Excelente ideia

O que aconteceu no dia em que nasceu? Saiba na capa do DN. E leve para casa

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Aproveito para dizer umas banalidades sobre a crise comercial do jornalismo, a qual amplifica e agudiza a crise deontológica da imprensa, a partir deste serviço do vetusto Diário de Notícias.

Começando pelo óbvio, só uma entidade com o passado do DN poderia cruzar a longuíssima duração (mais de século e meio) com a temporalidade personalizada (data de nascimento dos viventes). Quantos projectos comerciais podem oferecer o mesmo produto, a mesma experiência? Há anos e anos que o DN o faz mas, como a notícia acima ligada mostra, há espaço para alguma inovação. Depois, o serviço tal como actualmente está concebido não passa do triunfo da lei do menor esforço: limita-se à reprodução de uma capa, a que acrescem umas brincadeiras de composição, é um serviço estritamente mecânico quanto à sua logística e conceito. Ora, podia-se ir mais longe e criar um produto, em forma de livro, que fosse um resumo dos principais factos jornalísticos (portanto, sociais, culturais, históricos) que acompanham a biografia de qualquer pessoa, seja qual for a sua idade. Esse álbum diacrónico feito à medida de cada um poderá ser composto sem dificuldade a partir de diferentes critérios de personalização, criando um museu individualizado dos mundos exteriores dentro do nosso mundo interior, por um lado, e construindo e reforçando uma identidade comunitária e uma vocação cidadã. Finalmente, o DN poderia celebrar todos os centenários que adquirissem ou recebessem de presente a capa do seu dia de nascimento com reportagens sobre eles e até organizando uma festa/espectáculo onde, a cada ano, se visitasse o Portugal de há cem anos visto a partir do legado histórico do jornal. O património do DN, e de qualquer outro órgão de comunicação social longevo, é um incomensurável tesouro a ganhar pó por falta de inteligência estratégica dos donos e directores desses meios.

Assim como fico com a alma toda dorida ao ver a estupidez com que o jornalismo lida com o lixo intelectual, moral e cívico que enche as suas caixas de comentários (pista: a boa solução não é acabar com elas; precisamente ao contrário, deviam ser terrenos prioritários de intervenção dos jornalistas), assim me parte o coração assistir ao desnorte de quem está sentado em cima de uma das indústrias do sentido que nos liga uns aos outros e parece ignorar os famélicos que se encharcam com produtos de paupérrima qualidade, quase todos, e tóxicos, muitos.

4 thoughts on “Excelente ideia”

  1. Não é uma cena nova, tenho amigos que compraram os jornais dos dias em que os filhos nasceram, mas sim é uma diversificação do negócio e ajuda a criar laços com o leitor, o mais importante.
    https://takemeback.to/25-April-1974

    A melhor ideia é a do evento anual onde se celebrasse, por exemplo, a vida de um leitor centenário do DN . E não nada de PR, ou ministros ou o raio que os parta, homenagear sim, mas quem compra/ou o “papagaio”. A mania estranha de se convidarem sempre os mesmos para todo tipo de publicação é curiosa e explica também a sensaboria do jornalismo. Um caso recente é o podcast do Daniel Oliveira, vai-se a ver a cronologia dos convidados e vemos ali o desfilar da velhac”ordem” do meio, da bolha, bannoninho Costa, Ferreira Leite mais uns quantos que ja foram entrevistados 500.000 vezes, etc..quanto a operários, taberneiros e demais pipol trabalhador para quem tanto, ou melhor, em nome de quem tanto gosta de falar, népia. Esses são só o target do produto e um bom argumento de venda

    A perda de valor registado pela imprensa portuguesa nestes últimos anos é quase irrecuperável, curiosamente não se houve um pio sobre responsabilidades, e há a quem pedi-las e não são poucos.

  2. Joe Strummer, o DN vende capas antigas há 30 anos. O que é novo é o local onde o vão fazer durante um período limitado.

    Quanto às entrevistas do Daniel Oliveira, não posso concordar mais. Já estive para escrever sobre isso várias vezes mas ninguém me paga para tal e a vida acontece.

  3. Valupi, não percas tempo com isso só um cego não vê a tanga. A única ilação interessante nem é quem escreve, que é irrelevante, é a sujeição necessária para o fazer. O importante é que a vida nos aconteça cada vez mais.

  4. A melhor prenda que o DN me podia dar era voltar a ser um diário de referência. Que foi aliás para isso que nasceu. Para informar. E no que diz respeito ao arquivo também foi precisamente para isso que foi constituído. Para ajudar na informação e na investigação.

    P.S. Poucas coisas me tiram tanto do sério como esta ideia que parece que a única indústria à face da terra é a indústria do entretenimento. Tão states. Ainda por cima num país em que a maior parte dos trabalhadores não chega a levar mil euros para casa.

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