Francisco Assis, francamente

Graças ao Público, de rajada o PS foi transformado no camarote da dupla Statler e Waldorf. No dia 25, Sérgio Sousa Pinto revelou à deliciada Ana Sá Lopes que isto da política é uma maçada e que o PS é uma piolheira. Tal como aconteceu ao Pacheco, também este cavalheiro ganhou alergia ao circuito da carne assada. Se lhe continuarem a dar uma cadeira no Parlamento, mas nas filas de cima, e umas colunas no Expresso para desanuviar, isso será uma felicidade olímpica onde se poderá dedicar sossegado e altivo a ler os clássicos, a varejar nos pós-modernos e a epater les burgessos com bojardas como essa de lançar Francisco Assis como potencial candidato a secretário-geral dos socialistas quando Costa saltar para outras cavalgadas. No dia 26, o convocado Assis surgiu embalado a ultrapassar o camarada Sérgio pela direita. Afundando-se no regaço de Maria João Avillez, esta operática figura lembrou-se de reescrever duas histórias: a do País e a sua.

Avillez, assumindo às escâncaras o papel de mandatária do regresso de Passos à liderança do PSD, teve um momento inigualável na carreira pois conseguiu levar um socialista com o percurso e protagonismo do recém-eleito presidente do Conselho Económico e Social a deixar para a posteridade o seguinte:

MJA - Concluindo, aceitou falar de Pedro Passos Coelho. Em duas palavras, quem é?
FA - Convicção e determinação, o que não é negativo. Tem méritos e tem defeitos. Usei o "intransigente" mas não significa sectarismo - é a personalidade dele. Não nego nenhuma das divergências que tive com ele, em muitas áreas, mas acho francamente que o País lhe deve alguma coisa. Pela forma como governou naquele contexto, sempre com a mesma serenidade e seriedade e absolutamente convicto que estava a servir o País. É uma personalidade que deveria ser respeitada e valorizada.
MJA - Não é?
FAC - Deveria ser muito mais.

Termina assim um exercício onde uma suposta jornalista faz uma suposta entrevista a um suposto socialista. Mas, a quem calhar ler o resultado, aterra-se no meio de uma operação de campanha onde Passos Coelho é apresentado e legitimado como o salvador da Pátria que, incompreendido e escorraçado pelos malvados esquerdalhos depois do seu sacrifício heróico entre 2011 e 2015, vive hoje solitário e orante numa escura floresta ou longínquo deserto (talvez nos dois locais ao mesmo tempo, visto estarmos a falar de um ser que já não toca com os pés na terra). Assis não só papou isto tudo como vinha preparado para se juntar à festa. Os trechos seguintes são inenarráveis de sabujice, santificação em curso e puro delírio:

FA - Aquilo que talvez mais aprecie na sua figura: foi um homem que pensou que era possível estabelecer com o País uma relação, não com base no discurso da ilusão, ou até de um discurso de esperança vã - que muitas vezes se faz - mas apresentando ao País aquilo que sabia serem sérias dificuldades. E nunca as trocando pela oferta de um caminho fácil. Há um amigo meu - uma personalidade interessante do País - que me dizia, aqui há tempos, que o Passos Coelho foi dos poucos políticos que o tratou como um adulto, os outros têm tendência para o tratar como uma criança. O que ele queria dizer é que os políticos têm tendência para produzir discursos encantatórios, correndo o risco de gerar a grande desilusão. Passos Coelho não se preocupou muito com isso. Fez o discurso das dificuldades e dos problemas. [...] Deliberadamente não semeou esperanças vãs e, hoje conhecendo-o um pouco melhor - a vida levou a que isso ocorresse nos últimos anos - acho que não é capaz, até por uma questão de reserva interior, de produzir esse tipo de discursos. Esteve sempre mais preocupado em explicar às pessoas as dificuldades reais do País, em vez de as adocicar. [...] Do que não tenho dúvidas é que agiu com uma grande seriedade, ocupando-se em libertar o País da situação em que estava, em vez de passar o tempo a criticar o Governo anterior... Nunca fez isso. E hoje é um homem praticamente em silêncio. São características um bocadinho incomuns na política que fazem dele uma personalidade especial na nossa vida política. [...] Passos Coelho é portador de um passado que lhe permite imaginar um futuro.

Que cagada é esta? Que vendaval de “factos alternativos” é este? Que monumental bebedeira apagou da sua cabeça a responsabilidade de Passos no chumbo do PEC IV, na campanha eleitoral mentirosa como nunca se tinha visto em democracia que se seguiu, na fúria destruidora e fanática do “ir além da Troika”, nos ataques ao Tribunal Constitucional, no desprezo com que provocou sofrimentos e misérias em milhões de portugueses só para o FMI ver e lhe dar medalhas de bom comportamento, na politização da Justiça e judicialização da política com que perseguiu e castigou companheiros de Francisco Assis, na constante e maníaca diabolização de Sócrates e dos seus Governos logo a partir do começo de 2012, na entrega de Portugal a preço de saldo ao domínio estrangeiro para poder aparecer com o retrato da “saída limpa”, no aproveitamento de um problema na liderança no BES para uma vingança pessoal que causou um cataclismo financeiro e social, e na forma como se preparava para continuar com a demência selvagem da “austeridade salvífica” caso continuasse a governar?

A internet está cheia de recordações que ilustram como Francisco Assis começou a desvairar a partir da derrota contra Seguro em 2011. De lá para cá, as suas contradições só se têm vindo a agravar, os seus erros de análise sobre a situação política com Costa a governar atingindo o paroxismo da estupidez, chegando a este grau prodigioso que a entrevista ilustra. Pelo que vou só deixar três exemplos da flexibilidade mental, e moral, de quem talvez devesse pensar seriamente em mudar de partido:

Francisco Assis vê na política do PSD práticas do Estado Novo2014

Assis acusa Passos Coelho de praticar política «trágica»2014

“Não pode haver compromissos com esta direita extremista”2015

Assis, francamente, não tens mesmo a noção?

11 thoughts on “Francisco Assis, francamente”

  1. Como muitos outros na politica ( e não só…), Assis aposta as suas fichas na falta de memória da maralha. Convenhamos que é uma estratégia com provas dadas. Portanto, pq não ?

  2. “Que cagada é esta? Que vendaval de “factos alternativos” é este? ”

    prometeram ao assis que se o passos fosse novamente primeiro ministro o nomearia secretário-geral do partido socialista e o gajo acreditou.

  3. Não sei qual é a dele, mas parece-me pouco que tantas parvoíces sejam o agradecimento à direita pela sua eleição para o novo cargo. Para já, é uma vergonha para quem o vê deste lado. Brevemente, será colunista do Observador.

  4. Não se trata de “erros” nem de “estupidez”, Valupi. O homem é simplesmente um vigarista político, um aldrabão e um oportunista, mas também um vaidosão que tem a sua própria capacidade de aldrabar os outros em altíssima conta. Apenas no sentido em que acredita piamente na estupidez dos outros se pode entender ser ele próprio um estúpido. Os seus raciocínios são propositadamente viciados e aldrabados porque, sendo todos nós, no seu entender, uma cambada de idiotas, acredita poder bolçar as maiores barbaridades sem que ninguém dê conta.

  5. *** mas acho francamente que o País lhe deve alguma coisa. ***

    sim senhora, argumento solido, bem sonante, e claro.
    falta dizer o quê e quanto .
    snr dr juiz este fulano deve-me alguma coisa. Quanto ? Algo .
    Ele é que me deve a mim, assim que me lembre de repente tenho de salários em atraso, meses e meses de contribuição extraordinária e corte do subsídio de natal, este que depois acabou por virar corte no subsídio de férias, ou vice-versa .

    *** Há um amigo meu – uma personalidade interessante do País – que me dizia, aqui há tempos, que o Passos Coelho foi dos poucos políticos que o tratou como um adulto, os outros têm tendência para o tratar como uma criança ***

    pois foi, esse amigo deve ser masoquista, se calhar também levou com os cortes lá em cima, portanto uns valentes estaladões, e gostou, os outros dão-lhe uns tabefes mais ligeiros, e não gosta. Há gostos …

    ***ocupando-se em libertar o País da situação em que estava, em vez de passar o tempo a criticar o Governo anterior… Nunca fez isso***

    nessa ocupação do tempo acho que ainda enterrou mais o País mas há pessoas que acham que o fez com “ grande seriedade “, enfim, opiniões assisninas, quanto ao “nunca fez isso”, Assis devia andar distraído, nessa epopeia libertadora de que se ia ocupando, de quando em vez ia libertando uma frase do estilo “ a receita é minha mas a dívida não fui eu que a contraí “ se isto não é criticar o governo anterior, é o quê ?

    OFF-TOPIC :
    alguém aqui ontem, perguntou acerca de uma pessoa “se ainda andava por aquil”, alguém respondeu “já andei”, o perguntador e associados, que queriam que não andasse mais, não entenderam nada, alguém lhes explique que quanto ao que já andou, nada há a fazer, portanto não há retroatividade possível, quanto ao que falta andar e uma vez que o perguntador olhou para trás e olha para o futuro, o que falta andar, e não quer que ele ande, há retrospetividade. Doutro modo e para os mais estultícios, quando se olha para trás e já nada se pode fazer, e se quer produzir alguns efeitos com relação ao futuro, relacionados com algo em andamento dinâmico, faz-se uma lei e chama-se retrospectiva.

    Já andei .

  6. Deve andar a tomar o medicamento do Trump, (uma cloroquina qualquer), e a sofrer de efeitos secundários. Ou então apanhou um golpe de sol na tola. Só pode.

  7. «Há um amigo meu – uma personalidade interessante do País – … »

    Lembra a história de afamada e nomeada actriz teatral portuguesa, Eunice Muñoz, que na altura ao considerar Santana Lopes o melhor político de Portugal, quando lhe perguntaram porquê, respondeu porque fora o único que alguma vez lhe telefonara directa e pessoalmente.

    Também aqui tudo indica que o tal “amigo meu” que é uma “personalidade interessante” não seja mais que a figura que Assis vê quando se assoma ao espelho.

    Inverter os factos, distorcer a história, inventar carácteres falsos, mentir, ver no outro Deus ou o Diabo conforme convém é um mal que afecta todos os que a ambição ultrapassa as capacidades básicas.

  8. MRocha, long time no see! Chegaste a encontrar o caminho das pedras que há tempos te apontei para a identidade do famigerado editor? Olha que te forneci coordenadas suficientes, bastava ligares o GPS ou mesmo o GLONASS da Moscóvia para lá chegares.

  9. “Francisco Assis, francamente”
    Pois, Valupi, eu acho que é Francisco de Assis, fraca mente, há muito tempo e como sempre foi.

    Off-Topic
    Ah, ah, ah, ah,ah,ah …. e por aí adiante.

  10. Já testemunhei o nojo do Sousa Pinto ao circuito da carne assada… onde nem carne assada havia. O ilustre deputado levou uma manhã a dormitar/ouvindo o Costa, a abanar/pender com a cabeça, a beber água… e nem com um ‘quark’ contribuiu para o debate nem para o esclarecimento dos militantes e simpatizantes do PS . Para ele (e outros) eram favas contadas (foram salvos pela geringonça, coitados), o Costa que fizesse o trabalhinho… Agora, com o lugarzinho na 3ª fila garantido, tem ‘lido os clássicos’ mas duvida-se (e muito) que perceba patavina do que lê. Parlapatice política é o que vai debitando, semana sim semana não, no ‘Espesso’. Já o Assis, useiro e vezeiro no circuito da carne assada, com pós-graduação em leitão, conseguiu enfiar mais um barrete no PS… ou no que resta do PS. Caso falhe a colunazita no Observador ainda tem… O Diabo, para verter o fel que lhe atasca os gorgomilos.

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