Na terça-feira, o plenário do Conselho Superior da Magistratura rejeitou uma impugnação — por maioria — de José Sócrates contra o grupo de trabalho que pretende estudar formas de acelerar a tramitação do processo Operação Marquês. Esta notícia foi completamente desprezada pelo editorialismo e pelo comentariado. Se sairmos à rua a perguntar do que se trata, um em mil conseguirá acertar (e estou a ser desvairadamente optimista).
Mas trata-se de algo com alguma importância. Começando pelo CSM, importava saber qual o resultado da votação para além da informação relativa à falta de unanimidade. Imaginando que houve apenas 1 voto a favor da impugnação, importaria saber de quem e a sua justificação. Mas, ignorando isto e ficando com aquilo, eis que a questão levantada teve, pelo menos, o mérito de receber plena legitimidade e justiça por parte de uma parte do CSM. Não é pouco, tendo em conta o que está em causa.
E o que está em causa já foi verbalizado publicamente por Sócrates em Dezembro:
«Entretanto, o Conselho Superior da Magistratura criou um grupo de trabalho para “acompanhar de perto” o Processo Marquês, instituindo assim uma tutela administrativa sobre o poder judicial num processo penal. O Processo Marquês já era um processo de exceção, agora é-o formalmente — uma lei para todos, outra para este processo.
Nunca uma coisa destas aconteceu. Mas o Processo Marquês está cheio de primeiras vezes e ninguém diz nada — o único tópico permitido no debate público são as manobras dilatórias da defesa, nada mais deve existir.»
Assim é, exactissimamente. Estamos perante um processo de excepção, não só com o acordo mas também a cumplicidade activa do regime, do sistema partidário, da imprensa e da sociedade. A mole de fanáticos e broncos que se baba com o linchamento de Sócrates em nada se distingue, quando muito até merece compaixão, da legião de especialistas nas mais variadas áreas do Direito, da política, da História e da comunicação profissional que se calam, uns, e alinham com a acusação, outros, perante a violência exercida sobre os cidadãos apanhados na Operação Marquês.
Donde, maior a curiosidade para conhecer quem é aquela e/ou aquele que no CSM deixou a prova da sua coragem e da sua liberdade.
Faco copy paste:
“Comecemos assim. O Processo Marquês nunca foi a julgamento por duas razões – ambas decisões judiciais. A primeira decisão é de 2021 e considerou que nenhuma das acusações estava indiciada. Nenhuma delas tinha mérito para ser discutida em julgamento. Palavras do Tribunal Central de Instrução Criminal: acusações fantasiosas, especulativas e incongruentes. A segunda razão e uma decisão judicial da Relação de Lisboa que derrubou a pronúncia de 2021 (a chamada pronúncia Ivo Rosa), considerando-a como uma “alteração substancial de factos” e, portanto, ilegal e ilegítima. Em consequência, podemos afirmar, contra toda a campanha mediática em curso, que o Processo Marquês nunca foi a julgamento, não por causa de nenhuma “manobra dilatória”, mas em razão de duas decisões judiciais que puseram em causa a acusação inicial e a pronúncia feita mais tarde. Esta e a verdade dos factos. Compreendido?
Segundo ponto, igualmente importante para a compreensão do estado actual do processo. Ambas as decisões – a que considerou não-indiciadas as acusações (de 2021) e a que derrubou a pronúncia (de 2024) tornaram-se efectivas no momento exacto em que foram proferidas. Em consequência, neste momento não pesa sobre mim nenhuma acusação, nem pronúncia. Ao contrário do que dizem para aí, esta é a situação de facto. Compreendido?
Mas então o que sobra, perguntarão? Bom, sobra um acórdão de janeiro – o chamado acórdão do “lapso de escrita”. A história é assim: em 2024, um Tribunal da Relação de Lisboa (um tribunal ad hoc, composto, ilegalmente, por uma juíza entretanto transferida para a Relação do Porto e por uma juíza transferida para a Relação de Guimarães) proferiu um acórdão dando provimento parcial ao recurso do Ministério Público. As senhoras juízas fizeram assim: declararam existir um “lapso de escrita”, alteraram o crime e agravaram a moldura penal. Voilá: eis como um pequeno passe de prestidigitação judicial muda tudo – muda a acusação, muda o crime e muda a moldura penal.
Mas o que é, afinal, esse “lapso de escrita”? Bom, é o seguinte: os sete procuradores que assinaram a acusação enganaram-se no crime – enganaram- -se todos e enganaram-se todos ao mesmo tempo. Na parte mais delicada da acusação, na imputação do crime, os sete procuradores enganaram-se. Acontece que nos três anos de instrução nunca este lapso foi referido. Mais ainda: em 2018, os procuradores entregaram um documento ao tribunal pedindo para serem alterados alguns “lapsos de escrita”. O documento tem 15 páginas, tenho-o à minha frente, e não faz qualquer referência a este lapso. A verdade é que este lapso nunca existiu. Este lapso é pura ficção.
O que está agora em causa é este acórdão. A deriva penal em desenvolvimento parece querer substituir o velho princípio da “ampla defesa” pela ideia de uma “defesa mínima consentida”. Para alguns, recorrer do acórdão é usar “manobras dilatórias”; para outros, contestá-lo, é ter “medo de ir a julgamento”. Bem vistas as coisas, o mero exercício da defesa é visto como um pecado contra as instituições. Todo o recurso é suspeito.
Entretanto, o Conselho Superior da Magistratura criou um grupo de trabalho para “acompanhar de perto” o Processo Marquês, instituindo assim uma tutela administrativa sobre o poder judicial num processo penal. O Processo Marquês já era um processo de exceção, agora é-o formalmente – uma lei para todos, outra para este processo.
Nunca uma coisa destas aconteceu. Mas o Processo Marquês está cheio de primeiras vezes e ninguém diz nada – o único tópico permitido no debate público são as manobras dilatórias da defesa, nada mais deve existir.
Depois do grupo, é a vez de o juiz da Relação de ser fiel às recomendações, à política do facto consumado e à reclamação para o Totta. Decide, então, enviar para julgamento um acórdão que não transitou em julgado e que não é uma pronúncia. Na mesma onda, a juíza de instrução, sem ler o que quer que seja, despacha-o em poucos minutos – “atentos os prazos prescricionais, remeta-se imediatamente…”. Mas quais prazos, quais crimes, qual pronúncia? Nada disso interessa – o Processo Marquês é o faroeste jurídico: aqui, neste processo, fazemos a nossa própria lei. Dez anos depois querem promover um julgamento sem acusação e sem pronúncia.
Talvez deva lembrar os mais esquecidos que não temo as campanhas mediáticas organizadas – enfrento-as há dez anos sem quebra de ânimo. As notícias recentes que pretendem criar a ideia de um julgamento inevitável, é de que estão apenas a encerar o chão onde o espetáculo se vai realizar, são notícias fabricadas pelo Ministério Público e pelo grupo de trabalho do CSM que não me impressionam, nem me condicionam. São apenas um regresso ao pior do que já aconteceu no passado. Assim, calmamente, insisto no argumento – não pode haver julgamento sem pronúncia ou sem acusação. E acrescento – o infame acórdão continuará sob recurso.
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.
OpiniãoJosé SócratesProcesso MarquêsAntigo primeiro-ministro”
O sistema judicial portugues e uma latrina imunda.
Coitado de quem algum dia se ve obrigado a usa-la ,ou pior, ser usado la dentro.
E o Procurador Geral da Republica, que nao era magistrado a data da sua nomeacao e que completara 70 anos brevemente, continua em funcoes, a total revelia dos estatutos que regem a funcao.
fui ver a lista actual do conselho. o primeiro que me apareceu está lá há 23 anos pela cota do psd e tem relações com a extrema-direita. quem manda naquilo são os indicados pela corporação e o presidente desempata se for necessário, coisa que não acontece porque são mais que as mães e até dá para emprestar votos aos casos mais populares.
A socratofobia e a russofobia são processos de lavagem cerebral com algumas semelhanças. A sua principal ferramenta de trabalho é a proclamação eloquente de mentiras de forma minimal repetitiva.
«Nunca uma coisa destas aconteceu. Mas o Processo Marquês está cheio de primeiras vezes e ninguém diz nada — o único tópico permitido no debate público são as manobras dilatórias da defesa, nada mais deve existir.»
Caro Sócrates, são os pequenos cesarismos, stalinismos, putinismos, un-ismos, xipinguismos, aiatolismos, etc., e actualmente, de súbito, o trumpismo, que sempre existiram no interior do poder; os grupos palacianos. No teu caso é ao nível da justiça que um grupo se organizou para exercer um poder atribuído democraticamente para o subverter. Em proveito de quem? É a questão.
Para além do, em si, gozo do poder pretenderá tal grupo vir a ser, desse modo, o futuro ‘poder’ total dos interesses no país? Atuará de moto-próprio convictos que o séc. XXI é ou deverá ser o do poder dos juízes como deram em entender no célebre congresso de Vila Moura pago pelo Salgado ou estará ligado a interesses económicos de rapina disfarçados de sombras? Logicamente não teriam a impertinência de tal atuação se não contassem com apoios de outros interesses económicos-ideológicos.
Mas, sobretudo, penso, que foi toda a esquerda e, especialmente, o PS que cometeu o seu grande erro histórico ao não defender o seu Presidente e Primeiro Ministro com a mesma determinação que o fazia Soares já “ancião” (assim o apelidava o pulha do JMF no ‘Público’, a cada parágrafo, e que mereceu resposta adequada sobre o tema do próprio Soares). Foi a própria esquerda no global que, pensando em si próprio sem mais, deu gás para
a fogueira em que atualmente andam a ser queimados.
Mete dó, hoje em dia, ver essa mesma esquerda cabisbaixa sem argumentos aceitar que Sócrates tem de ser julgado e condenado sem provas, a qualquer preço, por motivo de manter a ‘sanidade’ da justiça portuguesa; isto é por uso de falsidade de uma mentira piedosa.
Pelo que Valupi aqui relata já há quem corajosamente defenda no CSM a legalidade da justiça no caso Sócrates: também entre o povo já muita gente torce o nariz por lhe cheirar mal o tratamento “especial” e “lapsos de escrita” inscritos no processo do princípio ao fim, tendenciosamente.
Et voilá, estamos a chegar ao ponto que o bostas sonha há muito tempo!
É PRECISO TER CORAGEM
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