João Galamba foi ao Eixo do Mal, protagonizando um brevíssimo, incompleto e suficiente episódio onde se pode aprender a lidar com a pulsão de contrapoder, típica da esquerda adolescente, que não passa de uma forma de estupor político. O que estava na berlinda era a reportagem na prisão de Paços Ferreira e esta passagem:
Enquanto o senhor não tomar medidas de ser um ser humano, o senhor vai ser altamente violentado. Há dúvidas?
O Daniel agarrou-se à frase. Tinha algo de muito importante a dizer acerca dela. Porque a puta da frase existia, tinha sido captada em vídeo, e ela era todo um programa. Era a manifestação da perfídia da instituição policial, a expressão do mal fardado. A isto respondeu o João, depois de uma provocação do Daniel, com a seguinte proposta de raciocínio:
Aquela frase claro que incomoda. Eu não sei é se ela tem algum significado. E não sei se ela tem o significado que lhe queres dar.
No seguimento da discussão, o Daniel acabou a dizer que, por princípio, não confia na Polícia e nos polícias. O que é uma afirmação que pedia aprofundamento urgente. Que o leva a não confiar? E haverá algum profissional, ou cidadão, em quem confie por princípio? Adivinhamos que não, que reina naquela cabeça um cepticismo ético que o obriga a olhar para a realidade com uma permanente suspeita. Logicamente, indivíduos que interpretem os acontecimentos à sua volta a partir destas areias movediças não podem, consequentemente, gerar qualquer confiança naqueles com quem se relacionam. E nisto está uma explicação para a alergia do BE ao exercício da governação, situação na qual é obrigatório confiar se o propósito é viver em democracia. Já se for para viver em tirania, então a paranóia é o estado mental mais avisado.
O desafio dos significados, como incisivamente ripostou o João Galamba, é um dos mais heróicos trabalhos da liberdade.
Não vi, nem vou ver, o programa, mas as palavras atribuidas neste post ao Daniel (Oliveira, presumo) não são nenhum disparate. Longe disso.
Num regime liberal, é natural existir, por principio, desconfiança em relação à autoridade que exerce a policia. Por essa razão, alias, é que se exige que ela actue dentro das fronteiras do principio da legalidade. Isto é ainda mais verdade em matéria penal. Portanto a reacção do Daniel é sã e é a unica admissivel num regime liberal. Sistema diverso, em que nos era exigido que acreditassemos de olhos fechados que a policia pugnava unicamente pela lei e pela grei, tivemos nos durante 48 anos…
Vi no outro dia o video que esta no centro da polémica. Em principio, deve existir um direito disciplinar dentro da prisão, ou seja um corpo de regras que permitem à autoridade administrativa tomar sanções apos um procedimento respeitador dos direitos da defesa, o que parece implicar, por exemplo, que deve imperar a regra nullum crimen sine lege. A existência desse direito é garantia necessaria, e suficiente, para impedir o que nos soa a arbitrario no video. Trata-se, precisamente, de introduzir a legalidade na prisão.
Em França, não foi sem dificuldade que estas considerações se impuseram. Foi preciso o Tribunal europeu dos direitos do homem condenar o Estado…
Em Portugal, não sei onde param as coisas. Talvez a Isabel Moreira nos possa esclarecer a esse respeito.
Seja como fôr, quaisquer que possam ser as razões que tens de te queixar do Daniel, e do Bloco de Esquerda, e em geral da esquerda deviacionista em relação ao socratismo, parece-me que o fazes da pior maneira (neste post), mostrando que não sabes, ou mais provavelmente que não queres, pegar no problema pela unica ponta firme que ele oferece…
Boas
João Viegas, a propósito deste seu parágrafo
“Vi no outro dia o video que esta no centro da polémica. Em principio, deve existir um direito disciplinar dentro da prisão, ou seja um corpo de regras que permitem à autoridade administrativa tomar sanções apos um procedimento respeitador dos direitos da defesa, o que parece implicar, por exemplo, que deve imperar a regra nullum crimen sine lege. A existência desse direito é garantia necessaria, e suficiente, para impedir o que nos soa a arbitrario no video. Trata-se, precisamente, de introduzir a legalidade na prisão. “,
talvez não fosse má ideia ver o vídeo do programa (no blogue Jugular) onde foram justamente mencionados os protocolos para a actuação dos guardas prisionais. Aliás, tudo indica que a cena foi filmada ao abrigo desses protocolos e o vídeo transmitido à Procuradoria. Aparentemente, tudo legal. Agora, qual a intenção de alguém da Procuradoria ao mandar aquilo para a comunicação social, é outra, mas no fundo sempre a mesma, questão.
Entretanto, só de pensar no nojo daquela cela… (e não, não estou a dizer que o prisioneiro mereça os piores maus-tratos, sevícias e torturas por causa disso). É duro lidar com comportamentos destes e alguém tem ir limpar aquilo, não é?
Obrigado cara Penélope,
O video filmado na prisão não deixa de suscitar duvidas da minha parte, precisamente em razão dos meus reflexos de administrativista. Com todo o respeito que tenho para com o DO e o JG, penso que mais do que eles, a Isabel Moreira, ou um jurista com conhecimento da matéria, poderia tirar-me as duvidas, que passo a expor :
– Parece-me muito pouco provavel que a cena filmada corresponda à cominação de uma sanção disciplinar. Com efeito, não vejo bem como seria possivel prever como sanção atirar com uma pistola T. nas costas do preso. As sanções na prisão são mais do tipo “colocação em cela de isolamento” e afins. Ou não ?
– Não sendo uma sanção, sera então uma medida interior. Mas então não se jutifica que procure reprimir o comportamento do preso (alegadamente por não limpar a cela), que é o que define uma sanção disciplinar. Estaremos então perante um caso emblematico de desvio de poder (os franceses falam em “sanction déguisée”). Uma medida interior pode consistir em limpar a cela, em deslocar o recluso, noutras medidas ditadas pelo interesse do serviço, mas nunca em violentar o preso, ou em castiga-lo. Ou não ?
– O principio de legalidade obriga a distinguir entre os dois casos acima (medida disciplinar/medida de serviço), precisamente para evitar que, sob o manto da discricionariedade de que a administração dispõe para tomar medidas de serviço, ela sancione de maneira arbitraria, irracional, e alias contraproducente, um comportamento de infração à regra disciplinar. O processo disciplinar é também um instrumento racional de inculcar a noção da regra e da necessidade do seu respeito. Nessa perspectiva, alias, é que se compreende a exigência de respeitar os direitos da defesa, e da propria escala pré-definida das sanções (se não cumprires, eis ao que te expões). Ou não ?
– E’ obvio que os principios acima são por vezes de aplicação melindrosa na prisão, por estarmos a falar de uma população marginal (por definição) e sem recursos (e nomeadamente, sem recurso que não seja teorico a advogados). Mas não não me parece que existam duvidas, hoje, que eles se devem aplicar também na prisão. Trata-se de uma exigência da CEDH. Ou não ?
Boas
O Daniel, que anda de táxi para todo o lado, está sentido com as autoridades por estarem constantemente a atrasar o seu transporte público tão ecológico (sim, ele já defendeu esta perspectiva) com toda a prepotência militarista das suas operações stop.
já estou a imaginar o loção de censura em amena cavaqueira com o camarada violentado com vista à limpeza da cela. no fim assinavam um memorando de entendimento, bebiam uns copos de mijo e comiam umas sandes de merda. haja compaixão com estes joões piegas.
João Viegas, todas as suas questões são teoricamente pertinentes. Foi aberto um inquérito.
No entanto, neste caso real e prático, não me parece difícil deduzir que todos os outros meios de coagir o recluso a comportar-se no respeito pelas regras de higiene mais básicas já tivessem sido tentados sem sucesso. A avaliar pelo estado da cela, aquilo não foi obra de um só dia.
“Cela de isolamento” ? Muito bem. Mas, e se, aí também, a nojeira continuasse, como seria mais que provável? E se o recluso morresse infectado pela própria imundície? Teríamos outro problema, não era? Ou não?
E os outros reclusos, têm direitos … ou não?
Cara Penélope,
Como disse, a disciplina visa precisamente incutir no preso a consciência da regra. Na pratica, as mais das vezes, funciona. O mesmo raciocinio esta alias na base do proprio direito penal para todos nos. Transpostos ao nivel da norma penal, raciocinios como o seu levariam a autorizar a pena de morte, ou penas degradantes, nos casos em que se achasse que as penas legais não surtem efeitos (por exemplo em caso de reincidência).
O que, muito provavelmente, lhe parece liquido para todos nos, vale também para os presos na prisão, que não deixam (completamente) de ter direitos quando são reclusos.
Neste caso, o que se vê é um procedimento que so muito dificilmente me parece poder enquadrar-se no âmbito disciplinar, e que também me parece exceder claramente os limites admissiveis para uma medida de serviço. Não falo, obviamente, do facto de se limpar a cela, que é perfeitamente normal, mas da forma violenta, e aparentemente completamente gratuita e descontrolada com que se actua sobre o preso (o que é que justifica o uso da pistola, o que é que justifica as palavras, as ameaças, etc?).
Em principio, se estamos perante um caso de infracção a uma norma disciplinar (o que aparenta ser o caso), o que ha a fazer é convocar o preso, expôr a regra, ouvir o que ele tem a dizer e aplicar a sanção, que deve ser codificada. Admito que possam existir casos limite. Mas aqui, alguém se preocupou em pôr a questão nesses termos ? Alguém procurou esclarecer em que é que a actuação da policia de intervenção podia enquadrar-se nas suas prerrogativas legais ? Alguém procurou saber se o preso havia sido sancionado antes, e como ? Ha inquérito, diz-me v.. Ainda bem que ha ! Mas sem prejuizo dos seus resultados, o minimo que se pode dizer é que é dificil conceber como uma acção daquelas pode caber nos poderes da policia e parece amplamente justificado exprimir uma certa preocupação…
O que me custa é ver que as pessoas não têm o reflexo de levantar essas questões basicas.
Vamos supor que amanhã um carro de policia para à porta de sua casa e que saltam de la quatro ou cinco agentes para dar uma carga de pancada no seu vizinho do lado. Qual vai ser a sua reacção, achar que se calhar o seu vizinho ja tinha sido preso antes, e que apesar disso tinha continuado a cometer ilicitos, e que se a policia actuou dessa forma, é provavelmente porque não havia melhor solução ?
E, mais uma vez, se houver respostas racionais e admissiveis, venham elas, o mais rapidamente possivel, quanto mais não seja para ficarmos a saber em que situações concretas é que autorizamos a policia a dar-nos uma descarga de electricidade nas costas apesar de não estarmos a oferecer resistência…
joão viegas, a tua noção de “regime liberal” é completamente irrelevante para a questão. Se não confiamos, por princípio, na actuação das forças policiais (ou militares, ou nos médicos, bombeiros, juízes), como é que lhes podemos dar responsabilidades? Tu compras armas, e dás poderes, para quem não confias por princípio? Explica lá essa maravilhosa lógica.
Valupi, eu devia ser indemnizado por estar a colmatar lacunas do serviço publico educativo a teu respeito, mas enfim, ca vai :
Regime liberal : regime em que impera a liberdade e onde os comportamentos são livres salvo na medida em que são expressamente vedados por lei (pelo codigo penal) com cominação de sanções a cargo da autoridade, sanções que obedecem ao principio da legalidade, mormente quando têm por efeito restringir liberdades publicas, sob o controlo do povo atravês dos tribunais.
Num regime liberal, ninguém tem o direito de atentar à integridade fisica, nem às liberdades fundamentais dos cidadãos. NEM SEQUER A POLICIA, salvo na medida em que estiver a isso autorizada por lei, quer na prosecução das suas prerrogativas de policia administrativa (mas neste caso, subordinadas ao dever de respeitar as liberdades e os direitos fundamentais), quer na prosecussão das suas atribuições de policia judicial (sempre a mando e sob o controlo da autoridade judicial).
Portanto num regime liberal, ninguém entrega armas à policia com a confiança de quem se coloca sob a protecção de um Senhor na lealdade de quem se acredita. Muito pelo contrario, so se confiam armas à policia com a maxima cautela e com inumeros controlos, que vão desde a escolha dos membros da policia por concurso publico, à cominação de sanções agaravadas para os policias que ultrapassam os limites que a lei fixa para a sua actuação.
Eis a logica. A mim não me parece maravilhosa, mas antes trivial, banal. Pensava que se ensinava isso no secundario…
Bom, vejamos as coisas pelo prisma positivo, assim tens sobejas ocasiões de ficar deslumbrado…
Mais duvidas ?
“O que me custa é ver que as pessoas não têm o reflexo de levantar essas questões basicas.”
o que mais falta é disso, centros de reflexões , associações reflectivas e abridores de inquéritos aos inquéritos por fechar. fazer, tá quieto, bom, mesmo bom é mandar bitaite sobre o trabalho dos outros
Depois deste «tratamento» o senhor preso, passou a manter a sua cela em condições e a comportar-se dentro do normal, coisa que a até ali nunca tinha sido possível.
Podem-se questionar todos os métodos, nos seus aspectos legais de dignidade etc…, mas seria a opção certa permitir como sempre tinha acontecido até ali , manter aquela situação, permanente de insubordinação?
joão viegas, és genial.
ahahah.
Não Valupi, apenas tento (e nem sempre consigo) ser consequente.
Se não estou em erro, ha uns meses atras abundavam neste blogue textos que criticavam a actuação de juizes duma comarca de que agora não me recordo (seria de Aveiro ?). Não me lembro que na altura ninguém se preocupasse com saber se a desconfiança subjacente a essas criticas era compativel com o respeito que devemos ter pela autoridade…
Abraço
João Viegas: Em suma, está a exagerar. Já ouviu falar na proporcionalidade de uma argumentação? A sua manifestamente é desproporcionada.
Mas se lhe dá prazer teorizar sobre direito penal em geral e regulamentos prisionais em particular, “be my guest”.
Abraço
Cara Penélope,
Se estou, falho sinceramente em compreender porquê.
Mas diga-me antes a Penélope, porque é que esta a partir do principio que o direito disciplinar na prisão não permite dar uma resposta capaz, eficaz e suficiente a situações como a que se vê no video ? A mim parece-me obvio que a resposta adequada passa por ai. A experiência noutros paises parece apontar para isso mesmo. Não digo que não haja deslizes. E’ obvio que os ha, e é relativamente evidente que, de uma vez ou outra, os serviços prisionais carregam um bocado sobre um recluso, disfarçando a coisa como se tivessem respondido a actos de rebelião. Mas não é nada disso que se vê no video. O que se vê no video, é uma força de intervenção chegar à cela, interrogar o preso e, sem que este tenha tido o minimo comportamento de rebelião ou de violência, disparar-lhe nas costas…
E não se trata de teoria, por amor de Deus. O Tribunal europeu julga mesmo casos como esses e aplica mesmo o tipo de raciocinio que eu expus aqui em cima.
Isto porque os reclusos, ainda que estejam presos, continuam a ser cidadãos e a poder beneficiar da CEDH… que não é um manual de teologia mas um catalogo de obrigações que o Estado Português, em virtude de decisões tomadas em seu nome, cara Penélope, se comprometeu a respeitar.
Resumindo : não estou, muito longe disso, a negar que o comportamento do preso possa ser um problema, nem que peça uma solução eficaz. Estou a dizer que não vejo como a solução desse problema pode passar por actuações como a que se vê no video.
E admito estar errado, mas então peço apenas que me expliquem porquê, de preferência sem recorrer a argumentos falaciosos do estilo : matar o preso é a unica medida que oferece garantia absoluta de que ele não vai continuar a conspurcar a cela.
So isso…
joão viegas, misturas e deturpas os conceitos numa mixórdia que nem tu serás capaz de engolir, apenas de despejar no prato. Repara: o que está em causa é a noção de responsabilidade. Se admitimos que a Polícia, ou o sistema de Justiça, tem uma qualquer responsabilidade, isso implica que tem uma qualquer autonomia. Se é autónoma, seja em que tipologia ou grau, então há uma confiança sistémica – ou, por princípio – na sua actividade. Trazeres o enquadramento legal da sua responsabilidade em nada altera o ponto em discussão. Apenas quer dizer que essas são as condições para se poder confiar; isto é, para se permitir a sua função.
É por não compreenderes o problema logo à partida, mas quereres brincar aos advogados (e nada contra isso, até te agradecemos), que segues largando bacoradas que têm o grande mérito de te convencer que disseste alguma coisa que faça sentido. Vá lá, já não se perde tudo.
E a tua referência às críticas aos magistrados de Aveiro só confirma este diagnóstico, por isso inventas – por defeito ou feitio – que a confiança impede a crítica. Estás muito enganadinho.
Ainda não vi ninguém colocar as atitudes do recluso num dos pratos da balança. Só se preocupam com as respostas dos guardas. Durante alguns anos (1957-1966) conheci bem o quotidiano de uma brigada de reclusos a construir um palácio da justiça. Não é fácil lidar. É mais fácil atirar pedras.
Valupi, porque insistes em falar do que manifestamente ignoras ? So te fica mal…
A responsabilidade da policia consiste em desempenhar as suas funções de acordo com aquilo que esta na lei. Neste caso, até prova em contrario, nenhuma lei autoriza a recorrer aos meios que se vêem utilizados no video (tiro de pistola taser + agressão fisica acompahnadas de ameaça de violência), quando tudo indica que não estamos perante uma acção que se destina a repelir um perigo, ou a responder a uma agressão ou a actuar num contexto de rebelião…
Se a policia (ou qualquer autoridade, seja ela administrativa ou judicial) actua fora dos limites que lhe são impostos pela lei, sujeita-se a sanções. So isso. E a critica é então perfeitamente legitima e mesmo salutar, pelo menos em democracia (num regime liberal).
O preso, ainda que se encontre a cumprir uma pena privativa de liberdade, não deixa por isso de ter direitos. E a pena privativa de liberdade é apenas a pena de prisão pronunciada pelo Tribunal, não inclui tiros de taser, nem violências.
E’ claro que o preso tem obrigação de se submeter às regras disciplinares que vigoram na prisão, mas o cumprimento dessas regras esta sujeito, grosso modo, às mesmas vicissitudes que o cumprimento das outras regras penais e simili-penais. Em caso de infração, pode-se e deve-se aplicar sanções, mas estas não podem obedecer ao capricho da autoridade. Têm de ser pré-definidas, assim como a forma de as decidir, com respeito pelos direitos da defesa.
E’ ineficaz ? Tanto quanto o direito penal em geral. Como este não oferece nenhuma garantia absoluta que o individuo acabe por se conformar com a regra, devemos autorizar a eliminação do individuo, é isso que v. estão a dizer ?
Estivesse eu a comentar o Correio da manhã, não perderia tempo, mas no Aspirina B, haver quem tenha dificuldades de principio com o que exponho é algo que, como dizer… me supreende bastante !
jcfrancisco,
“Ainda não vi ninguém colocar as atitudes do recluso num dos pratos da balança”. Então o meu amigo leu mal com certeza. Desde o inicio, tenho dito que a resposta ao problema é, e deve ser, disciplinar, o que implica a possibilidade de impôr sanções ao preso. Mas existe uma diferença entre procedimento disciplinar e coboiada e, até prova do contrario, nada permite arrumar a cena que se vê no video na primeira destas duas categorias…
joão viegas, és cada vez mais genial.
Mais genial é o nosso jcfrancisco, primo. Eu vivo para ler o que ele escreve e comenta. Ora repara nesta pérola:
“Ainda não vi ninguém colocar as atitudes do recluso num dos pratos da balança. Só se preocupam com as respostas dos guardas. Durante alguns anos (1957-1966) conheci bem o quotidiano de uma brigada de reclusos a construir um palácio da justiça. Não é fácil lidar. É mais fácil atirar pedras.”
Nem mais, primo. Supimpa.
“Durante alguns anos (1957-1966) conheci bem o quotidiano de uma brigada de reclusos a construir um palácio da justiça.”
uih, uih, não tarda temos presos com bola de ferro no artelho a carregar pedragulhos e guardas de chicote. ganda experiência oh jurássico, não queres partilhar mais pormenores do quotidiano prisional em trabalhos forçados.
Não se trata de partilhar e muito menos com um trambolho como tu. Trata-se de ter conhecido de muito perto no Montijo e em Vila Franca de Xira a vivência de uma Brigada Prisional. O recluso mais simpático era o maior criminoso – tinha assassinado a mãe. As coisas nunca são o que parecem. Também aqui.
ias visitar o teu pai e aproveitavas pra combiber com os colegas da brigada. dá uma bonita letra pra fado essa do simpático que aviou a mãe. e quando parecem aquilo que são, faz com’ó viegas, desconfia.
De ti é que eu nem sequer desconfio. Não passas de um bardino.
João quê? Quem é esse?, com esse nome só conheço uma empresa de mudanças! Terá a criatura em causa alguma coisa a ver com a dita?
Bem, eu acho que aquela frase do guarda merece um estudo semiótico digno do Roland Barthes. A frase do João Galamba também, como veremos mais tarde. No caso dos guardas, a vantagem é que tivemos direito a uma ilustração multimédia do signo que passou na lição seguinte. Vamos lá a ver:
“Enquanto o senhor não tomar medidas de ser um ser humano, o senhor vai ser altamente violentado. Há dúvidas?”
Dito isto, aquelas guardas esperaram cinco segundos que o preso tomasse medidas de ser um ser humano e, bom, perante a renitência pertinaz, aplicaram-lhe uma descarga eléctrica. Há dúvidas? Neste momento já o “senhor” estará a tomar por dia três medidas e meia de ser humano, duas de manhã e uma à noite.
A frase do João Galamba é mais difícil de desconstruir. Vejamos: Há qualquer coisa de vago e indizível que o incomoda naquela frase, uma certa desarmonia. O quê? A mim incomoda-me a cacofonia do “ser um ser humano”. Um certo desleixo sintáctico. Mas o João Galamba não sabe se aquela frase tem significado, o que é curioso, pois essa dúvida anularia a dúvida seguinte: a de não saber se a frase tem o significado que o outro quer dar. Mas o que é lindo nisto é, precisamente, o desafio dos significados, como muito bem diz o Valupi. Boa Noite
Suponho que o confiar ou não nas forças de segurança é, antes de mais, uma consequência de como se olha para elas: como forças de opressão que são um mal necessário às sociedades, ou como forças de liberdade que usam a opressão como um mal necessário para defender as sociedades?
Todos nós, creio, passamos pela primeira fase, realmente algures na adolescência, e depois gradualmente evoluímos para a segunda. Mas aí já não somos todos. Há quem seja incapaz, e fique agarrado aos seus receios e medos. E é isso que se vê nos olhos do Daniel Oliveira quando está a comentar o caso: medo. Um medo medonho do seu semelhante e das suas intenções, como bem assinalas.
Mas também é fácil caracterizar estas atitudes como características da extrema esquerda, com as suas simpatias pelos anarquistas e a sua desconfiança a tudo o que cheire a lei e ordem (dos outros). Mas essa é outra coisa que une a extrema-esquerda com a extrema-direita: ambas vêm as forças policiais como forças de opressão. Uns para serem combatidas, outros para serem usadas. Não deixa de ser curioso.
Vega9000, desculpe mas o que v. diz é uma parvoice completa que me surpreende vinda de si.
Vamos la ver uma coisa simples, basica, e que é o unico fundamento solido para termos uma conversa minimamente construtiva acerca do problema revelado (em parte) pela publicação do video :
Se julgamos necessario – em Portugal, em França, no RU, na Allemanha, nos EUA, onde v. quiser – enquadrar o poder da policia por um conjunto de leis é porque achamos indispensavel traçar limites bem nitidos para a sua actuação e precaver-nos contra possiveis abusos de poder.
Isto não é uma posição adolescente ou de esquerda radical.
E’ o principio basico de todos os regimes liberais, ou seja o principio em que assentam os ordenamentos juridicos de TODOS os paises democraticos com que gostamos de nos identificar.
Mas como sempre, em Portugal, isto é apenas televisão. E quem se mostra incapaz de perceber este dado elementar, e de elaborar a partir dessa base, não são uns reacionarios partidarios de Paulo Portas e leitores do Correio da manhã, mas pessoas que se reclamam de um governo socialista e da social democracia !
Vocês cansam-me, é o que é…
Ainda bem, joão viegas, eu gosto de surpreender as pessoas, e as parvoíces são a base de muitas e frutuosas discussões. Mas estás a abordar a questão de uma maneira em que exemplificas bem esses preconceitos dessa esquerda que eu falo: identificas ali um problema e discorres, a partir daí, sobre direitos, liberdades, garantias e enquadramentos legais. Ora eu, por exemplo, pondo de parte o facto de serem imagens desagradáveis, não assumo que haja ali problema algum. Como bem diz o João Galamba, não sei se há ali algum significado, e aliás duvido que haja. Porque confio, por princípio, nas forças de segurança de um país democrático, como o nosso.
Caro Vega,
Ou seja, direitos liberdades e garantias, esta bem mas so no papel. Torna-los mais do que isso, sobretudo tratando-se de animais imundos como esse preso que se vê no video, que alguma deve ter aprontado para estar onde esta, ja é exigir demasiado…
So não entendo porque é que vocês não propõem pura e simplesmente a substituição da constituição por uma carta de recomendação dirigida ao bom pastor Oliveira de S., pedindo que trate bem do nosso povinho, se necessario aplicando-lhe umas galhetas nas ventas pois ele tem muito bom corpo para isso.
Mas deixa estar.
Sabe bem descobrir que, afinal, sou completamente de extrema esquerda…
Alias, ja devia ter desconfiado ha muito tempo. O meu fascinio doentio por pretos, ciganos e desregrados é sintoma que não engana…
joão viegas, do que percebo do vídeo são precisamente os direitos, liberdades e garantias que estão ali em acção. Pensa lá no que vês: as forças de segurança a dominarem um cidadão que se tornou uma ameaça para os outros recorrendo a procedimentos profissionais, estudados, precisos, filmados para revisão por um superior, e mostrando um controle emocional admirável. O que é que queres mais?
E não sei se és de extrema-esquerda. Mas esta, tal como a extrema-direita, gosta muito de usar a táctica do medo, cabe-nos a nós verificar se estamos susceptíveis a isso ou não.
Isto continua surrealista. Diz o Vega, como já tinha dito o Galamba, que duvida que aquelas palavras tenham significado. Ou seja, os guardas disseram aquilo, como poderiam ter dito “o fábio coentrão hoje comeu caracóis”. Vai-se a ver e inimputáveis são aqueles guardas, que balbuciam coisas sem significado. Ainda não se percebeu que o significado daquela frase está percebido pelas acções que se seguiram? Mas porque diabo, ó Vega, aquelas imagens são desagradáveis e ao mesmo tempo não há ali problema algum? A um incomoda, a outro desagrada. Isto que dizer exactamente o quê? Que te foi desagradável a cor das imagens? Que a preto e branco seria mais romântico?
E se aquelas frases e imagens não servem para falar de “direitos, liberdades, garantias e enquadramentos legais”, o que resta, então, para falar de “direitos, liberdades, garantias e enquadramentos legais”?
Isto não é uma questão de extrema esquerda, ou extrema direita. Isto é uma questão que interessa a todos, sobretudo àqueles que gostam de viver numa sociedade democrática, civilizada, decente. É óbvio que numa sociedade civilizada e democrática, nem de extrema direita, nem de extrema esquerda (já agora, o DO é de extrema esquerda? Aqui é que é preciso ter cuidado com o destrambelho dos significados), temos de ser exigentes com as forças de segurança, escrutinar todos os seus comportamentos e enquadrá-los em normas e padrões de comportamento. É dificil? É uma questão de princípio, tão simples quanto isto. Não me impressiona nada o argumento do JC Francisco do tipo “vocês-não-sabem-do-que-falo-gostava-de-vos-ver-á”. Esta é aquela de chapa que serve para tudo e para nada e que aqui não vale um chavo. Eu vi vários guardas a dar um choque violento numa pessoa que é doente mental. Se não sabem outras formas de neutralizar uma pessoa assim, aprendam. Dêem-lhes formação. Não os tratem é como crianças.
Desculpa la, Vega, mas não é nada disso que se vê no video :
http://videos.publico.pt/Default.aspx?Id=5d9bedd0-1662-47ca-8ab5-8ce075b83a4f
No video, não se vê que o cidadão tenha ameaçado quem quer que seja. O que se vê é uma força de uma dezena de policias sobre-equipados, com capacetes, etc., entrar no edificio e deslocar-se até à cela, o chefe abrir a porta da cela, dirigir-se ao preso perguntando-lhe se ele vai lavar a cela, vê-se que este não reage, nem para limpar a cela, nem para adoptar nenhum comportamento de agressão, contra a policia ou contra quem quer que seja. Vê-se em seguida o preso obedecer às ordens, levantando-se, virando-se para a janela e oferecendo as costas para a força de intervenção. Vê-se logo a seguir o preso apanhar um tiro de taser nas costas (grito). Vê-se depois o preso a ser imobilizado no chão (“mãos atras das costas”), embora não tenha adoptado nenhum gesto agressivo ou de rebelião (a não ser cair, comportamento que me parece ter sido comandado pelo tiro que levou mais do que por uma vontade deliberada), ser levado para outra cela, ameaçado com mais violência etc.
Vê-se também, o estado da cela, que de facto torna credivel que o preso tivesse adoptado anteriormente um comportamento de indisciplina. Até agora, não vi ninguém pôr isto em causa.
Eis o que se vê.
Se me conseguires encontrar, na constituição, na convenção europeia, no codigo penal, no codigo de processo penal, no regulamento interno da prisão, onde quer que seja, uma justificação para o tiro de taser, ou para as ameaças e a violência sobre o preso, não hesites em comunicar-me…
E se vires no video alguma coisa que se pareça, mesmo de longe, com “os direitos, liberdades e garantias que estão ali em acção” diz-me em que momento (outro do que o que descrevo aqui em cima, presumo). Pode ser que eu ande a precisar de mudar de oculos, pelo menos a lente direita…
Calma aí, Pedro! Em que é que você se baseia para afirmar que aquela pessoa é doente mental? Ao que eu li, o recluso em causa já fora sujeito a avaliações psiquiátricas que não concluíram nada nesse sentido. A hipótese de táctica do recluso até já me aflorou ao espírito.
Parece-me que está a querer dar uma pincelada expressionista neste filme…
pedro, em que é que te baseias para o chamar de “doente mental”? Segundo o que sei, este cidadão passou por várias avaliações psicológicas que não lhe detectaram qualquer doença mental. Ou seja, é alguém que está no pleno uso das suas faculdades, e que tem perfeita consciência dos seus actos.
____
joão viegas, se não consideras uma pessoa que conspurca conscientemente a cela de matéria fecal como uma ameaça, precisas de rever Biologia, na parte transmissão de doenças.
E recordo-te que o facto de obedecer a ordens não significa necessariamente que não precise de ser imobilizado, de modo a que se tenha a certeza de que não vai tornar-se agressivo de um momento para o outro. Sobretudo se apresenta, como se presume, um historial de indisciplina. Agora, para imobilizar um preso com o mínimo de violência possível, e ao mesmo tempo com o mínimo de risco possível para os guardas (que, recordo-te, têm direito à segurança no trabalho), o taser parece-me uma opção aceitável. Mas se preferires a bastonada ou o tiro com tranquilizante, é um ponto de vista. Eu prefiro não tratar as pessoas com esses métodos.
não concluiram, Penélope? O que eu li é que foi avaliado várias vezes e não foi dada nenhuma indicação para tratamento piquiátrico, não sei o que concluiram aquelas cabeças. Pense a penélope se se justifica, ou não, tratamento psiquiátrico para uma pessoa que deliberadamente conspurca com fezes a cela onde vive, preferindo viver na mais completa imundice. Conheço um ou outro caso desses cá fora, e posso assegurar, com a experiência que me dá ter mais do que dez anos de vida e sem esperar por uma junta médica, que não batem bem da bola. Mas a questão principal aqui não é se ele era, ou não era, doente mental com papel passado de doente mental pelos psis pu pela junta de freguesia.
Vega, quanto a isso já respondi à Penelope. Parece-me um assunto suficientemente grave para se falar dele, mas não é o único, nem sei se será o mais importante. E então, quanto à história do significado ou da actuação dos guardas?
ok pedro, por isso a ideia de que isto poderia ser uma táctica para se fazer passar por doente mental nem te ocorre. If it quacks like a duck…
pedro, discordo, o enquadramento da actuação da policia começa, precisamente, nesse ponto. O recluso está ou não consciente dos seus actos?
Eu pura e simplesmente não acredito no que leio. Mais inquietante (para Portugal) do que a actuação da policia no caso do video, ainda são as reacções a que assisto.
Nem de proposito, a Rue 89 publica hoje as “bonnes feuilles” de um livro sobre a prisão Fleury Mérogis. Vale a pena darem uma vista de olhos antes de partir do principio que estamos (no caso do video de Paços de Ferreira) perante um comportamento inédito na prisão, revelador de uma personalidade excepcional, infra-humana e que merece ser tratada a choques electricos.
http://www.rue89.com/2011/03/01/un-journaliste-dans-la-peau-dun-maton-les-bonnes-feuilles-192942
Quanto ao resto, comentar para quê ?
So espero que o Vega não tenha de sofrer uma agressão brutal, da policia ou alias de alguém que se pretenda em estado de legitima defesa, “porque nunca se sabe, sob a sua aparência de pessoa pacata (que adivinho ser o caso), pode ser que esconda uma personalidade perigosissima”…
Tenho pena, mas a discussão esta a atingir um patamar demasiado elevado para os meus habitos…
Boa continuação.
Pronto, eu estou pronto a admitir que o homem era um génio. Essa táctica laboriosa, que demorou anos, que lhe dava a aparência de farrapo humano sujeito à maior degradação, servia que objectivo, Vega? A esperança de ser alojado no Ritz? Elabora lá.
“agressão brutal”, joão viegas? Agressão brutal é isto.
Agora compara os dois vídeos. Vês alguma diferença?
terás que perguntar ao recluso, pedro. Não tenho dúvidas que pelo Ritz já passaram grandes criminosos, mas desconheço se haverá algum protocolo com o estado.
Quando o serviço militar era obrigatório, a simulação de doença mental, normalmente depressão, servia para quê?
Eu também desconheço se existe algum protocolo do estado com o Ritz para lá alojar presos que fingem ser doidinhos. Eu até desconheço se o Estado os nomeia imperadores do Japão. Isto são dúvidas que ambos os três temos, Vega. Ainda vamos parar ao Júlio de Matos ;)
Ah, essa de fingir doenças nas inspecções, achava há três minutos atrás que era para não ir à tropa. Parecia-me simples, mas agora que me instalaste a dúvida metódica e radical, calhando, não sei se não seria antes para arranjar camarotes no estádio da luz.
ah, então as pessoas podem fingir doenças mentais para obterem vantagens? Somos um país de génios, é o que te digo… :)
Eu sabia que não devia ca voltar…
Não Vega, não vejo diferença significativa entre os dois, tirando talvez o comportamento da reclusa nos EUA, que tera atirado um objecto contra os guardas, de que eles tiraram pretexto para lhe cair em cima. Para mim, um tiro de Taser nas costas, é (também) uma agressão brutal, não fazendo qualquer sentido, para a nossa discussão, medi-la com outras agressões possiveis, mais ou menos violentas.
Mas registo que tu consideras normal, suave até, e profissional, levar um tiro de taser a pretexto que, embora possa não parecer à primeira vista, existe uma possibilidade de te tornares perigoso. Tão profissional e normal, que nem te das ao trabalho de procurar saber se é licito, pois isso parece-te um dado adquirido, de direito natural… Tão natural como a confiança que as pessoas de bem devem ter na autoridade (tirando talvez um ou outro magistrado de Aveiro).
Tanto quanto me lembro, se ha diferença entre os dois eventos, devemos procura-la antes nas reacções do publico. Os perigosos esquerdistas dos Americanos ficaram chocados com o que viram, que lhes pareceu um atentado inaceitavel aos direitos fundamentais que a policia tem por missão de fazer respeitar, mesmo na prisão (alias na versão que vi, nem o sherife procurou atenuar a gravidade do sucedido). Ja em Portugal, não sei como é que as pessoas reagiriam. O que sei é que num blogue frequentado por pessoas que se identificam com o governo de centro-esquerda que esta actualmente no poder, a maioria dos comentadores acha inconveniente, e talvez mesmo uma falta de civismo, as interrogações sobre um video que mostra a policia disparar com um taser sobre um preso que, no documento, não manifestou nenhum sinal de rebelião, de violência, ou de perigosidade…
Ao principio estranhei, pois vivia convencido que em Portugal tinha havido, umas décadas atras, uma revolução.
Mas acho que afinal não tem nada a ver. Alias, não me recordo bem quando foi essa revolução. Foi na primavera, salvo erro, em Maio ou assim, la para os ultimos dias do mês…
Boas
“ah, então as pessoas podem fingir doenças mentais para obterem vantagens?”
Vega, não vale a pena continuares a fingir que não sabes em que circunstâncias isso compensa. Não convences ninguém que és tão parvinho. Mas isso é irrelevante. Temos um cidadão que leva com uma descarga de um taser, que provoca uma dor lancinante. Em qualquer pais civilizado isso seria, pelo menos, questionado. Não há cá essas tretas de “os guardas é que sabem”. Isso é conversa para sítios do globo mais mal frequentados. Pensa tu, com os dados que tens, e viste as imagens, se aquilo se justifica ou não, se não haveria outros meios para o controlar. Ah, já agora, não há nada na actuação do Estado e dos seus agentes que possa estar fora da alçada dos direitos liberdades e garantias. Começas a abrir brechas, em função do “estatuto” da destinatário, e não sabes onde podes parar.
Pedro, qual é a tua interpretação da frase e que sabes tu do uso do taser em “países civilizados”, incluindo a lei portuguesa?
Não Vega, não vejo diferença significativa entre os dois,
Quer-me parecer, joão viegas, que está aí a génese do teu preconceito.
Valupi,
Ja que pareces encorajar a sobranceria em detrimento da racionalidade, permito-me lembrar-te que o Taser é considerado como uma arma (não letal) e que a sua utilização contra um cidadão parece dever qualificar-se como crime de ofensas corporais, ou de maus tratos de fôr sobre pessoa confiada à guarda do infractor.
Salvo erro, assim acontece também nos outros paises da União europeia.
A utilização do taser pelas forças policiais admite-se (embora seja bastante discutida, mas o ponto fundamental nesta discussão até nem é este), como eventualmente a de outras armas (mesmo letais), desde que o façam no desempenho das suas atribuições de policia, por exemplo para neutralizar uma ameaça ou um perigo grave para a segurança de outros cidadãos, mas unicamente na medida em que isso é adequado e necessario para a prossecução desses fins.
Admito não estar completamente em dia a esse respeito, mas não me parece que a lei portuguesa seja diferente, nesta matéria, da lei de outros paises.
Se possuires informações em contrario, não te envergonhes, xuta ai… Acho que o Pedro se juntara a mim para agradecer.
joão viegas, estás a sugerir que o uso do taser naquela situação foi ilegal?
Valupi, eu não sei nada sobre o uso de tasers em paises civilizados. Eu disse que sabia? Nunca me deu para ler manuais de procedimento de uso do taser ou a lei, portugueses ou estrangeiros. O que eu sei é que estas questões não devem ser despachadas com um “a policia é que sabe”, Tenho a impressão que noutros paises inguém toma como garantido que a policia, ou qualquer outro funcionário e agente do estado, ou politico, age correctamente. Não é paranóia, é uma questão de método e hábito. Concordo que se faça assim e acho que deviamos adoptar isso. Eu sei o que vejo e interpreto e avalio o que vejo. É um bom exercício.
Quanto à interpretação da frase, parece que me estás a pedir para interpretar um trecho da obra do Santo Agostinho escrito em latim. É preciso um esforço de exegese profundo, de facto… Eu acho que até é mais complicado do que descodificar a pedra da roseta. Se calhar, deviamos assentar que não sabemos se a frase tem algum significado, como diz o João Galamba. Nem sequer se coloca a hipótese, razoável, de a “altamente violentado” ter tido tradução gráfica nos actos que se seguiram. Eu acho que há aqui é muito paternalismo em relação aos guardas, ou em relação a quem lhes deu as ordens.
Valupi, por favor, tem do de mim, que venho ca so de vez em quando entre muitas outras coisas. Diz-me que a tua pegunta é a brincar. Va la, não custa nada. Uma simples frase “Estou a brincar contigo, joão viegas, é obvio que estamos a tentar saber se existe ou não uma base legal para a intervenção que aparece no video, mas para mim parece que ha, ou pelo menos que pode haver, é assim (a completar)”.
E não é que o animal escreveu mesmo aquilo. Eu não sei escrever. Não me sei exprimir. Não sirvo para nada. Sou um falhado…
Sigh
Pedro, disseste pois, ora lê-te:
“Temos um cidadão que leva com uma descarga de um taser, que provoca uma dor lancinante. Em qualquer pais civilizado isso seria, pelo menos, questionado. Não há cá essas tretas de “os guardas é que sabem”. Isso é conversa para sítios do globo mais mal frequentados. Pensa tu, com os dados que tens, e viste as imagens, se aquilo se justifica ou não, se não haveria outros meios para o controlar.”
Depois, quem é que está a despachar o assunto com um “a polícia é que sabe”? Basta que dês um exemplo, não precisas de te cansar mais. Também te lembro que esta acção foi filmada pela própria Polícia, com o fito de sujeitar às autoridades judiciais o registo integral da sua actuação. Actuação essa devidamente autorizada pela Direcção da prisão. Tudo isto não impede a crítica, porque nem os deuses impedem a crítica, mas trago à lembradura para centrar a discussão onde ela começou. E ela não começou na defesa da inimputabilidade ou autocracia das forças policiais.
Optas por te refugiar em tábuas na questão da interpretação da frase. Olha que pena, um touro que fica sem toureiro para o tourear.
joão viegas, tu és o Einstein das caixas de comentários.
Reagindo ao teu comentario ao Pedro : de facto, não sei porque é que a cena foi filmada, nem como veio parar aos jornais. Sabes alguma coisa a esse respeito ? Diz la !
Mas quando escreves “actuação essa devidamente autorizada pela Direcção da prisão” o “devidamente” refere-se a quê ? Tratou-se de uma sanção disciplinar pronunciada conforme mandam as regras (pouco provavel) ? De uma medida de ordem interna ? Autorizada em virtude de que lei ? Com que finalidade ? Em que condições ?
Contentas-te com o video e com achares que se a policia agiu dessa forma, ainda mais filmando, é porque estava tudo bem.
Bolas, deve ser facil ser ministro da justiça (ou da administração interna ?) em Portugal…
joão viegas, larga o vinho.
Não largo nada, gosto de ter o copo à mão para poder celebrar no dia em que te dignares responder a uma so das minhas perguntas. Como vês, não ha grande perigo de eu ficar bêbado…
Abraço
Ó senhor, pois precisamente o que eu disse foi “Em qualquer pais civilizado isso seria, pelo menos, questionado.” Quem é que falou em lei? Quanto ao o policia é que sabe, parece-me que o terá dito o Francisco, não por essas palavras, mas não me parece muito complicada a interpretação. A penélope também lá menciona os protocolos e que foi tudo feito segundo o protocolo. Tu, que aquilo foi autorizado, despachado e carimbado. O Vega que duvida que a frase tenha significado porque confia por princípio das forças de segurança, signifique lá o que isso significar. Discutir o que vimos, é que quase nada. A Penélope ainda meteu a mão na massa do video, dizendo que aquilo estava muito sujo. E o protocolo.
Quanto à interpretação da frase, não sei que dizer mais. Queres tu dizer alguma coisa sobre isso? Se aquela frase tiver algum significado, vê lá.
Pedro, a cena foi filmada e entregue na Procuradoria, num procedimento pelos vistos habitual, para quê se não para ser questionada e avaliada por quem de direito?
Quanto ao significado da frase que tanto te apoquenta, eu explico como é que a leio. É mais ou menos isto: se o senhor continua com comportamentos que obriguem a intervenção violenta, está sujeito às intervenções violentas a que o comportamento obriga. Quer que eu explique outra vez?. O polícia limitou-se a dizer ao recluso o óbvio. Não foi com linguagem suave e erudita, mas não pagamos aos policias de intervenção para serem poetas. Para isso mando lá o jcfrancisco.
João Viegas, eu se continuar aqui ainda sou internado, com justa causa, numa cela almofadada. Fuje também ;).
Vega, o “quem de direito” também és tu. Olha, e obrigado pela interpretação, está catita. Agora é a vez do Valupi.
Concordo, até porque li algures que o JCF não esconde a sua antiga frequência desses ambientes e não se pode dar vida demasiado fácil aos meliantes, um choque eléctrico aqui e além não basta para eles ficarem sem vontade de lá voltar.
:)
Inteiramente de acordo consigo, caro Pedro.
E’ que cada vez que leio os comentarios fico mais pasmado. Por exemplo, quando constato que não passa pela cabeça do Vega9000 que a resposta adequada que um Estado de direito pode, e deve dar, quando considera que uma pessoa adoptou um comportamento violento, ou mais especificamente de infração à lei, não é propriamente ter um comportamento igualmente violento, mas antes movimentar a acção que permite a cominação, com respeito das formas legais, das sanções previstas na lei.
Mas pelos vistos so você e eu para estranharmos a dificuldade com que os nossos interlocutores – e pelos vistos também a propria policia – distinguem entre o comportamento a ter perante um cidadão, e o comportamento a ter perante um cão raivoso…
Portanto vou seguir o seu conselho…
“Balada para um recluso, vinte policias e um taser”.
Aí está uma fonte de inspiração para o nosso poeta. Para quem consegue enfiar um P.B.X. num poema, deve ser canja. ;)
Pedro e João: Um comportamento aceitável da parte dos guardas seria, para vocês, o quê, homens? O quê, depois de esgotadas todas as advertências e formas de coacção verbais? Servir-lhe as excrescências em travessa de inox? Seria esta a medida proporcionada? Esta discussão cheira literalmente mal.
Um choque com taser pode (ainda) não resolver o problema, mas parece-me ser o grau seguinte na escala de tentativas, presumivelmente previsto no regulamento prisional, ou adoptada ad hoc, depois de consultados os pares e antes de enviado o vídeo do procedimento à hierarquia.
Mas já estou a ver o João Viegas a vituperar: E a seguir, Penélope, um tiro na nuca?
Não, evidentemente que não. Não sei, tudo é mau. Construção de uma espécie de jaula, cá fora, ao ar livre, para o indivíduo poder exercer a sua liberdade sem contaminar outros? Morreria por outras razões! Mas mal posso esperar pela vossa solução.
Mas minha cara Penélope,
Nos estabelecimentos prisionais existem regras disciplinares. Uma escala de sanções. Em França, tanto quanto sei, a mais grave é a colocação em cela de isolamento, o tristemente conhecido “mitard” que esta descrito no artigo que linkei mais acima. Isto é utilizado quotidianamente. Não sera panaceia, como o codigo penal não é panaceia para resolver os males da sociedade. Mas até funciona relativamente bem. Os presos, na sua maioria, acabam por cumprir as regras (da mesma forma que os cidadãos, na sua maioria, cumprem as regras penais, embora haja homicidios de vez em quando).
Que é que você quer que eu lhe diga, é o que se pode arranjar. Num Estado de direito, pelo menos é. E as autoridades, inclusivamente as autoridades de policia têm que trabalhar com isso.
Em alternativa, podemos abandonar o Estado de direito e decidir que isso de direitos liberdades e garantias é muito bonito, mas enquanto houver pessoas a cometer ilicitos, é melhor suspendê-los e darmos os plenos poderes a um ditador…
E’ isso que vocês estão a dizer ?!?
Por favor, tirem-me desse filme ! Isso do Aspirina B, as pessoas a comentar, é mesmo em Portugal, no mundo, em 2011 ?
joão viegas, esta caixa de comentários já deu para tudo, até para rir, só ainda não deu para perceber por que razão se deve por princípio desconfiar da Polícia, sendo essa uma ‘reacção sã e a única admissível’, segundo palavras suas. Isto mesmo que hipoteticamente fosse completamente ilegal o que nos mostram as imagens deste vídeo, o que faria deste um caso isolado, penso eu. Essa desconfiança é que não parece coisa do séc. XXI, nem em Portugal nem em nenhum estado democrático.
Addenda :
E’ que a questão nem é assim tão complicada : sera que um tiro de pistola Taser é uma sanção disciplinar legalmente admissivel ? Se fosse uma pena introduzida no codigo penal, você acharia admissivel ? Tipo : quem cometeu ofensas corporais graves em renicidência incorre numa pena de oitenta e sete tiros de Taser nas costas ou, em alternativa, duzentas chicotadas, amarrado ao pelourinho…
Você concordaria com isso ?
Espera ! Espera !
Penélope, Vega9000, Valupi, por quem sois, não respondam à pergunta !
Por favor, não respondam !
Para castigo, ja me chega o que escreveram até aqui. Prometo emendar-me. A sério até vou votar no partido que propuser liberalizar a venda de pistolas Taser, por forma a que os cidadãos possam servir-se delas na educação dos filhos.
A bem de Nação !
Cara Guida,
A sua pergunta é séria e merece uma resposta séria.
Repare que a propria preocupação de enquadrar legalmente a acção da policia parte do principio de que não devemos confiar angelicamente nas forças de policia, que devemos dar-lhes limites bem precisos, para nos precaver contra os abusos que elas podem cometer, como qualquer autoridade detentora de poder. E os abusos não são fantasias. Quando ha uma desordem, um crime, um mal estar, a policia quer culpados. O povo também, pelo menos no primeiro momento. Portanto num mundo em que nos fiassemos cegamente na acção de quem age animado de boas intenções, muito cedo acabariamos por perder todos as liberdades…
Os regimes liberais nasceram dessa preocupação, contra os abusos do poder absoluto. E é claro que os abusos não desaparecem pelo simples facto de o poder deixar de ser absoluto…
Isto implica que cada cidadão tem não so o direito, mas o dever, de procurar saber se a policia cumpre as regras e de exigir que ela seja sancionada se o não faz. Trata-se de uma atitude de cidadania responsavel, de protecção da legalidade e da liberdade. O facto de o enquadramento ser legal, em principio (mas em Portugal ja não sei), facilita esse controlo, por todos nos, porque podemos saber em que medida é que a policia actua, ou não, no cumprimento das suas obrigações legais.
Vocês vêem séries televisivas e filmes americanos, não vêem ? Ora bem, quando a policia actua, por exemplo lendo os direitos às pessoas que detem, pensam que isso sucede porquê ?
Porque num pais livre, as pessoas exigem que a autoridade actue no mais total respeito da lei, e exigem também que isso possa ser verificado, e controlado, pelo cidadão comum. Não se contentam com partir do principio que é assim e que so pode ser assim, porque o Rei quer o bem do povo…
E verifica-se que, nesses paises, o cidadão comum, não apenas cumpre a lei, mas respeita plenamente a autoridade desde que tenha verificado que as formas são respeitadas. Ha uns anos atras, os membros da policia britânica protestaram contra uma reforma que procurava obriga-los a andarem sempre armados… Achavam, e muito bem, que o respeito que eles inspiram não deve vir principalmente do medo…
Espero ter respondido à sua pergunta.
João Viegas: Mas antes de transitar para o isolamento, admite que os guardas o queiram obrigar a limpar a porcaria, ou fica para a mulher a dias?
Addenda à resposta para a Guida :
Dito de forma mais simples : porque num pais livre, os cidadãos responsaveis (atente-se no que a palavra significa) não deixam as suas liberdades por conta de outrem. A policia e os tribunais, são o que eles querem, são eles mesmos. Por isso é que, por exemplo, a justiça é administrada publicamente, debaixo do olho do cidadão comum, etc.
Eu sei, ou posso saber, porque é que o preso que se vê no video esta preso. Existe uma decisão publica, que posso consultar e que foi tomada em meu nome, de acordo com a lei que eu quis.
Da mesma forma, devo poder saber porque é que ele apanhou um tiro de Taser e, se não houver justificação, devo poder pedir contas a quem, em vez de velar pelo respeito da lei, perverteu os poderes que a lei lhe deu, para a violar…
No dia em que eu levar um tiro de Taser, vou achar normal que outros se preocupem…
Cara Penélope,
Admito que as sanções disciplinares têm como função principal fazer com que o preso tome consciência de que ele tem de cumprir as regras, incluindo as que o mandam limpar a cela (ou não a sujar).
O resto não é com “as mulheres a dias” mas com os funcionarios penitenciarios, cujas condições de trabalho são dificeis e merecem toda a minha consideração. Fui ocasionalmente advogado de guardas penitenciarios. Acompanhei, e continuo a acompanhar as suas acções para que lhes sejam dados meios para que a prisão possa pelo menos fingir que cumpre a função que as leis lhe dão.
Como disse num dos meus primeiros comentarios, tenho plena consciência de que a tarefa não é facil. Mas não vejo em que é que isso invalida as questões que coloquei. Alias, acho que a primeira reinvidincação dos guardas prisionais não é propriamente terem mais pistolas Taser…
joão viegas, não me esclareceu e até me parece que se contradiz, porque, por um lado, afirma o óbvio, que existe necessidade de um enquadramento legal para a acção policial, mas, por outro, diz que ‘o facto de o enquadramento ser legal, em principio (mas em Portugal ja não sei), facilita esse controlo, por todos nos, porque podemos saber em que medida é que a policia actua, ou não, no cumprimento das suas obrigações legais’, e ainda que ‘a justiça é administrada publicamente, debaixo do olho do cidadão comum, etc.’, pelo que se deduz que talvez até seja uma actividade mais escrutinada pelos cidadãos do que outras, o que reduz os motivos para desconfiarmos, certo?
Agora sou eu que digo, não sei como é aí em França, mas por cá, e não só, como podemos verificar nas tais séries americanas, não são só os polícias que têm de respeitar a Lei, somos todos, de todas as classes profissionais. Apesar disso, em todas há abusos e criminosos, não nos passa é pela cabeça desconfiar, por princípio, de tudo e de todos por causa disso.
OK, então o problema é com o “por principio”. Admito que possa ter sido uma expressão infeliz.
O que eu quis dizer é que, da mesma forma que devemos desconfiar quando vemos um tribunal julgar com a porta fechada (embora isso seja admissivel em casos excepcionais definidos por lei), devemos desconfiar quando nos mostram um video em que a policia utiliza, numa intervenção que tem todas as aparências de ser disciplinar, uma medida que não percebemos como possa ser uma sançãodisciplinar legalmente admissivel.
De maneira mais geral, devemos estar se sobreaviso de cada vez que se atenta a uma liberdade ou a um direito fundamental (mesmo quando por parte da policia e mesmo que em relação a um recluso) e não nos podemos furtar a verificar pela nossa propria cabeça se as condições legais minimas para admitirmos a restrição desse direito, ou dessa liberdade, se encontram reunidas. Por conseguinte, não nos devemos contentar com o raciocinio simplista : se a policia o fez, é porque deve ser legal.
Foi isso que procurei dizer quando falei em desconfiança por principio e é isso que me parece natural, e salutar, na reacção do Daniel de Oliveira descrita no post.
Esta melhor assim ?
O “por principio” vem porque a desconfiança é, e deve ser, mais importante quando estamos a falar de pessoas que têm poderes acrescidos e meios mais importantes de atentar aos direitos e liberdades, como é o caso das forças de policia.
Não implica que elas tenham por sistema uma maior propensão para agir mal, apenas que têm uma maior propensão para o abuso de poder, precisamente porque têm mais poder…
A posse de armas esta legalmente muito regulamentada. Se você se cruzar com alguém na rua com uma arma à cintura à cow-boy, a sua primeira reacção vai ser ficar mais descansada porque sabe que é preciso autorização e que, o mais natural, é a pessoa estar sob controlo ?
So isso.
Penelope, tu tens uma fixação com a limpeza daquela cela. Eu não queria menorizar a questão dos germes, mas acho que o dilema não é entre a limpeza da cela e o uso do taser. O dilema é entre o taser e outra medida qualquer adequada como medida cautelar ou disciplinar, naquelas circunstâncias. E para isso, é fundamental tomar primeiro consciência do que é um taser, dos efeitos que provoca e dos riscos que lhe estão associados, para depois, aí sim passarmos à fase de avaliarmos a oportunidade e justeza do seu uso, através da comparação com outros meios.
Quanto à questão da desconfiança por princípio, tenho muita pena, mas sim. É precisamente por desconfiarmos por princípio da autoridade que a controlamos. Seja a policia, sejam políticos. Eu não exerço vigilância sobre quem não desconfio, é tão simples quanto isto. É bom que a autoridade se habitue a isso e não amue. Se acharem muito dura a expressão, podem substituí-la por outra que vos acalme a consciência.
Só mais uma dúvida: aquela acção foi assumida como medida disciplinar ou como uma forma de retirar simplesmente o preso da cela, de forma a poder transportá-lo para local mais salubre e limpar a cela? Se é a primeira, (e estou-me nas tintas para o que diz a lei ou o manual de procedimentos), acho condenável. Punir com uma forte descarga eléctrica no lombo? Náááá… Se é a segunda, não é simplesmente adequada. Para alguma coisa aquelas forças especiais são armários blindados, se não quisessem usar outros meios, incluindo gás paralisante. Alguém quer adiantar alguma coisa? Mas sem a converseta de papel selado dos protocolos, faxavor.
joão viegas, desconfiar por princípio, que é bem diferente de criticar situações pontuais, mais do que uma expressão infeliz, é revelador. É uma espécie de presunção de culpa, até prova em contrário, todos os que detêm algum tipo de poder são potenciais culpados. Se todos pensássemos assim não sei onde isso nos levaria.
E não percebo os seus exemplos. Por que devemos desconfiar dos julgamentos à porta fechada, mesmo que, tal como diz, só aconteçam em situações excepcionais e previstas na Lei? Se não estou enganada, muitas vezes até é para proteger as vítimas de alguns tipos de crime e testemunhas, e não os agentes da Justiça.
Quanto a cruzar-me com alguém de arma à cintura, que não seja polícia, militar ou caçador, por exemplo, assim tipo cowboy, confio que as autoridades não o deixam ir muito longe nessa pose, lá está. :)
Pedro, pouco mais há a acrescentar da minha parte, a não ser isto:
Perante aqule vídeo, vocês dizem – Abuso de poder, violência sobre pessoa desprotegida, é o que dá dar armas a polícias: à primeira oportunidade, violentam os cidadãos, são ligeiros no gatilho. E aquilo foi legal? Quem lhes deu autorização? Desconfiar sempre de um polícia/guarda prisional. O que fez o homem para merecer tal tratamento, afinal? E os direitos, os direitos dos seres humanos?
Pois bem, não é o meu caso. Vejo ali um grande selvagem asqueroso e presumivelmente provocador e manhoso, em primeiro lugar, e, em segundo, polícias ou guardas a usarem uma «taser» com conhecimento da hierarquia e a filmarem a cena para a enviarem a quem de direito. Pelo caminho aleijam o homem com uma arma que, embora forte, não provoca fracturas nem hematomas nem morte, eventualmente para o vergarem e o levarem depois a comportar-se como ser humano e a respeitar os outros, que, aliás, já começavam a revoltar-se.
Claro que me questiono-me se haveria outros meios a utilizar naquele caso, que teriam forçosamente de doer, dados os antecedentes que podemos imaginar até se ter chegado ali. Como não tenho resposta, não me ponho a teorizar sobre a irresponsabilidade e os abusos das forças da ordem.
Diferenças de perspectiva. Mas, se a desconfiança dos polícias em geral, mesmo perante aquele comportamento animalesco e perigoso, vos faz sentir mais de esquerda, quem sou eu para o impedir?
Cara guida,
Se quiser achar que eu sou muito bera e que tenho o temperamento de um potencial Che Guevara, tudo bem, assumo, declaro-me culpado e vou ja para o canto da sala com as mãos na cabeça.
Mas por amor de deus : partir do principio que todos os detentores de autoridade são presumivelmente culpados de abusar do seu poder não foi, nem por sombras, o que eu pretendi dizer no meu comentario. Se foi isso que você leu, e se a culpa é minha, as minhas desculpas e o meu mais formal desmentido. Considero que os titulares de funções de autoridade beneficiam, e devem beneficiar, da presunção de inocência, exactamente como os demais cidadãos e pelas mesmas razões.
O que eu quero dizer com os exemplos é o que vejo que, no fundo, você compreendeu. Se existe uma situação anormal – os Tribunais julgam normalmente de forma publica, mas neste caso não me deixam entrar, as pessoas andam normalmente desarmadas, mas este zé traz ostensivamente uma pistola à cintura – você vai procurar saber se existe jutificação para isso e, se achar que não ha, tomar precauções. E, muito provavelmente, vai sentir um certo desconforto se realizar que vive rodeada de pessoas que não têm esse reflexo e que, se amanhã, acontecesse um problema sério (olhando para a historia, não parece de todo impossivel), de muito pouco lhe valeriam para salvaguardar as suas liberdades e os seus direitos fundamentais. Eu, pelo menos, vou sentir esse desconforto !
Caro Pedro,
Eu devo ser mesmo bastante mau porque as suas perguntas são exactamente aquelas que eu procurei levantar no meu primeiro comentario. Tanto quanto pude ver (num artigo do I), a administração diz que a acção ocorreu num quadro disciplinar. A ver vamos…
Seja como fôr, não percebo porque é que você diz que não lhe interessa a lei e o regulamento. E’ mesmo ai que reside o problema. De acordo com o princpio nulla poena sine lege, as sanções deviam estar exaustivamente definidas por escrito (tipo “as sanções disciplinares são : a advertência, a repreensão, a suspensão deste ou daqueloutro direito por duração até tantos meses, etc., a colocação em cela disciplinar sob regime de isolamento”). Portanto ou o tiro de pistola Taser estava incluido nesse cataolgo (não vejo como, mas pronto), e então temos potencialmente um problema de compatibilidade entre o texto que define as sanções e a constituição, e a CEDH, ou não estava e temos então, se o motivo fôr disciplinar, uma medida radicalmente ilegal, por constituir um desvio de poder.
O facto de existir um catalogo pré-definido de sanções não é, repare, uma minudência juridica. E também de bom senso. Vamos admitir, por absurdo, que o tiro de Taser consta da lista de sanções, então o video que vemos ocorre numa altura em que o preso ja sabe que sofreu uma sanção (foi notificado, até, com direito a recurso), antes disso houve um procedimento, disseram-lhe : meu amigo, você sabe que tem de limpar a cela e sabe que quando o não faz sujeita-se a um tiro de Taser, o que tem a dizer acerca disso ? a seguir a comissão de disciplina retirou-se, avaliou a utilidade da sanção, nomeadamente tendo em conta a personalidade do preso, etc. Não estou a dizer que, neste caso, eu seria favoravel à utilização do Taser (como também não o seria para castigos corporais), mas convenhamos que esse contexto que acabo de descrever, se existisse, far-nos-ia olhar para o video com outros olhos do que se, como aparenta ser o caso, estamos perante alguém que vê um dia a policia irromper na cela, dizer-lhe “Você limpa ou não limpa ? Não limpa, então vire-se de costas” e catrapuz, tiro nas costas…
Em desespero de causa, ja esta mais do que provado que eu sou um zero à esquerda a exprimir ideias (esta é so para ver se existe algo mais elevado do que Einstein no Panteão do Valupi), vou sugerir, sim desta vez digo bem SUGERIR o seguinte : a questão da existência de um direito disciplinar dentro da prisão, não é so, nem é principalmente, acerca da culpa dos guardas que vemos no video, ou do ministro da justiça que deve responder por eles.
Trata-se mais simplesmente de saber se queremos, ou não, que as nossas prisões cumpram a sua função de favorecer a reinserção dos delinquentes no espaço social, ou se nos contentamos com uma situação em que elas, manifestamente, têm a função precisamente inversa…
Cara Penélope,
Diz você “Vejo ali um grande selvagem asqueroso e presumivelmente provocador e manhoso”.
Pois ai é que esta exactamente a raiz do problema. Ou antes dos problemas :
Problema numero 1 : Felizmente, vivemos numa sociedade em que ninguém, nem mesmo a policia, esta autorizado a agir em relação a um ser humano (dois braços, duas pernas, um tronco, uma cabeça, uma voz, todas as aparências de se tratar de um ser consciente, que ouve, que até responde aos comandos, etc…) como se se tratasse de um cão raivoso. Isto por uma razão simples : ninguém, nem sequer você, cara Penélope, esta ao abrigo de ser considerado um dia dessa maneira por outras pessoas. Infelizmente…
Problema numero 2 : Quando o Daniel Oliveira, ou o Pedro, ou eu questionamos a legalidade do procedimento, não estamos a dizer, nem sequer a pensar, que os guardas que se vêem no video são “grandes selvagens asquerosos e presumivelmente manhosos”, nem tão pouco a pedir, ou sequer a sugerir, que eles sejam tratados como tal.
Não é essa a nossa objecção…
joão viegas, entre muitas outras coisas, escreveu isto: “Não implica que elas tenham por sistema uma maior propensão para agir mal, apenas que têm uma maior propensão para o abuso de poder, precisamente porque têm mais poder…”
Se esta frase, algo confusa, já que na minha modesta opinião abusar do poder é agir mal, não é presumir culpa… sou eu que mereço ir de castigo. Seja como for, substituo ‘potenciais culpados’ por ‘potenciais abusadores de poder’.
Mas cara Guida, não vejo mesmo onde esta o problema :
Vamos à proposição logicamente inversa : “quem não tem poder, tem menor propensão para abusar do poder (que não tem), do que quem tem poder”. Concordara com isso, julgo eu…
Acho que o problema esta antes numa confusão entre “potencial” ” “presumivel”. O primeiro adjectivo implica apenas uma possibilidade. E’ o que justifica o controlo : devemos controlar porque PODE haver abuso. Como diz o Pedro, o controlo implica, por definição, que se olhe para a pessoa controlada como para quem PODE abusar (um “potencial” abusador).
Presumir é outra coisa, é partir do principio, antes mesmo de ter verificado, que a pessoa abusou. E’ colocar na pessoa o onus de provar que ela não abusou…
Não me parece que seja o que o Daniel Oliveira faz na frase que lhe é atribuida, nem o que nos fazemos aqui nesta caixa.
Vemos uma situação de agressão (tiro de Taser : pum e a seguir aaaai, e a seguir imobilização, e palavras de ameaça “se você não se comportar, etc.”) e pedimos uma justificação, ja que estamos perante uma actuação apenas admissvel em casos excepcionais.
Quando estamos a pedir a justificação de uma actuação factualmente documentada, e de resto perfeitamente assumida, não estamos a “presumir”, mas a constatar.
Se perante o juiz você admitir que deu uma bofetada no Valupi (por exemplo) e se ele lhe perguntar a seguir : “mas porque é que você fez isso, ele tinha-a agredido, ou ameaçado ? ” o Juiz não esta a atentar à presunção de inocência, ou esta ?
Ou então estamos a brincar com as palavras : em rigor, podemos presumir que a policia, ou qualquer pessoa, é POTENCIAL culpada. Isto não quer dizer nada, apenas que presumimos que ela é livre. O que não devemos é presumir que a pessoa E’ culpada, ou seja julgar sem provas. Mas não é o que acontece nesta discussão (pelo menos não me parece que seja…).
Esta desfeito o equivoco ?
Ainda me estou a rir, os exemplos estão cada vez melhores… mas não é boa altura para me imaginar a dar uma bofetada ao Valupi, é que cada vez concordo mais com ele quando diz que o joão é um génio das caixas de comentários. :)
Entretanto, vou ali à procura do significado da palavra ‘propensão’. :)
Tem toda a razão, João Viegas. O que eu quis dizer saiu-me de forma desastrada. Vou tentar explicar: Quando vi o video, a primeira coisa que me ocorreu foram princípios fundamentais de direitos liberdades e garantias da Constituição e o catálogo de direitos humanos. Pensei, não pensando. É intuitivo e julgo que sera assim para a maior parte. Foi nesse contexto que enquadrei o uso daquela arma, e é nesse contexto que enquadraria mesmo agora esse pormenor, em que não pensei na altura, de não ter sido avisado o preso de que iria levar com o Taser. Leis ordinárias e regulamentos terão de se conformar com esses princípios e ponto final. Se estão de acordo, tudo bem, se não estão, não. Pensei, mal, que me bastaria essa indignação primária com o que vi.
É claro que o nulla poena sine lege é também um direito fundamental, mas não me ocorreu na altura (vim a pensar nisso depois, horrorizado), que aquele acto poderia ser uma pena disciplinar. E é óbvio que a actuação dos guardas deverá ser sujeita a apertadas regras de procedimento e disciplina (bem como os presos). Quanto mais não seja, porque só assim se garante a ordem e disciplina numa prisão e porque também só dessa forma se poderá avaliar da legalidade da actuação dos agentes.
Penélope, eu, tu, qualquer pessoa, podemos julgar e dizer que aquela pessoa é asquerosa, chamar-lhe porco, manhoso, selvagem, etc. Acho que são juizos muito precipitados (muito pouco sabes dele, na verdade), mas de qualquer maneira não lhe fará grande mossa, porque ele nem tem internet na cela, de certeza. Mas não podem os guardas, pensem o que pensarem sobre ele, agir de acordo com isso. Portanto, com todo o respeito, é irrelevante para a discussão o que pensas dele. Os guardas não podem agir através desses padrões de avaliação. São profissionais treinados (ou devem ser) para agir friamente perante um ser humano em circunstâncias excepcionais, sem fazer juizos de valor. O trabalho é dificil, mas também é dificil a vida de uma pessoa encarcerada e deve ser tratada com firmeza necessária e suficiente, mas nunca perdendo de vista a dignidade que lhe é devida enquanto ser humano. E a dignidade não deve ser graduada de acordo com o cadastro do indivíduo. Para mim, aquele homem, para além de dignidade, merecia cuidados acrescidos, porque me parece que precisa mesmo de tratamento psiquiátrico, mas se os senhores doutores disseram que não, quem sou eu.,
Pedro, voltamos à base? Num Estado de direito há regras, nomeadamente para o sector prisional. Há regras para os reclusos e regras para os agentes da ordem. Este recluso violou claramente as regras. Além disso, pôs em perigo a sua própria saúde e a dos demais reclusos, assim como a dos guardas. Perdeu a dignidade e tornou-se uma ameaça.
O regulamento prisional prevê certamente procedimentos para lidar com casos difíceis e, mais do que difíceis, perigosos e insustentáveis. Se não prevê procedimentos para este caso específico, nada me diz, muito pelo contrário, que o assunto não foi previamente discutido e as medidas acordadas.
Aqueles polícias aparentam estar a cumprir o seu dever, sem sadismo, com sangue frio e, já agora, com máscaras. Se não estiverem, serão sancionados, sanção para a qual se mostraram disponíveis ao apresentarem o vídeo a quem de direito.
Fim de conversa.