cidadania.

O presidente do Sindicato dos Magistrados já nos brindou recentemente com obscenas (espantosas?) violações ao que é um módico respeito pelo Estado de direito, pelo que não nos pode surpreender o seu sectarismo corporativista. Mas que dizer do que este vídeo igualmente mostra, agora pela boca da bastonária da Ordem dos Advogados? Ela recorda que foi alvo de um inquérito pela Procuradoria-Geral da República simplesmente por ter afirmado publicamente que há magistrados a cometerem o crime de violação do segredo de Justiça. E mais detalha que nesse âmbito entregou 1500 documentos às autoridades, onde se incluía um auto judicial publicado na íntegra por um órgão da comunicação social quando ainda nem sequer havia advogados de Sócrates constituídos no processo da Operação Marquês. Esse inquérito foi arquivado em 10 dias, o interesse do Ministério Público para explicar e/ou investigar os factos documentados por Elina Fraga nenhum, conclui-se.

Se há agentes de Justiça, provavelmente também magistrados ou ainda mais provavelmente só magistrados, que cometem crimes de violação do segredo de Justiça em processos de máxima exposição mediática, gravíssima perturbação política e generalizado alarme social como este onde um ex-primeiro-ministro está constituído arguido por suspeitas de corrupção e em que já esteve preso preventivamente perto de um ano, decorre como corolário que não haverá qualquer limite para os crimes que os mesmos, ou outros, poderão cometer em processos que passam invisíveis aos olhos da imprensa e da opinião pública. Porque se há algo que já aprendemos com estas práticas criminosas é a de que elas estão blindadas ao ponto de até terem propagandistas que apelam ao abandono da sua investigação e punição. Sempre que alguém, como o nosso Ventinhas, aparece a culpar só os arguidos e advogados pelas violações ao segredo de Justiça, apagando os casos em que tal é pura e simplesmente impossível ou improvável e até ilógico, podemos ter a certeza de estarmos perante alguém assumidamente cúmplice dessa prática criminosa.

Se existe violação do segredo de Justiça por parte de agentes de Justiça, tenham eles o papel que tiverem nas instituições judiciais, então existem criminosos com acesso directo e secreto a processos judiciais e, quiçá, ao aparelho policial. Escusamos de perder uma caloria a descrever o perigo que tal configura e a factual falência do Estado de direito que daí decorre. Passemos para a pergunta seguinte: como explicar a passividade do sistema partidário, do Parlamento e da Presidência da República face aos crimes que são públicos e sistemáticos ano após ano? Encontrar uma explicação obriga-nos a falar da maior vítima do fenómeno, Sócrates. Do lado do PSD, CDS e Cavaco quando em Belém, constata-se o completo aproveitamento dos crimes para obter ganhos políticos. Como se consideram protegidos pelos criminosos, esta direita decadente não tem qualquer interesse em alterar o statu quo. Do lado do PCP e do BE constata-se uma situação análoga. Consideram-se protegidos, embora por outras razões, e igualmente obtêm um aproveitamento político de tudo o que prejudique o PS. Junta-se a este oportunismo larvar a cegueira ideológica onde não cabe uma paixão idealista, ou que fosse meramente cívica, pelo Estado de direito. O “patriotismo” e a defesa da “Constituição” que os comunistas agitam em bandeiras cheias de buracos convivem na perfeição com aqueles que degradam os pilares da comunidade desde que o alvo sejam socialistas. Resta o PS, o principal pilar político do regime.

Os socialistas estão desde 2002, com o processo Casa Pia, sob fogo constante da Justiça. Talvez porque o PS seja uma agremiação de criminosos, é hipótese a considerar. Ou talvez porque haja quem tente judicializar a política, tantos os ganhos que se obtêm recorrendo a essas difamações e calúnias qualificadas. O certo é que nesse partido não existe um discurso sobre a Justiça que aponte no caminho da sua democratização e responsabilização. Não sabemos sequer como avaliar o trabalho dos agentes de Justiça, estão intocáveis e soberbos na sua torre de marfim. Com explicar tamanha passividade, e passividade apesar dos quase 15 anos de ataques envolvendo magistrados? A resposta mais óbvia, porque mais fácil, é esta: medo. Os políticos terão medo da Justiça, precisamente por causa do que ela mostra ser capaz de fazer ao escutar não se sabe quem e ao passar a certos jornalistas (pelo menos a jornalistas, embora pelas mesmas razões, e até melhores, poderão dá-las ou vendê-las a políticos adversários) essas informações assim captadas. Medo também da abertura de investigações judiciais politicamente motivadas, como na tentativa em Aveiro de abrir um processo contra Sócrates sobre um suposto atentado ao Estado de direito que era pura invenção para tentar influenciar as eleições de 2009. Mas é também de supor que mesmo dentro do PS haja quem se aproveite da anomia na Justiça para tentar obter ganhos políticos internos. Por exemplo, Ana Gomes tem sugerido que o processo Casa Pia nasceu dentro do PS no âmbito de uma disputa de poder ao tempo (pista: Sócrates), assim absolvendo os magistrados envolvidos de quaisquer manchas processuais. Seguro, na sua campanha para secretário-geral do PS, estava muito entusiasmado com a perspectiva de ir limpar o partido da corrupção entranhada que ele conhecia de ginjeira (embora nunca tenha apresentado prova fosse do que fosse de ilegal) e que já era do domínio público graças às edições diárias do esgoto a céu aberto. E mesmo Costa pode ser visto como um líder interessado em ver Sócrates definitivamente enterrado, para assim anular um potencial foco de concorrência política, daí nada ter feito na sua defesa como inocente até prova em contrário e inclusive tendo-lhe martelado uns pregos no caixão. A terem estas considerações algum solo a que se agarrarem, poderíamos concluir admitindo que o problema da criminalidade na Justiça portuguesa começa pelo crime da falta de justiça nas lideranças partidárias.

11 thoughts on “Não se faça Justiça, desta”

  1. Há muito tempo que está diagnosticado que, o maior entrave ao desenvolvimento
    do País está no funcionamento da Justiça, lento e nem sempre ajustado!
    Não tem sido feita uma avaliação séria e independente ao desempenho dos Juízes
    e dos Procuradores, onde como acontece na Sociedade há bons e maus! Na carrei-
    ra Judicial o recrutamento devia ser feito junto de candidatos com experiência de
    vida pois, no CEJ desde que se soube do copianço a credibilidade ficou ferida!|
    A reforma do sistema Judicial é um problema de ordem política logo, terão que ser
    os políticos a resolver a situação, acabando com o ainda existente corporativismo
    em que se escondem as ovelhas negras!!!

  2. Reclamem ao Costa que ele tem solução para tudo, até para os problemas do PS.
    Com o Costa até a justiça funciona.
    Agora ninguém reclama só mesmo esta aspirina…porra!

  3. Ajudem-me! Conhecem entidade que melhor possa defender os mais fracos contra os desmandos dos poderosos além da Justiça? Falo de meios legais,não de Kalashnycovs,obviamente. .. A ser como digo teremos o maior interesse em que a Justiça atinja a maior perfeição . Por vezes parece haver quem não entenda qual é, definitivamente,o papel da Justiça: cumprir e fazer cumprir a Lei!

  4. Ouve Enapa! Se fosses obrigado a pôr o teu nome debaixo de que debitas por aqui continuavas a dizer o que dizes?
    Quanto ao que diz a bastonária, lembro a passagem bíblica que alerta para aqueles que mais facilmente vêem o agreiro no olho do outro que uma trave no próprio.

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