Espionagem política

O caso Face Oculta, sendo uma investigação no âmbito da corrupção, é também um caso de espionagem política. Isso é indiscutível. O que é discutível é o papel que os responsáveis pela investigação têm, individual e colectivamente, nessa espionagem. À partida, neste momento, a sua responsabilidade na espionagem não pode ser estabelecida directamente, e talvez nunca o venha a ser, até porque poderão estar inocentes – mas indirectamente eles são responsáveis. De facto, se as gravações foram conservadas e transcritas sem legitimidade, esse foi um dos principais meios para que a espionagem viesse a ser possível, independentemente da intenção dos actos que geraram o material espiado.

A espionagem é política porque serve esses interesses, tem essa exclusiva intenção. Os jornais que violam o segredo de Justiça não o fazem porque estejam a investigar seja o que for. Limitam-se a ser cúmplices de uma estratégia de combate político por ínvios e ilegais caminhos. Quem lhes passa a informação manda o que fazer e quando, eles obedecem. São extensões mecânicas dos senhores que jogam com cartas na manga. Por isso, e só por isso, se viu o segundo maior partido da oposição a conspurcar a Assembleia da República com base nessas mesmas ilegalidades que envergonham a Justiça, o Estado, até o Povo. E a oposição alinhou em bloco na deboche, agradecida aos conspiradores pela possibilidade de entalar de vez o Engenheiro.


O que diz Marcelo, aliás, é à prova de estúpidos. O seu principal objectivo foi o de desmontar e esvaziar a suspeita de espionagem política. Primeira surpresa. Depois, serviu-se de uma contradição: (i) as escutas foram ilegais porque assim que Sócrates é constituído suspeito tem de se obter autorização do Supremo para a continuação das gravações, e isso não foi feito em Aveiro, e, (ii) a Justiça funcionou bem em Aveiro. Esta bacorada, vinda de uma sumidade em Direito e vedeta da TV, revela que não estamos perante um jurisconsulto ou académico, estamos face a um prestidigitador – e particularmente inábil. Segunda surpresa. Pelo meio, atacou Pinto Monteiro com ímpeto, apontando-lhe falhas processuais e responsabilizando-o pelas fugas de informação. Esta é a terceira e muito relevante surpresa. Porque as datas são fundamentais para se compreender o que está em causa, facto que levou Marcelo a demorar-se no calendário. A tese que iliba Aveiro e condena Lisboa, segundo Marcelo, consiste no facto de as violações ao segredo de Justiça só terem acontecido depois das eleições. Assim, ruiria a suspeita de espionagem política. E prontos. Bom, é tempo reconhecer o seguinte: o celebérrimo talento de Marcelo para endrominar a malta já conheceu melhores dias, olá.

Primeira falácia: a espionagem política pode ocorrer sem manipulação da opinião pública através da comunicação social. Dizer-se que o lançamento das notícias ter ocorrido só depois das eleições prova a inexistência de espionagem é, então, crucial para a descoberta do que Marcelo pretende – porque é uma boçal tentativa de puxar o olhar para um lado, enquanto se esconde o que importa no outro. Segunda, e ainda mais perversa, falácia: o conhecimento das escutas não tinha de levar ao seu aproveitamento em período pré-eleitoral, vários factores poderiam levar a guardar este trunfo para depois das eleições. E, à cabeça, não esquecer que o PSD cavalgou uma conspiração inventada na própria Presidência da República. Ela esteve a funcionar até quase ao fim da campanha, altura em que já não seria possível, ou útil, lançar esta. De resto, e pegando no próprio raciocínio de Marcelo, se as fugas só se deram quando as gravações chegaram a Pinto Monteiro, decorre daí que elas chegaram muito antes de 27 de Setembro. O que ele esconde é o efeito que teve uma primeira avaliação de Pinto Monteiro, negando a sua relevância criminal. Tal como evita anotar que em Julho já a Procuradoria-Geral estava a enviar para o Supremo o pedido de validação das escutas. Este, em 3 de Setembro, decidiu pela sua nulidade. Ou seja, Marcelo, esta operação oculta talvez não tivesse face para avançar em pleno antes das eleições – e isto à luz do que sabemos agora e que tu expões distraído e contente.

18 thoughts on “Espionagem política”

  1. O prof. Marcelo foi muito assertivo “as fugas não partem de Aveiro …. as fugas não partem de Aveiro…. bla bla bla” Porque será que o Público de hoje afirma “Ordem para destruir escutas a Socrates ainda não foi cumprida” Será caso preguntar ao prof Marcelo de onde vem a informação da PGR??????

  2. Que na justiça o segredo corre mais depressa que os editais já todos sabíamos, mas ainda assim seria de esperar que, de quando em vez, algum funcionário mais incauto, magistrado ou advogado distraido fosse apanhado a prevaricar, mas não, afinal de contas como reza o ditado, em casa de ferreiro espeto de pau. Partidos Políticos ideologicamente desamparados e uma Comunicação Social descartável, são alimentados por aquilo que se tornou numa espécie de carvão barato que apesar de poluir muito ainda faz a máquina andar.
    O Procurado Geral da Republica, Pinto Monteiro, admitiu a incapacidade da Procuradoria em investigar os crimes cometidos dentro de portas e punir os seus responsáveis. A questão óbvia que qualquer português mediano se coloca… É nesta Justiça que investiga o crime organizado, a criminalidade financeira, evasão fiscal, branqueamento de capitais, Apito Dourado, Submarinos, Furação, Casa Pia, FreePort, BPN, Face Oculta (…) que devemos todos confiar!?!? A solução da nossa Justiça passa por reforçar em primeiro lugar os meios humanos!!

  3. As noticias começaram a chegar aos jornais, poucos dias após Pinto monteiro enviar o despacho que ordena a destruição das escutas e transcrições.

    Ou seja, o plano A era criar mais um processo legal que envolvesse Sócrates baseado “numas suspeitas” de um magistrado desconhecido. Mas tinham o “selo” da justiça e dariam para muitos meses de drama.
    OS suficientes para surgir alguem no PSD…

    O problema surgiu quando Noronha e Monteiro, decidiram que aquilo não tinha ponta por onde pegar e, pior, que era ilegal.
    Aqui, era urgente entrar o Plano B…que é este a que assistimos.

    Mais grave ainda é a noticia de hoje do Público (e da qual já suspeitava..) que a ordem do STJ e PGR, para destruição das escutas…não foi executada.
    Vamos ver qual vai ser o resultado, porque a orda de pulhas não se poderá dar ao luxo de perder isto assim…acho que ainda muito vai acontecer.

    Estou mesmo curioso para ver a edição de 6ª feira do luminoso Sol.

    miguel

  4. Um PGR que confessa não ser capaz de combater o crime dentro da Magistratura e da policia de investigação, como vai combater o crime fora de portas? É como ver a máfia a combater a máfia. Uma guerra de padrinhos, com o PGR, o PR, o PST, a AR e o Ministro da Justiça (???) a assistir, na bancada, ao espectáculo. O pântano de que falava Guterres nem sombra era deste em que estamos. O governo PS, de Sócrates, está paralizado neste campo da justiça, com o PM preso ao pelourinho da intriga, da calúnia mais torpe, da conspiração e agora da espionagem política. Competia aos dirigentes do PS, que ainda não foram acusados de pedofilia e da pior corrupção, dar o peito às balas. Dizer, como fez Mário Soares, que há uma «face oculta» na justiça, não chega. E se ninguém se mexer, acredito bem que não haverá mais PS depois a execução de Sócrates. Com gente dessa, escondendo-se na rectaguarda na hora do pior combate, o País também não teria futuro nenhum. De modo que, não se perderá grande coisa.

  5. Tambem me pareceu que ele queria esconder qualquer coisa quando concedeu logo de inicio que não havia nada que pudesse incriminar Socrates.Para quem dizia um dia antes que este caso seria pior do que o Freeport para o 1º Ministro, mesmo tendo em conta a sua constante inconstância, era obra. Foi um autentico anti-climax no previsivel cavalgar da onda lançada no dia anterior. A explicação veio quando procurou enfaticamente colar a divulgação das escutas à PGR em Lisboa.Estava feita no seu entender a troca justa, a sua declaração de inocência do 1º Ministro pela inocência do pessoal de Aveiro. Tudo como dantes quartel general em Abrantes.
    Como leitor de romances policiais da Vampiro a minha intuição diz-me que o ponto quente está em Aveiro. E o facto de Marcelo mudar tão abruptamente de opinião não é inocente, lembre-se o seu papel aquando das escutas de Belem em que foi como que a voz oficiosa do PR.Aveiro e Belem, quem é quem?

  6. E ainda sobre o segredo de justiça. Não vale a pena criar mais leis. O problema está nas pessoas. Imaginem os bancários, os médicos, os padres confessores, os advogados a comportarem-se como os policiias de investigação e os senhores ilustrissimos magistrados! A sociedade ficava inviável. Mas ninguém tem a coragem de acompanhar Marinho Pinto e dizer que há magistrados e juizes fedorentos. Ele fala sozinho, neste País de Marcelos e Antónios Vitorinos! É sintomático,mas só prova o calibre daquela gente, que os chefes sindicalistas da gente da justiça não tenham uma palavra sobre o crime reiteradamente praticado pelos seus associados. Se não são eles, que provem que são os seus parceiros da judiciária! Eles são os investigadores dos crimes. Descubram os seus!
    Quanto a mim, cheguei ao limite da confiança nas instituições. Nunca pensei ver, num país da UE, um PM atado ao pelourinho e ser queimado vivo perante o riso incontido dos que o odeiam e a indiferença das instituições deste País: PR, AR, PGR, PTJ…E ainda não referi os Provedores todos de qualquer coisa e as deontologias profissionais! E tudo isto se passa num país onde um simples empregado bancário respeita religiosamente o sigilo profissional. E se algum prevarica,o patrão actua, sem dó nenhum (é olho da rua), de imediato e nunca se ouve uma voz sindical a respaldar o crime.
    A vergonha da devassa do segredo de justiça vem do alto dos salários e mordomias e da impunidade que a cobardia politica lhes garante.
    Ando desanimado e desiludido. Parece que de repente acordei num país diferente. Ontem, ao ouvir o Antonio Vitorino, sempre de sorrido pronto, a falar da violação dos mais elementares direitos do cidadão, como se estevisse em amena cavaqueira , num qualquer café e falar de minudências políticas, deu-me vontade de vomitar. É desta gente que vamos esperar a regeneraçãO do regime?
    Brandos costumes, tão brandos que tresandam…

  7. Mário
    Comungo de todo teor do seu texto e adianto que em quase todas as repartições e secções assim como nas direcções gerais, estão inundadas de bufos, só assim é que conseguem sobreviver. Há chefias que estão aprisionadas pelos sindicatos e seus subordinados pelo motivo dos seus directores terem medo de intervir. Compreendo a atitude mas não comungo dela. Quantos inquéritos existem com falta de decisão. Há medo de se tomar medidas, os sindicatos tem muito poder. Os directores gerais e de serviço estão a prazo como se pode pedir que tomem medidas se depois têm os sindicatos à perna. Prestei serviço em vários Estabelecimentos Prisionais, só vi um director a não temer o sindicato dos guardas prisionais, não revelo o nome, já aqui escrevi sobre isso. Sabe o que ganha com isso, chatices e processos em tribunal, sendo que se tem de defender a expensas suas, a própria Direcção Geral não move uma palha. Como quer que pessoas isentas continuem a tomar medidas se depois quem tem o dever de fazer cumprir a lei alheia-se de tudo. Fiz várias participações de serviço, até hoje e já estou aposentado há mais de dois anos, nunca soube do seu despacho. As pessoas íntegras não podem tomar posições pelo motivo dos corporativistas fazerem-lhe a vida num inferno. Nos vários departamentos da Função Pública, incluindo todos, desde tribunais ao mais insignificante, há falta de tomates.

  8. Mário,

    Concordo inteiramente com tudo o que disse. Incomoda muito ouvir falar de justiça desta forma. Incomoda muito ouvir as palavras de Antonio Vitorino num tom quase inconsequente. Incomoda muito sabermos que neste país os que investigam crimes, são ainda mais criminosos, e nada lhes acontece.

    O Dr. Marinho Pinto tem toda a razão e também toda a gente a “roer-lhe os calcanhares”.

    É lamentavel que caminhemos neste trilho.

  9. E para quando as escutas transcritas em jornais, com criteriosas selecções e partes descontextualizadas para ter mais impacto?
    Não tenho dúvidas q é uma questão de tempo até isto aparecer nos pasquins da praça, sempre muito solicitos a abrir as pernas aos elementos corruptos da justiça e da investigação que vendem informação a troco sabe-se lá do quê!

  10. Em Aveiro não se acata as ordens superiores, no sentido de destruição de algumas escutas ilegais. Isto não tem consequêmncias disciplinar e criminal?
    É o que dá ter os juízes controlados pelos…juízes.

    Mas a destruição não é importante. Já há cópias nos jornais.

  11. É .Está tudo à espera do veredicto final do PGR para publicarem as escutas. Se Sócrates for esperto só falará apos a saída dos semanarios lá para 2ª Feira. O Timing é tudo.

  12. Quando há dias comentei para o Valupi que estava quase a duvidar da seriedade de Sócrates por ele não reagir aos bandalhos que lhe fazem a vida um inferno, o Valupi perguntou-me o que é que eu achava que ele devia fazer. Espadeirar à esquerda e à direita? Hoje dou mais razão ao Valupi. Sócrates a reagir sozinho seria suicidio. Constato que ele está sozinho, ou quase, dentro do PS e vai ter que lutar, mesmo assim, até ser abatido. Os barões do PS, os militantes e os simpatizantes hão-de apanhar as cinzas da fogueira, a não ser que, mais uma vez, este povo estúpido que nem uma porta, como afirmam Pacheco Pereira e Vasco Graça Moura, impeça, uma vez e outra a consumação do assassinato.
    Mas o Valupi não terá muito por argumentar contra mim quando afirmo que os governos e a AR estão a ser os coveiros, desde 2002, do nosso sistema de justiça. Não digo coveiros da democracia porque a UE não deixa. O abandalhamento do segredo de justiça com fins politicos, ao ponto de serem transcritas nos jornais escutas legais ou ilegais ou passarem nas televisões em audio, sem que a AR ou os governos através do ministro da justiça, ou o PR ou a PGR tenham mexido praticamente um dedo é um caminho que leva ao cemitério onde está a ser enterrada a cidadania, de uma forma tão impune e ultrajante como acontece nas piores ditaduras. Eu sei que, no nosso caso, as vítimas são apenas os dirigentes do PS. E, talvez por isso, parace que o país aguenta bem este crime hediondo contra a cidadania, mesmo que na pessoa do PM. E aguenta tão bem que aos Marcelos e os Antónios Vitorinos só falta levarem para as conversas na RTP uma garrafinha de champanhe para comemorar com as jornalistas de serviço o crime dos iinvestigadores (?) do crime alheio.

  13. Mário, mas o queres que os dirigentes do PS façam? Que não esperem pelas decisões da Justiça e que venham para a praça pública discutir o conteúdo das escutas? Mas isso é entrar no jogo que a Ferreira Leite desavergonhadamente propôs no Parlamento. Espero que se contenham e não dêem a desculpa certa aos que defendem a publicação das conversas privadas do primeiro-ministro.
    Há muitas questões que precisam de ser respondidas, mas nesta fase o PS sendo o partido que está no poder não tem muita margem para dizer o que quer que seja sem que o acusem de querer manipular as decisões da Justiça.

  14. Nuno,

    “sempre muito solicitos a abrir as pernas aos elementos corruptos da justiça e da investigação que vendem informação a troco sabe-se lá do quê” ????

    Ora isso já foi devidamente esclarecido numa entrevista da sic notícias ao agusto santos silva, há dias. O jornalista, do qual não sei o nome, mas não era o mário crespo, disse, pressurosamente defendendo a classe, que os jornalistas não andam a apontar armas á cabeça dos magistrados para eles lhes passarem as informações em segredo de justiça, “eles fazem-no porque querem”!!

    É preciso mais alguma explicação?

  15. Da converseta do prof.Marcelo na RTP – e para além dos aspectos já referidos aqui – achei graça à observação que fez, dizendo que com toda esta pressão sobre Sócrates já não há condições para o PS apostar em eleições antecipadas…
    Não há dúvida: o Rasputine Marcelo bate o Rasputine da Marmeleira..

  16. É isso mesmo, Guida. Os cobardes contam com um PS manietado por ser governo. Mas tudo tem um limite e agora “ultrapassaram-se todas as marcas”. A defesa da cidadania exige coragem, lucidez e serenidade. Mas algo tem de ser feito. Não podemos continuar a fugir da justiça como quem foge de um bando de assassinos à solta, por mais que Marinho Pinto nos avise, como no Gato Fedorento: fuuuuujam da justiça! Isto não é vida para nós e para os nossos filhos.
    Além do mais, Guida, podemos contar que, se Sócrates não cair desta, os mesmissimos criadores inventarão outra até que o nome Sócrates seja sinónimo de corrupção e mentira. E depois venha então a democracia! Não é assim, Manuela?

  17. Para mim isto não é surpresa porque é uma «resposta» ao caso do BPN – Dias Loureiro e etc… È uma espécie de «vocês têm magistrados, a gente também tem». Um amigo meu que viveu no estrangeiro dizia surpreendido «esse jornal não tem notícias, só opiniões» Referia-se ao «Público». Enfim é o que há…

  18. Três coisas devem ser feitas por um juiz: ouvir atentamente, considerar sobriamente e decidir imparcialmente.
    (Sócrates)

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *