Inutilidade, sim; inútil, não

José Sócrates afirmou que o acordo não prevê despedimentos nem cortes nos salários da função pública.

“O acordo que o Governo conseguiu não mexe no 13º mês, nem no 14º mês, nem os substitui por nenhum título de poupança. Não mexe no 13º mês, nem no 14º mês dos reformados”, assegurou.

O chefe do Governo anunciou ainda que não haverá mais cortes nos salários da função pública, nem redução do salário mínimo nacional. E garantiu que o acordo alcançado com a “troika” europeia prevê expressamente o aumento das pensões mínimas, sendo apenas previsíveis alterações nas pensões que têm um valor superior a 1500 euros.

“Depois de tantas notícias especulativas publicadas pela imprensa, o meu primeiro dever é tranquilizar os portugueses”, disse, antes de se referir à evolução das pensões nos próximos anos.

Fonte

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O economista Eduardo Catroga afirmou hoje que o PSD terá autonomia, se for Governo, para substituir eventuais “medidas penalizadoras para os portugueses” do programa de ajuda externa a Portugal por outras que cumpram os mesmos objetivos.

Eduardo Catroga afirmou ainda que a negociação do programa de ajuda externa a Portugal “foi essencialmente influenciada” pelo PSD e resultou em medidas melhores e que vão mais fundo do que o chamado PEC IV. Eduardo Catroga considerou que a revisão da trajetória do défice foi uma “grande vitória” dos sociais-democratas.

Fonte

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Isto não custa a entender. A partir do momento em que o PS aceitava formar um Governo minoritário, o PSD ficava dono do calendário para o seu derrube, sabendo-se que BE e PCP seriam cúmplices entusiasmados dessa futura golpada. Existiam dois eventos principais a condicionar a decisão: as eleições no PSD e as eleições presidenciais. Contudo, ganhasse quem ganhasse o PSD, o Governo socialista estaria fadado para cair a seguir à previsível reeleição de Cavaco. Até lá havia só que continuar a repetir que os problemas de Portugal não tinham qualquer relação com a crise mundial nem com a crise europeia, antes resultavam do carácter maligno de um homem e da irresponsabilidade e loucura de um partido. Esta estratégia, começada inorganicamente em meados de 2007 e assumida em pleno assim que a Manela ganha em 2008, foi uma batalha de vida ou de morte para a oligarquia. Nunca se tinha assistido, nos últimos 35 anos, a tanto ódio e a tanta violência institucional ao serviço de agendas políticas.

Quando ficou claro que a Alemanha não iria resolver o problema das dívidas soberanas na Zona Euro através dos mecanismos europeus, antes aproveitando a ocasião para forçar uma reestruturação económica nos países sob pressão dos mercados, algumas vozes alertaram para o tremendo erro que seria imitar a Grécia e a Irlanda. Especialmente no caso da Grécia, nos princípios de 2011 já era claro que a troika não era parte da solução, antes parte de um novo e maior problema. Contudo, para a direita portuguesa a ocasião era imperdível: ver o FMI a aterrar na Portela seria o cenário ideal para uma vitória eleitoral, para um ataque radical ao Estado Social a coberto da situação de emergência e ainda para uma vingança sobre um adversário que sentiram e trataram como inimigo figadal. Uma das vozes que deixou preto no branco o que estava em causa foi precisamente a de Sócrates, o tal super-mentiroso, o tal que estava ao serviço dos interesses do grande capital.

Como as citações acima recordam, os portugueses foram votar em 5 de Junho de 2011 depois de ouvirem durante meses promessas inequívocas a respeito das intenções do PSD. Eram elas as de evitar mais sacrifícios, pedido solene de Sua Excelência o Presidente da República aquando do comício da tomada de posse. A economia seria finalmente libertada, a credibilidade do País recuperada, as gorduras abatidas. Passos comandaria a revolução com a sua sobre-humana apetência para dizer a verdade aos indígenas. Os alertas dos mentirosos dos socialistas não passavam de disparates. Até os mercados bateriam palmas de felicidade quando fossem à janela e vissem um imenso laranjal neste jardim à beira-mar abandalhado e em breve nos estariam a pedir para receber o seu dinheiro praticamente a custo zero.

À luz do que revelam as sondagens e o estado da oposição, contar e recontar esta história – onde aqueles que reduziam a política à acusação de os outros estarem a mentir foram os que mais nos enganaram e traíram – pode ser uma inutilidade. Todavia, mais vale ocupar o nosso tempo com inutilidades do que ocuparmos o nosso espaço como inúteis.

17 thoughts on “Inutilidade, sim; inútil, não”

  1. Val, parabens pelo post.Temos que fazer um novo abril.para já temos que evitar o silenciamento “democratico” de uma televisão que abril nos trouxe e livra-la de todos os canalhas que lá andam ao serviço de uma direita revanchista,cuja politica e a calunia sao irmas de leite. aproveitemos a rua e todos os outros palcos, para mostrarmos a nossa indignaçao.calar, é meio caminho andado, para uma vida sem o minimo dignidade, para a maioria dos portugueses.

  2. Mais do que em simples mentiras, o actual poder assenta na aliança do golpismo compulsivo da direita e do Cavaco com a atracção pelo abismo de comunistas e bloquistas. Nos resultados, não se anda muito longe do tal “compromisso histórico” patológico que em 2010 brotou das meninges do Alberto João e que consistia exactamente num acordo da direita com a extrema esquerda para “correr com os socialistas do poder” e “libertar Portugal do PS”. A diferença é que não foi necessário negociar nem (que se saiba) prometer nada em troca ao PCP e ao BE: eles são tão estúpidos que aderiram em regime de voluntariado benévolo.

  3. “Isto não custa a entender”

    Pois não, o que custa a entender é que o PS tenha continuado a entender-se com o PSD, em vez de procurar entendimentos à esquerda.

  4. Nas “análises” do Valupi nunca é tomada em conta a variável do voto.
    Tanto quanto se saiba, houve eleições em 2011 e os votantes (mal ou bem) deram a vitória à direita. Também lamento, mas foi assim. Se o governo do PS era tão bom, porque é que os portugueses votaram no PSD? Essa é a pergunta fundamental.
    Mais do que estar sempre a arranjar inimigos internos, a esquerda deve tentar perceber porque é que estas coisas acontecem repetidamente, em vez de continuar a lamentar-se, como Calimero.

  5. “… o que custa a entender é que o PS tenha continuado a entender-se com o PSD, em vez de procurar entendimentos à esquerda.”

    foi a forma de se manterem no governo em coligação secreta com o psd e cds, votaram contra o pec 4 e encenaram a demissão, toda a esquerda certificada sabe que é o partido socialista que governa sentado no banco de trás, de janela aberta e a fumar d’abano. o relbas é adereço folclórico pra distrair o maralhal, entretanto o gaspar e o coelho foram no combóio com o pai natal ao circo. chamam-se fantasias dédé natal e eram fabricadas pela regina.

    http://www.youtube.com/watch?v=QkBjuEq3-90

  6. tamém houve eleições em 2009 ganhas pelo ps cujo governo ficou a meio por boicote sistemático dos partidos da oposição psd, cds, be e pcp, campanhas de caracter contra o primeiro ministro e outros governantes, comunicação social, corporações, perseguições policiais e escutas orquestradas por belém fizeram o que não conseguiram fazer anteriormente porque havia maioria. desta vez tamém não houve maioria, mas há coligação maioritária para poderem destruir o país à vontade e sem ter de dar satisfações a ninguém, coisa que os idiotas associados à queda do governo anterior ainda não perceberam e que afligem o mota.

  7. Os votantes foram enganados, ponto!
    Os mais crédulos acreditraram que quem fosse para o governo lhes ía dar o paraíso, os que apenas pensavam na sua vidinha, acreditaram nos sindicalistas ditos de esquerda que arremetiam como touro em tarde de “faena”, os desconfiados esqueceram-se de votar, os restantes fizeram-no por interesse e/ou convicção.

    P.S.: Já me esquecia dos oportunistas, que como melancias, pareciam verdes por fora…, e há sempre quem pense que verde é a cor da esperança…

  8. Ignatz,

    Eu não estou aflito. Quem parece estar aflito é o Valupi e todos os que com ele comungam da tese maniqueista “PS contra o resto do Mundo”. Mesmo dando de barato que a “oposição”, de Cavaco, PSD, CDS, Jerónimo e Louçã (não necessariamente por esta ordem) tiveram culpas no derrube de Sócrates, a verdade é que quem o derrotou foram os eleitores. Não uma, mas duas vezes (em 2009, ao tirar-lhe a maioria e, em 2011, pondo lá o PSD/CDS).
    É mau? É. Mas, é o que há e agora a esquerda (toda) tem de fazer melhor o trabalho de casa, senão corre o risco de ficar na oposição, não quatro, mas oito anos. Este é dilema e não vale a pena continuar a chorar sobre o leite derramado. A menos que consideremos os portugueses um povo de parvos. Nesse caso, só vejo uma solução: mude-se o povo!

  9. rui mota, creio que estás a confundir a beira da estrada com a estrada da Beira. Ninguém põe em causa a legitimidade do voto, apenas se recupera as condições em que esse voto foi exercido, e as condições em que os representantes desse voto exerceram a sua legitimidade.

    Os eleitores não decidem sobre coligações governamentais ou parlamentares que não estão a ser sufragadas, apenas delegam nos partidos votados o poder para as fazer ou recusar. Se para ti a recordação do passado já cansa ou é uma inutilidade, assim abdicando dessas lições, só espero que nos dês exemplos de como não és igualmente um inútil.

  10. Valupi,

    As condições em que o voto é exercido em Portugal dão uma tese de doutoramento. Que comportamento esperar de um povo que, durante décadas, não teve acesso à mais elementar instrução, vivia em condições deploráveis e era obrigado a emigrar, para poder viver com alguma dignidade democrática e material?
    Para quem não sabe, devo lembrar que em 1910 (aquando da implementação da República) 75% da população portuguesa ainda era analfabeta estrutural, quando toda a Europa do Norte (Escandinávia, Alemanha e Holanda) já tinha taxas de alfabetização da ordem dos 99% e o sufrágio era universal.
    Estas coisas não se erradicam em duas ou três gerações e ainda hoje estamos a pagar essa factura. Há, aliás, quem sustente (Oliveira Martins, Vitor Magalhães Godinho, José Gil) que o mal já vem de longe, provavelmente da Inquisição…
    O 25 de Abril melhorou, e muito, esta situação, mas ainda hoje a taxa de analfabetismo estrutural ronda os 8% e o analfabetismo funcional, 40%. As maiores taxas da União Europeia. Junte-se a estes indicadores, uma cultura de medo e subserviência, interiorizadas durante décadas, senão séculos, e começamos a compreender melhor a dimensão do problema.
    Depois, há ainda outro factor, não desprezível. Onde há miséria (material e moral) e medo, há patrocinato e clientelismo: eu ajudo-te, mas tens de me dar algo em troca.
    Ou, trocando em votos: se votares em mim, arranjo-te um emprego lá na câmara…
    Quantos mais votos mais favores e, quanto mais favores, mais dependência. Esta é a história de todas as distritais, concelhias e aparelhos partidários: dos “J” aos ministérios.
    Num país onde a cultura política é fortemente personalizada, a demagogia e o caciquismo ganham à consciência política e à ideologia.
    Isto é válido para todos os partidos, à esquerda e à direita, e não vale a pena meter a cabeça na areia.
    Logo, quando há eleições, as leis são “iguais” para todos, ainda que saibamos que uns têm meios que outros não possuem: comunicação social, jornalistas mansos e dinheiro (muito dinheiro!) que compra as consciências mais empedernidas. Ora, como todos os homens têm um “preço”, tanto faz ser o Sócrates, como o Passos, o pessoal quer é melhorar a vidinha, mesmo que, para isso, tenha de esquecer a ética (partindo do princípio que sabe o que isso é) e mandar as convicções às urtigas. É assim na maioria dos países e um pouco pior em país mais pobres e desiguais. Como Portugal.
    Por esta altura, já devias saber que as eleições não se ganham, mas perdem-se. É uma verdade de La Palisse, mas faz algum sentido. Da mesma forma que “em equipa que ganha não se mexe”, também os eleitores (a maioria deles) só vota noutro partido (ou líder) se não estiver satisfeito com o que tem. É humano.
    Portanto, já é tempo da esquerda (ou o que dela resta) fazer uma introspecção e ver o que correu mal, pois ninguém está isento de erros, a começar por quem teve mais tempo no poder e quatro anos de maioria absoluta, como é o caso do PS.
    Outra coisa: a democracia não se esgota no parlamentarismo. A democracia participativa tem muitas formas. Penso que as duas se completam. Que forma é que eu utilizo para não me sentir um inútil, só a mim diz respeito. Como deves compreender, não vou compartilhar a minha forma de intervenção com alguém que nem sequer assina com o seu nome próprio.

  11. jojoratazana, chama-lhe “jojoratazana”.
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    rui mota, fizeste um longo (e proveitoso, claro) périplo por alguns dos clichés com que se pinta o retrato de Portugal, mas não tocaste no assunto em discussão, o qual remetia para a situação política relativa às eleições legislativas de 2011. Se é tempo de a esquerda fazer uma introspecção, talvez seja, sei lá, mas sei que não sou eu a pessoa indicada para te ajudar nessa questão pois eu não represento a esquerda.

    No final, declaras que não compartilhas a tua “forma de intervenção com alguém que nem sequer assina com o seu nome próprio”. Ora, se nada tenho contra o teu pressuposto, pois há malucos para tudo, sou no entanto obrigado a constatar que não reparaste, ou não sabes, que “Valupi” é um nome e que esse nome é meu, posto que é o nome com que assino o que escrevo neste blogue. Sendo assim, face à tua dificuldade em saberes com quem dialogas, a nossa conversa fica acabada e não voltará a ser reatada.

  12. Porra Val, esqueceste-te da ratoeira outra vez e a bicha tornou a aparecer. Se há coisas que detesto são ratazanas e então vermelhuscas ….

  13. val com sangue nas guelras arrasa. Sem complacências perante a mediocridade. Bravo.
    A verdade é que nenhum dos opositores se atreveu a ir ao conteúdo e fulcro da questão- escarrapachado no post. Dói, pois é?

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