Seria fascinante – ou, às tantas, de um aborrecimento invencível – poder observar o que atravessou a cabeça de Vítor Gaspar nesse qualquer tempo que mediou entre ter recebido o convite para ser o procônsul da Troika para a região de Portugal e o momento em que se decidiu a aceitar o fardo, mesmo que isso o obrigasse a ter como secretário um tal de Passos Coelho. Em que terá pensado? E, talvez ainda melhor pergunta, quanto tempo demorou a reflectir? Semanas? Naaaaa… Dias? Se sim, muito poucos. Horas? Não seria nada que espantasse. Minutos? É possível, especialmente quando nos recordamos que uma hora costuma ter sessenta deles. Segundos? Esta seria a minha aposta, pelas razões que se seguem.
Como o vídeo que a Penélope trouxe mostra, Gaspar é capaz de falar com a fluência de uma pessoa normal. Para tanto, basta que lhe indiquem estar perante estrangeiros. Aí, começa logo a descontrair pois sabe que poderá palrar em inglês, a língua do seu coração. Ora, essa normalidade contrasta enigmaticamente com o que lhe acontece ao ter de falar português e para portugueses. Tal como as suas conferências de imprensa lusitanas exibem, e logo desde a primeira, a prosódia gasparina é feita de um ritmo que só conhece dois andamentos: devagar e devagarinho. Como se temesse ainda assim ir rápido de mais para as capacidades de assimilação da audiência, quase todas as palavras lhe saem antecedidas e procedidas de uma pausa. Essa apneia não se deve a eventuais problemas graves do foro cardíaco ou asmático, antes a uma intenção. O que ele intenta filia-se na tradição iniciada por Comenius em 1649, ano em que publicou a Didactica Magna – cujo subtítulo não pode ser mais optimista ou desvairado, é escolher: “ensinar tudo a todos“. Nesta obra se encontram os princípios da pedagogia como ciência e do ensino como arte. Em particular para o assunto, nela se encontra uma imagem que explica o espectáculo que tem deixado intrigados jornalistas e vulgo por igual:
Não há no mundo um penhasco ou uma torre tão alta que não possa ser escalada por quem quer que tenha pés, desde que a ela se encostem as escadas necessárias, ou então, talhando as rochas no lugar e com a ordem apropriada, nela se façam degraus, e, do lado dos precipícios perigosos, se ponham defesas.
Numa torre alta, daquelas que rasgam o céu, é onde Gaspar se sabe a morar. Ele chegou a partilhar o segredo para se subir a patamares tão estratosféricos: foi graças a uma educação “extraordinariamente cara”, a qual durou algumas décadas, e a qual o motiva para estar agora entre nós a vocalizar a conta-gotas – porque, e lá está, o que ele nos diz é para o nosso bem, trata-se de um verdadeiro fármaco. É o remédio contra a nossa ignorância, nós os desgraçados que tivemos educações apenas caras; ou nem isso, talvez só daquelas que se pagam com os impostos dos outros. Maneiras que ele aí está disposto a ensinar-nos tudo o que sabe e de uma forma adaptada às nossas limitantes dificuldades.
Este o quadro no qual se funda a minha crença de ter demorado breves segundos a sua resposta ao convite para vir tomar conta disto. É que uma vocação pedagógica desta grandeza e altruísmo não aparece de repente. Isto é tarefa de uma vida. Uma vida fechado em gabinetes a olhar para números, vida que era interrompida a intervalos regulares para se fechar em salas de reunião com outros colegas que também passavam a vida fechados em gabinetes a olhar para os mesmos números. Como é óbvio, essas são as condições ideais para desenvolver ideias superiores, ideias que jamais poderiam ser desenvolvidas por aqueles que passam as suas inúteis vidas fora dos gabinetes onde se olha para os números. Perante a oportunidade de poder ensinar um povo tão carente de elevação e conhecimento, Gaspar não terá hesitado mais do que o tempo que gasta nas suas pausas misericordiosas.