12 thoughts on “Meninos escravos do Gana”

  1. COISAS DA VELHA DO ARCO – ALGUÉM VIU A FILOMENA?
    Sou oriundo de uma família que nas décadas 50 e 60, também vivia o mesmo drama. É evidente que nessas décadas era mais difícil, o País vivia numa ditadura e pertencia a meia dúzia de feudais. Acabei a quarta classe no dia 11-07-1960 e passados oito dias tive de me sujeitar a ir trabalhar para uma fábrica de móveis. O meu pai já ali era funcionário, a minha mãe tinha sido criada de servir de um dos seus sócios. Fui ganhar dez tostões por dia, trabalhava-se de segunda-feira a sábado o que fazia seis dias de trabalho por semana e vinte e quatro no mês. Recebia catorze escudos por quinzena. Hoje quem não está familiarizado com esses tempos ironiza pelo valor. Mas era melhor este ganho, além de ajudar os meus pais, aprendia um ofício e não andava na brincadeira e a fazer asneiras. Nessa altura éramos cinco irmãos, hoje somos dez, com uma diferença de dois anos entre cada um. Acima de mim tinha uma irmã que quando acabou os estudos teve de ir para criada de servir, além do que ia ganhar era menos uma boca a comer.
    Eu e a minha irmã éramos uns alunos de média alta, mas tivemos que nos sujeitar com a triste miséria da altura, julgo que se fosse hoje e com as condições que o Ministério da Educação proporciona éramos doutores. De qualquer maneira não me sinto revoltado, sempre lutei por melhores condições de vida, e sempre auferi um bom ordenado, comparado a certos doutores. O que mais me entristece é que não pude seguir uma carreira nos estudos e hoje sinto dificuldades em exprimir-me ao escrever um texto como acontece com este.
    Os meus elogios ao seu post e espero que o nome seja sempre de Filomena e não de «madalena» como muitas que por ai andam. Envio-lhe uns versos de autoria do Rodela, que em parte condiz um pouco com a sua história, quando se refere que não sabe o que é feito dela.

    Marias da nossa terra,
    Criadas da burguesia,
    Flores nascidas da serra,
    Escravas do dia-a-dia.

    Com aroma de giestas
    Nos rostos acriançados,
    Galifões abusam destas
    P´ra passar uns bons bocados.

    E depois p´rás despedir
    De tudo se vão servir,
    Até de serem roubados.

    As moças abandonadas
    E ainda difamadas
    Seguem caminhos errados.

  2. Valupi:

    É muito importante esta divulgação que fazes no Aspirina da petição «Eu não sou Cúmplice!»

    Sabia que o teu coração e a tua formação moral não iam deixar passar em claro este assunto. A petição começou apenas há dois dias e não só pela Internet. Os resultados parecem significativos.

    Não temos ilusões. Não vamos mudar o Mundo. Não vamos fazer com que a crueldade exercida sobre as crianças tenha um fim – no caso do Gana um genocídio. Mas vamos fazer barulho, vamos protestar, assinar o nosso nome num manifesto de amor e de repúdio. Os portugueses, tal como tu, têm coração.

    Obrigada em nome das crianças escravas do lago Volta no Gana.

    A reportagem da Alexandra Borges pode ser vista no site http://www.tvi24.pt

  3. Manuel Pacheco:

    Não quis juntar ao comentário que fiz ao Valupi as palavras que lhe dedico a si.
    A minha crónica «Alguém viu a Filomena?» é real. E basta ler o seu comentário, tão sincero face à sua própria vida, para saber que não se trata de ficção.

    Diz «…hoje sinto dificuldades em exprimir-me ao escrever um texto como acontece com este.» Discordo. A simplicidade da sua escrita, no relato dos (seus) factos é bem merecedora do nosso aplauso, caro Manuel Pacheco. Pela verdade de que nem todos têm conhecimento nem foram protagonistas.

    Os versos que me envia assentam bem nas muitas «Filomenas» que por aí há.
    Bom seria que à «minha Filomena» lhe tenha o destino reservado ser «Criada da burguesia». Há coisas ainda piores para uma menina daquela idade…

    Abraço grato.

  4. Manuel Pacheco:
    “O que mais me entristece é que não pude seguir uma carreira nos estudos e hoje sinto dificuldades em exprimir-me ao escrever um texto como acontece com este”.

    ja quisseram muitos doutores exprimir-se como você, eu leio sempre os seus posts porque disfruto o lê-los, e isso é o melhor louvor para um escritor.

  5. Reis
    Só hoje é que vim ao Aspirina e vi o seu comentário. Agradeço as palavras, esta é a minha forma de vida. Passar de um blogue para outro, assimilar o que de melhor há e responder com o que para mim é o melhor da vida: a sinceridade.

  6. Soledade
    Quando relatei casos da minha infância é com o intuito de alertar a juventude que aqui passa pelo Aspirina – se é que passa, hoje não estão para ai virados, compreendo-os – de quanto podem estar agradecidos à Democracia. Tenho vários posts escritos no Aspirina e falam dessa minha infância assim como da minha vida profissional e militar (guerra colonial) era uma vida difícil. Espero o melhor para a Filomena. Mas sabemos que temos que lidar com o factor familiar, do local onde vivemos e de alguma sorte que para isto também tem de se ter.
    A maior parte da minha vida profissional foi lidar com os rejeitados pela sociedade (presos) e pude ver o quanto esta também é responsável. Não é que os esteja a defender, estou a compreendê-los, se eu fosse gerado e criado como a maior parte deles não sei se o meu futuro seria igual. Quantos conheci que eram concebidos fruto da prostituição, que nunca tiveram um carinho do pai ou da mãe, criados ao deus dará, que não sabiam distinguir o bem do mal.
    Vou relatar factos comparados à Filomena, para isso vou falar do João. O João era uma de oito crianças, que viviam com as mães na Cadeia Feminina de Felgueiras. Todas vivaças e irrequietas como é normal nas crianças, mas o João além de ser a única do sexo masculino tinha uma maneira de ser especial. Saia à sua mãe, de seu nome Irene e de raça cigana, mas uma cigana diferente da maioria. Educada, não era dada a intrigas, e uma paz de alma, mulher com os seus trinta anos no máximo, isto no ano de 1992. Quando para ali fui prestar serviço o João era um acriança de colo, começou a andar tarde, apanágio das crianças do sexo masculino. Não sei se nasceu na Cadeia ou se quando a sua mãe foi presa já era nascido. Quando aprendeu a andar corria a Cadeia toda. Não havia um único dia que não viesse à portaria da Cadeia cumprimentar os guardas do sexo masculino – estavam interditos de entrar no sector prisional só em casos de extrema necessidade – e ao meu gabinete para nos cumprimentar de mãozada. Era a sua forma de ser não era mandado pela mãe para efeitos de escovice. Não precisava de usar este estratagema para beneficiar da flexibilidade da pena, a Irene era merecedora derivado aos atributos acima referidos e que veio a beneficiar depois de cumpridas as formalidades.
    Em 1996 fui transferido para a Cadeia de Paços de Ferreira e ali também fiquei a conhecer o pai do João. Era uma pessoa cordata igual à Irene, aqui o provérbio entra às mil maravilhas. Quando se faz a panela também se faz o testo. Passados uns tempos a Irene beneficiou da liberdade condicional e passou a ir todos os domingos a ir visitar o seu marido e levava sempre o João consigo. Este parecia que adivinhava os meus dias de serviço porque ia sempre me dar a referida mãozada, estava na portaria da cadeia a controlar o serviço.
    Hoje não sei o que é feito do João, deve ter dezoito a vinte anos. Não sei se anda a vender artigos pelas feiras, se anda a vender droga, se faz parte de qualquer gangue ou se está preso em qualquer cadeia. Pela maneira de ser julgo que não, não auguro nada disto, pelo contrário, desejo-lhe o que há de melhor no mundo para ele assim como para as restantes sete crianças que com ele conviveu.

  7. Atenção, corre por aí nos jornais, nos blogs, mas chancelarias e nos colóquios internacionais de africanistas que o Gana é um país exemplar. É claro que nunca ninguém se deu à maçada de verdadeiramente explicar porquê. Toda a gente se contenta com o facto do penúltimo presidente (John Kufuor) não ter alterado a constituição para poder candidatar-se a um terceiro mandato!

  8. Bora lá, sinhã, que o tempo aqui no Algarve está óptimo. Já o mesmo não se pode dizer no Gana – particularmente no lago Volta…Contamos com o seu mergulho!

  9. «Hoje não sei o que é feito do João», escrevo o Manuel Pacheco. Realmente, a Filomena não é a única.

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