Farinha do mesmo saco

Não preciso de repetir o que já quase todos mostraram: que Maria Luís Albuquerque mentiu repetidamente, perante o Parlamento e os portugueses. As suas mentiras não são comparáveis às de quem, como Sócrates e Passos Coelho, fez promessas que não cumpriu.

A saída do parlamento de pessoas como Honório Novo, Ana Drago ou, há uns anos, Diogo Feio (que foi para a Europa), é especialmente grave num momento em que a política vive uma “crise de vocações”. Não posso deixar de admirar a resistência dos que, tendo talento e dignidade, se mantiveram tanto tempo no ativo. E tenho pena que partam. E é também por isso que me incomodam as generalizações sobre os políticos, como se fosse tudo “farinha do mesmo saco”. Esse é o discurso que medíocres e desonestos mais apreciam. Que permite à nova ministra das Finanças mentir como mentiu sem temer pelo seu lugar. Afinal de contas, ela é, diz o povo, apenas mais uma igual a todos os outros.

Daniel Oliveira

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Este texto é um notável exemplo de dissonância cognitiva. Notável pela patente contradição nos critérios exibidos e notável dado o percurso e influência do seu autor. É um perfeito microcosmo do bloqueio do sistema político à esquerda. Mas não só, e ainda pior.

O Daniel foi um dos puros e verdadeiros esquerdistas que alinharam nas campanhas de assassinato de carácter contra Sócrates gizadas na Lapa e em Belém. Juntou-se animado ao coro dos que berravam a toda a hora ser Sócrates um mentiroso pulsional e impenitente. Chegou ao ponto de o carimbar como o pior primeiro-ministro da História, ou segundo pior (foi evoluindo, reconheça-se). Onde é que isso já vai? Vai e vem. Repare-se como no final de Julho de 2013 estamos outra vez perante um exercício nascido do ódio. A equivalência entre Sócrates e Passos é estabelecida como verdade indiscutível, sem ser necessário gastar uma caloria a demonstrar a paridade. Ora, Passos abriu uma crise política e fez uma campanha eleitoral que afundou o País neste abismo, tendo mentido de todas as formas e feitios no processo. A mentira no trajecto de Passos e do seu PSD não é apenas um fenómeno cuja ocorrência, densidade e consequências não têm paralelo com nada que tenha sido registado em democracia; a mentira foi – e é – também a condição sine qua non para a conquista e exploração do poder. Como é que Sócrates compara com Passos? Mentiu mais? Mentiu o mesmo? Mentiu metade? Mentiu um décimo? Quais são, afinal, as infames mentiras desse celebérrimo mentiroso? Deviam ser fáceis de listar, por alegadamente serem tantas e tão graves, certo? O facto de ninguém o fazer, nem sequer à direita, é apenas a ponta do novelo.

Como a minha vizinha do 4º andar faz questão de me repetir, ainda não se descobriram provas de Sócrates ter mesmo nascido no planeta Krypton, embora seja razoável supor que tenha por lá um tio ou alguns primos. Tal consciência devia permitir olhar para o homem e conseguir ver para além do monstro que assustou tantos apenas por ter ousado uma liderança que não se acobardou frente aos poderes fácticos. Acima e antes de tudo, o caso Sócrates remete para a qualidade do regime democrático, pois este cidadão foi eleito e assumiu responsabilidades como governante com plena legitimidade. Para além de ter sido o político mais investigado e devassado pelas autoridades policiais e judiciais que se conhece – o que, por inerência, faz dele o político que mais testes de legalidade e integridade passou dado que nem arguido foi de coisa alguma – a realidade de ter sido alvo de uma gigantesca campanha de difamação e calúnias corresponde, portanto, a termos assistido à violentação do Estado de direito e ao esmagamento da decência mínima sem a qual não é possível existir uma comunidade onde o respeito e a liberdade sejam direitos consagrados. E um mal nunca vem só: quem agora exibir a sua indignação contra o que fizeram ao regime na pessoa de Sócrates passa automaticamente a agente do Grande Satã.

A triste ironia do texto do Daniel, pois, consiste na sua genuína intenção de contribuir para a defesa da democracia e da qualidade do regime, pilares da nossa vida em comum que estão a sofrer fortes tensões e abrasamentos causados pelas crescentes tendências populistas que invadem a comunicação social e a sociedade. Não se duvida que este jornalista e político, cuja principal carreira tem sido feita adentro da política-espectáculo, seja sincero no repúdio das práticas e manifestações que procuram tolher e denegrir a classe política. Mas há que lhe apontar a himalaica incoerência que consiste em não aplicar a sim próprio o critério que exige aos outros. Ao nivelar Passos e Sócrates sem justificar a generalização, reproduzindo com exactidão as imutáveis estratégias sectárias do PCP e BE, a mensagem que se transmite é a de os dois serem farinha do mesmo saco. Só que, neste caso, o moleiro é o publicista e não lhe faltam burros para transportar a sua farinha pelos quatro cantos do reino da estupidez.

19 thoughts on “Farinha do mesmo saco”

  1. Excelente critica à esquerda panfletária, personificada pelo Daniel, que,diga-se em abono da verdade, já classificou Sócrates de patriota. Espero que os rumos da actual política Portuguesa, os levem a ele, e aos que pensam de igual forma, ao caminho da verdade e da acção democrática contra a União nacional da direita reaccionária e por um Portugal Social e democrático

  2. Parou tudo! Esperem, então Sócrates e Passos não fizeram promessas que não cumpriram? Ou seja, trocando por garotos, Sócrates e Passos cumpriram tudo o que prometeram?

  3. oh zé comuna! promessas não cumpridas não são necessariamente mentiras, só na cabeça de quem não tem projectos e vive da crítica das ideias alheias, aí já vale mentir à fartazana e prometer amanhãs cacarejantes. queres maior mentira que a treta comunista que promete democracia, liberdade, igualdade, justiça, saúde, emprego, por aí a fora e depois oferece partido único, prisão política, censura, miséria, senhas de racionamento e uma sociedade onde nada funciona gerida por bêbados fardados. se quiseres exemplos, vai ao google e pesquisa: comunismo.

  4. A diferença entre Sócrates e Passos Coelho tem o exacto tamanho da imbecilidade política deste sempre-em-pé que o Balsemão apanigua como catequista do PS. Não lhe seria fácil reconhecer (ou talvez mais propriamente: confessar que já percebeu) que essa diferença existe, e não devemos esperar de Daniel Oliveira o que nos surpreendeu em António Lobo Xavier. Não porque este seja mais ou menos honesto do que o primeiro, mas porque a plasticidade é para os interesses e a esperteza que movem a direita o que a rigidez é para o dogma e a estupidez que imobilizam alguma «esquerda».

  5. é interessante perceber que, perda de contacto com a realidade, o surto psicótico pode tanto ser causa como efeito da dissonância. e em último caso, acaso o Daniel se aperceba que não consegue colocar no mesmo saco as farinhas, pode fazer o mesmo que a raposa do Esopo e adaptar as preferências. pode ser que ainda esta semana faça um textinho a dizer que afinal ele é que escolheu não haver saco – o típico dos falsos, mas convictos, vencedores.

  6. O tonitruante Oliveira é um idiota útil. Quando ser tornar descartável…cai de maduro e deixa de ser comentadeiro avençado do Crespo.

  7. Muito bem, dsm! A última frase do seu comentário anterior constitue uma brilhante síntese da distinção que existe entre uma “certa direita” e uma “certa esquerda”. Este é o drama com que se debate a “outra esquerda”, a tal que não faz parte da “certa esquerda” antes referida. Obrigado!

  8. brilhante este artigo,sobre um individuo que não tem a coragem de seguir o caminho que está no seu adn:a esquerda democratica.a grande mentira de socrates foi a massa que recebeu do caso freeport!confesso que não conheço outras.agradeço a todos que conhecem mais, que as publicitem no aspirina, para lhes pedirmos desculpa!

  9. Estamos todos à espera que nos listem as mentiras do Sócrates e os extractos de contas bancárias de muitos milhões da sua corrupção. EStamos à espera que este Daniel meta no mesmo saco, por isso mesmo, Loureiros e quejandos, com o homem que teve de fazer um empréstimo para ir estudar para Paris. Este post do Val é muito oportuno.

  10. Maria Abril,

    rendo-me à evidência e acho que fez muito bem em lembrar, porque todos nós devíamos reconhecer e prestar homenagem à magnus opus da governação de José Sócrates. Sobretudo o seu fino instinto político, realmente, esta é de mestre, não lembraria nem ao Maquiavel…

    “….pedir um empréstimo para ir estudar para Paris.”

  11. Ó Ignatz, todos sabemos as tuas dificuldades em interpretar seriamente o que os outros dizem. Caramelo, alguém prometer aquilo que sabe que não irá cumprir é o quê? Uma verdade ou uma inverdade? Poupa-me ao teu pensamento torcido.

  12. O sr. Daniel é um comentador “avençado”, por serviços prestados ao Expresso. Esta gente não é de confiar. É o que resta da “esquerda caviar”. Se ele serve a Pinto Balsemão, nr. 1 do PSD, é porque as palrações do Daniel acabam por “malhar” sempre em tudo o que seja PS, e não atingem nunca o PSD. Esta gente de “esquerda”, que vive dos serviços prestados à direita, não tem coluna vertebral para ser coerente e honesta. Faço minhas as palavras do António Ribeiro e a chamada de atenção para a questão de fundo apontada pelo Ignatz.

  13. “Esta gente de “esquerda”, que vive dos serviços prestados à direita, não tem coluna vertebral para ser coerente e honesta”

    estamos a falar do PS e das acções do PS enquanto governo, certo?

  14. a…zelha, errado. Não tens visto os agradecimentos e elogios dos comentadores do psd ao pc e be na porqueira do crespo? Na cara deles, no frente-a-frente. Só falta agradecerem e darem beijinhos na boca.

  15. não vejo a porqueira do crespo. tenho mais que fazer.

    mas gosto de ver o PS queixar-se da esquerda e, assim, finalmente assumir-se de direita:
    nas políticas, nos conluios com a alta finança nacional e europeia que se alimenta da crise, nas “abstenções violentas” (hahaha), nas “salvações nacionais”, nos queijos limianos, nos armandos varas & companhia..

    passaram de vermelhos a rosa. agora podem passar a amarelos.

  16. no meio disso tudo que dizes ter que fazer, vê lá se arranjas tempo para pensar. Mas se te faz mais feliz, acompanho-te- acabe-se com o espaço do PS por causa do zétoino do limiano, que o povo já demonstrou que quer é a verdadeira esquerda. Se não demonstrou é porque houve aldrabice ou é estúpído, avante camarada. Sonhos de todas as cores para ti…
    P.S. A salvação nacional não foi uma cena do cavaco em que o ps cagou? (faz-me um favor: não respondas ou responde…caguei.)

  17. Governos há em que um ministro simula “corninhos” a um deputado na AR ( bem merecidos diga-se de passagem) e é demitido.
    Governos há em que dois (! 2 meus caros) ministros mentem á cara podre em comissões de inquérito, são desmascarados, e nada se passa.
    É, farinha do mesmo saco…os conceitos de farinha e saco já não são o que eram para as espinhas vertebrais modernas, ao que parece.

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