Ícaros

A exposição dos monitores dos deputados ao público e jornalistas nas galerias do Parlamento permite reflectir acerca do que tem acontecido com a publicação não autorizada das escutas relativas ao processo Face Oculta e seus desenvolvimentos. Muitos, à esquerda e à direita, foram os que logo utilizaram essas passagens para fazerem ataques políticos, ataques de carácter, piadinhas e arroubos de santidade. Assim, havendo coerência, os mesmos estarão ainda mais interessados em conhecer o que fazem os deputados nos seus computadores de bancada. E aplaudirão o jornalismo que fornecer essas informações, é inevitável.

Pensemos, então. Que capa faria o Sol com uma foto do monitor de um deputado do PS onde se visse que o seu browser estava num qualquer website de propaganda nazi? Se o tema não estivesse em discussão no hemiciclo, que estava ali a fazer o deputado? Será que, no fundo, tem simpatias hitlerianas? E não faria essa consulta parte do plano socrático para dominar a Terra durante mil anos?

Há ilimitadas razões para consultar uma qualquer informação que contenha símbolos e textos nazis sem que daí decorra que se é simpatizante nazi por o fazer, com é até ofensivo da inteligência alheia ter de o explicar, mas interessa-nos pensar na possibilidade daquela situação ter sido involuntária. De facto, o HTML permite ser levado não se sabe para onde. Basta seguir um qualquer link, o qual até pode ser intencionalmente enganoso. É fácil preparar uma armadilha e apanhar o ecrã do computador com qualquer tipo de informação visual e verbal. Daí até ao registo fotográfico, pode ser só uma questão de ângulo.

Uma vez apanhado o deputado, como se pode defender? Por um lado, há um dano irreversível, pois para sempre arrastaria a associação do seu nome ao nazismo. Mesmo que apenas ranhosos e imbecis utilizassem essa memória para caluniarem e difamarem, o prejuízo seria real. Por outro lado, a forma de limpar a suspeição talvez implicasse a exposição da sua privacidade, permitindo o acesso ao computador para uma peritagem. No final, alguém exigiria que se publicassem os resultados, dessa forma causando também danos no deputado vítima da armadilha.

Estou a usar um exemplo básico, o nazismo, mas pode ser qualquer outro que permita este tipo de exploração: drogas, sexo, armas, religião, violência, disparates, infantilidades. Qualquer tópico que seja passível de exploração como desonroso, imoral, melindroso, suspeitoso. E, aqui chegados, pensemos que cada um de nós pode ser vítima dessas exactas manobras. Quem aceitaria divulgar o que faz na Internet, ou o que fez há 5 ou 10 anos? Quem se sujeitaria a ter de justificar, fosse a quem fosse, cada um dos momentos que passou frente a um monitor?

A decadência do PSD, e o cavaquismo decadente, trouxe para a sociedade uma exaltação da violação da privacidade e do Estado de direito cujas consequências são desgraçadas e imprevisíveis. O que está a acontecer à volta do Face Oculta é inaudito.

23 thoughts on “Ícaros”

  1. É pá, em meu entender tens um uma forma geral razão. Contudo, não perdes uma oportunidade para ser idiota, está-te certamente no sangue.
    Porque tens que escrever parvoíces para enfeitar os textos que escreves? Será que não conseguem ser escorreitos e deixarem de ser simples exercícios de de retórica redonda?

    Repara, o que diz este paragrafo? Nada!

    “Pensemos, então. Que capa faria o Sol com uma foto do monitor de um deputado do PS onde se visse que o seu browser estava num qualquer website de propaganda nazi? Se o tema não estivesse em discussão no hemiciclo, que estava ali a fazer o deputado? Será que, no fundo, tem simpatias hitlerianas? E não faria essa consulta parte do plano socrático para dominar a Terra durante mil anos de terror?”

    Como consegues escrever coisas tão cheias de nada? Oh homem alarga os horizontes os mundo não se confina ao Sócrates!

    “A decadência do PSD, e o cavaquismo decadente, trouxe para a sociedade uma exaltação da violação da privacidade e do Estado de direito cujas consequências são desgraçadas e imprevisíveis. O que está a acontecer à volta do Face Oculta é inaudito.”

    Outro exemplo de prosa idiota, o mundo é como é e não é por culpa de A ou B, é por culpa de todos, tua e minha que somos “voyeres” e não é de agora, é de há muito tempo.

  2. Ícaro não conseguiu voar até ao Sol mas o disparate continuado é capaz de ir até aos confins do universo socrático e ficar por lá. Basta que lhe dêem um computador, que nem precisa de ser portátil.
    …e os outros é que bebem.
    Pois…

  3. Não costuma acontecer, mas desta vez fiquei confusa: não sei se gostei ou não de te ler, Valupi. O post é um bocadinho assustador. E não é a parte dos mil anos de terror socrático, que isso para mim ainda é pouco.
    Só me ocorre, para começar, que os deputados deviam ser todinhos apanhados a ler este texto. Apanhados pelos jornalistas, claro, a quem só fazia bem lê-lo também.

  4. Nick

    Muito bem. Penso o mesmo.

    O fotógrafo do parlamento já percebeu o “core business” do jornalismo português, e concluiu, certamente, que não tem nada a ver com informação.
    A coberto de um silêncio vergonhoso, medra nesta sociedade uma nova casta política – judicial – jornalística – comentarista: os frustrados do regime.
    A sua petulância só tem comparação ao grau académico que ostentam, e no qual se tentam alavancar. Aquilo são pós – graduações, mestrados, doutoramentos e outros títulos “honoríficos”. São professores universitários, jornalistas, comentadores, gestores, constitucionalistas, colunistas. Na sua bagagem cabe mais sapiência que t-shirts numa carrinha de ciganos.
    Alguns já passaram por lugares públicos, e o seu desempenho só pode ter contribuído para denegrir a imagem das instituições universitárias que lhes concederam o grau.
    Sobrevivem porque lhes falta uma virtude que os meus pais me ensinaram: a vergonha. E lhes sobra todos os defeitos que levam muita boa gente à reclusão.
    É neste enquadramento, em minha opinião, que temos que entender a movimentação jornalística no Parlamento
    Eu, por mim, enfiava-lhes a objectiva do fotógrafo no cú….

  5. oh pá , cenas mais aborrecidas que tratas! deixa-te de política e joga farmeville. ou dedica-te à culinária. ( mas vê lá….há ingrediientes que são bem melhores ao natural e colhidos na altura , tipo as ostras).

  6. No Eixo do Mal, o gajo do Inimigo Publico, mostra sinais claros de grave perturbação psicológica, ao referir-se ao ministro das finanças…finge, dizendo que está a dramatizar…

    (o poeta é um fingidor…)

  7. Mais ainda, e pegando no exemplo do Sol desta semana, seria facílimo para qualquer um, munido dos contactos de um qualquer deputado, ministro ou acima, preparar uma armadilha enviando e-mails de conteúdo comprometedor, divulgando-os depois alegremente na imprensa como “comunicações suspeitas”. E quem diz e-mails diz mensagens de texto, se souber de antemão que tal pessoa está a ser investigada.
    Porque a diferença com as novas tecnologias é que fica tudo gravado, há um rasto digital que é praticamente impossível de apagar, e que documenta praticamente todas as nossas actividades online e offline. Ao contrário de aqui há uns anos, onde uma carta era um objecto único e físico, passível de ser destruído, e um telefonema ou fax algo efémero, agora não. Tudo é registado em vários sítios, tanto por quem manda como por quem recebe.

    Dou um exemplo pessoal: há uns anos, no decurso de um jantar de empresa ( e já algo alegres), eu e um colega resolvemos enviar para muitos dos presentes um SMS anónimo que dizia “O clube Gay de Lisboa deseja a todos os seus associados e amigos um feliz ano novo”. Na altura fartámos-nos de rir com a expressão absolutamente lívida de alguns, sobretudo os que sabíamos, digamos, menos tolerantes. Agora imaginem que alguma dessas pessoas estava sob escuta, e que esse SMS, apenas recebido sem intervenção do receptor, era divulgado.

    É por isso que este tipo de discussão, parecendo lateral, é absolutamente central para o futuro do estado de direito e da sociedade em que queremos viver. Porque todos nós, quer o saibamos ou não, estamos efectivamente hoje sob escuta permanente. Tudo o que fazemos online fica registado e guardado algures, todos os nossos passos são seguidos com muito mais minúcia do que queremos (ou gostamos) de imaginar Porque estamos hoje, não sei se repararam, permanentemente online. Os sites que visitam? Registados pelo vosso fornecedor de internet. Os vossos hábitos de navegação? Seguidos por variadíssimos sites, através de tracking coockies. Os vossos e-mails no gmail? Lidos pelo Google para efeitos de publicidade contextualizada. Guardados no servidor deles, algures no mundo, apenas com a promessa que não vão aceder a eles. Mas estão lá, disponíveis para quem tiver acesso. As vossas deslocações diárias? Seguidas e registadas pelo vosso fornecedor de telemóveis. As vossas viagens? Seguidas e registadas pela Via Verde. As vossas compras? Seguidas e registadas pela SIBS. Etc, etc, etc.
    O que nos vale, e é por isso que não damos grande importância a estas questões, é que somos um em milhões, e por isso toda esta informação pessoal não é regra geral acedida e utilizada. Até um dia em que alguém decida que quer saber. E é nesse dia que seremos, ou não, protegidos pelas regras que andamos aqui a discutir à semanas. Que hoje afectam o primeiro-ministro, ou o Vara, ou o Manuel Godinho, ou o violador de Telheiras. Mas amanhã podem-nos afectar a nós. É por isso que é importante.

  8. Mas temos um governo que quer obrigar-nos a colocar chips nas matrículas dos automóveis, não é?
    Mas foi este governo/partido que centralizou o sistema de informações, cujo responsável depende do Primeiro-Ministro, não é verdade?
    E agora mostram-se muito preocupados com a liberdade individual só porque um Sr. Deputado não gostou que um jornalista olhasse para ele?
    Há males que viriam por bem, se esse bem servisse para evitar o mal…
    …e se não houvesse tanta demagogia associada a uma imaginação mirabolante também não se perderia nada.

  9. Boa Nik. Totalmente de acordo quanto ao Gama.
    Fico à espera que escrevas alguma coisa quanto ao PEC…essa tua demora é um pouco estranha:)))

  10. Poie é vega, quando ao mail do gmail ou ao registo do ISP, embora preocupante, somos em principio, mais um número. A gora imagina que é o teu colega de empresa a fazê-lo.

    Durante anos tive acesso a esses registos e nem por uma vez tive a tentação de os ver, gosto de ter a minha consciência em paz!

    De qualquer forma tentar comprar isso com caso das escutas face oculta é puro delírio.

  11. certeiro e conciso, Vega. Mas também pode vir uma tempestade eletromagnética que baralha os registos todos, não? Uns raios certeiros algures. Essa acho que é mais do domínio de Zeus,

  12. Já há muito nos habituamos a julgamentos públicos, seria apenas mais um… muito possivelmente, tendo em conta a programação dos canais portugueses e respectivas audiências, o tipo de noticia que a população portuguesa mais gostaria de ver/ler… A crise de valores está instalada, mas nem a esse nível vêm os valores de cima…

  13. Li, há uns tempos e não sei onde, uma teoria engraçada. As ideologias não desapareceram mas voltaram-se para o quotidiano. A simplificação extrema a que levámos as nossas vidas afastou-nos do conhecimento e endeusou a acção, deixámos de procurar a verdade mas sim provas que justifiquem o partido que tomámos, o lado que escolhemos. Queremos tudo o que possa confirmar o que pensamos já saber, enraivecemo-nos com quem não nos diz o que queremos ouvir dizer. A ideologia hoje é pessoal, é resultado de mexericos mal intencionados e a violência ideológica já não se encontra nas ruas mas na maldicência, na calúnia, nas insinuações, nas mentiras, na intolerância.
    Percebe-se assim a nossa atracção pelo buraco da fechadura, aproveitamos tudo o que nos possa servir para confirmar a nossa opção ideológica e menosprezamos os filtros científicos.
    Assim, o que me preocupa não são fotógrafos com as lentes em cima de tudo o que mexe mas a sede que todos nós temos do for your eyes only. Tudo o que não é público deixou de ser privado e passou à categoria de escondido, susceptível de ser descoberto, denunciado e valorizado negativamente só por não estar pendurado na corda da roupa onde todos poderiam verificar a alvura dos lençois. A nossa liberdade está a ser-nos limitada naquilo que é mais importante porque é o que faz de nós pessoas mais sábias, mais cuidadosas, melhores – na possibilidade de podermos asneirar, errar, ser inconsequentes. Somos fotografados, gravados, filmados, observados e o mais ligeiro deslize passa a ser o que nos define. Já vimos dezenas de vezes as imagens do Cavaco a largar perdigotos de bolo rei, do Guterres a errar as contas, do Abrunhosa a estatelar-se num palco, já ouvimos as caralhadas telefónicas do Pinto da Costa, o Sócrates a querer um país mais pobre mas queremos mais, queremos muito mais, queremos o que está por baixo do pano, queremos as pequeninas misérias humanas porque chegámos a um nível tão baixo de auto estima que precisamos de saber que não estamos sozinhos, mas esquecemos que nunca conseguiremos ser tão tolerantes com o outro como somos connosco e que o nosso argueiro no olho é uma trave no do vizinho.
    Dificilmente conseguiremos parar a técnica, diminuir os zooms, proibir os gravadores, destruir os bancos de dados, vamos viver com tudo isso mas vamos ter de aprender a viver com toda essa informação e a separar o essencial do acessório, o público do privado. De repente começámos a sentir-nos deuses na vida dos outros, omniscientes, omnipotentes e omnipresentes, e fizémos nossas as regras desses deuses, passando a julgar para além das palavras e das obras também os pensamentos e as omissões.
    Se não se importam eu gostaria de continuar a ser uma mera mortal, porque já me dá tanto trabalho julgar-me a mim que considero impossível ter de me dedicar também a julgar todos os outros.

  14. Tereza

    Excelente texto, o seu.
    Só lamento que o post que lhe deu origem o desmereça, dada a vacuidade (de vácuo…) dos argumentos nele contidos.

  15. Estamos todos a ser vigiados pelo Big Brother. Pensamos que somos 1 em milhões, mas, um dia, inadvertidamente, somos confrontados com a cruel realidade. Um amigo nos EUA um dia resolveu fazer uma limpeza ao seu email. Apagou milhares de emails de uma só vez, enviados e recebidos. Qual não foi o seu espanto quando, poucos dias depois, foi visitado pelas autoridades locais que regulam e controlam a concertação de preços. Logo alí, sem subterfúgios, foi proíbido de o voltar a fazer. Pode arquivar. Não pode apagar nada.
    … suficientemente elucidativo. Ou não?

  16. Talvez os srs. deputados não devam ler coisas confidenciais(pessoais ou de trabalho) num local em que é suposto haver publico a assistir.
    Haverá de certo muitos gabinetes e muitos pcs por lá.
    O Gama esteve bem, mandou o lello apanhar no orelho e ainda lhe explicou o porquê e como alterar a situação. Juntem-se , votem e alterem.

    p.s. sem em vez de um jornalista estiver por lá um espião ? que com um equipamento mais sofisticado capta conversas/imagens acerca amantes ou de matéria de estado supostamente confidencial, para futuramente chantagear um deputado?
    O lello tem direito á privacidade relativa de uma figura de Estado (acho que ninguem quer saber o que ele faz no wc ou a cor da lingerie que decida vestir, mas se foge ao fisco já é capaz de ter interesse, por ex.), mas não é na Assembleia da Republica que a deve exercer.
    Exigi-la , prova simplesmente a estupidez da personagem.

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