Escavacados

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Nuvem de palavras do Discurso de Tomada de Posse do Presidente da República, 9 de Março de 2011

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Há, no mínimo, três factos absolutamente extraordinários, mesmo extravagantes para algum eventual investigador de História ou Ciência Política interessado pela coisa ou pelo coiso, no discurso que Cavaco decidiu fazer na Assembleia da República como inauguração do seu segundo mandato em Belém:

– Não se encontra qualquer referência à crise das dívidas soberanas europeias; a qual estava no seu auge, afectava decisivamente a situação nacional e decorria directamente da crise internacional de 2008, da política de investimento público assumida pela União Europeia em 2009 como resposta à ameaça de depressão e da ausência de mecanismos europeus de ajuda aos países em dificuldades por causa do aumento do desemprego, da quebra de receitas fiscais e do crescimento das despesas sociais. Aliás, nem sequer o termo “Europa” se encontra nas mais de quatro mil palavras do texto.

– Não se encontra qualquer referência às Forças Armadas, nenhuma de nenhuma. O Comandante Supremo ignorou tanto os militares em funções em território português como aqueles que desempenhavam variadas missões em diferentes palcos de conflito fora do País, aí arriscando a sua vida para representarem Portugal e defenderem a liberdade. Há algo de admirável neste feito, pois supõe-se que o discurso tenha sido lido por alguns conselheiros do Presidente, dentro e fora da Casa Civil, e, pelos vistos, ninguém reparou ou se incomodou com esta ofensa à História e estatuto das Forças Armadas Portuguesas, já para não falar do seu papel na fundação do regime democrático e do sentido republicano (obrigação patriótica?) de enaltecer esse legado na solenidade da tomada de posse.

– Encontra-se um apelo à revolta popular na rua, liderada pelos jovens, contra a classe política apresentada como corrupta, caduca e a única responsável pela crise social. Este apelo é feito a dias de uma manifestação organizada por um grupo de jovens e a qual congregava o apoio de todas as forças opositoras. Cavaco incendeia os ânimos anunciando que o tempo dos sacrifícios tinha chegado ao fim e que bastava mudar de governantes para que os problemas se resolvessem de imediato.

Antes destas omissões e agitprop, Cavaco soube que o Governo socialista tinha estado durante o mês de Fevereiro a negociar com todos os parceiros europeus uma alternativa aos desfechos dos casos grego e irlandês. Cavaco sabia que esse acordo tinha sido alcançado e sabia que sem ele só havia um cenário: o resgate de emergência, o mal maior para o povo. Os urros, uivos e grunhidos com que as bancadas do PSD e CDS reagiram ao comício no Parlamento anunciavam o que se iria passar: era a hora de ir ao pote! Em coerência com um plano desenhado ainda em 2009, ao dar posse a um Governo minoritário destinado a ser queimado até à sua reeleição, Cavaco tratou de criar uma crise institucional assim que Teixeira dos Santos anunciou o acordo que evitava o resgate, alegando não ter sido informado previamente, e depois não fez qualquer tentativa para salvar Portugal da Troika, assistindo impávido e feliz ao boicote do interesse nacional que se consumou duas semanas depois da tomada de posse com o chumbo do PEC 4.

Estas recordações por causa dos “Roteiros IX”, onde Cavaco se apresenta como um especialista em questões europeias (tem livros publicados e tudo, lembra à populaça) e onde louva a sua pessoa no trato das questões relativas às Forças Armadas. Vale bem a pena ficarmos a meditar nas suas sábias palavras:

"É por tudo isto que, nos tempos que correm, os interesses de Portugal no plano externo só podem ser eficazmente defendidos por um Presidente da República que tenha alguma experiência no domínio da política externa e uma formação, capacidade e disponibilidade para analisar e acompanhar os dossiês relevantes para o País."

7 thoughts on “Escavacados”

  1. Muito bem, Valupi. Cavaco arruinou a nossa democracia. Em dois mandatos como PR, completou a saga de dez anos como PM. A justiça está num farrapo. Isso quer dizer que o Estado de Direito é uma triste formalidade. A impunidade anda à solta. Como não me recordo!

  2. Do post:
    “Cavaco soube que o Governo socialista tinha estado durante o mês de Fevereiro a negociar com todos os parceiros europeus uma alternativa aos desfechos dos casos grego e irlandês. Cavaco sabia que esse acordo tinha sido alcançado…”

    Do Roteiros iX:
    “…os interesses de Portugal no plano externo só podem ser eficazmente defendidos por um Presidente da República que tenha alguma experiência no domínio da política externa…”

    Coisa curiosa:
    Leio os dois textos e em ambos vejo uma pessoa – Durão Barroso

  3. Valerico rapaz, larga a cavaca mumificada quisso já está em marcha funebre há muito. Um não assunto e uma pívea (like usual )pra entreteres tolos e ignatzios e fingires que não é espuma de cobardia a escorrer prós pés … fala de merdas à séria mariquinhas !

    1 – Há uma questão nuclear que está a passar despercebida.
    Aquando dos Pec’s e do resgate de 2011, face ao sucessivo cumular de défices públicos, foi uniformemente aceite, por todos os partidos e comentadores, a insustentabilidade e correspondente necessidade de Reforma do Estado.
    2 – PPC ao aplicar uma política de rigor/austeridade – que todos sabiam ser inevitável – foi massacrado politicamente, pela oposição e pelos desempregados arrependidos da sua área, Pacheco, Bagão, F. Leite, …por não ter aplicado a “silver bullet” que tudo resolveria ( e sem grande sacrifício ), a Reforma do Estado.
    3 – A falácia desse argumento é agora evidente.
    Se fosse esse o sinal distintivo de AC, como ele arguiu permanentemente nas diretas contra AJS, ser-lhe-ía agora facílimo enunciar quais as reformas pretendidas – que, nessa narrativa os medíocres PPC, PP e seus ministros nunca lobrigaram – porque há muito teria uma ideia consistente sobre as mesmas, as quais pouco dependem da UE e nada da evolução do Syriza, crise na Ucrânia, preço do gás, petróleo – e todas as outras variáveis, atrás das quais A Costa agora se esconde miseravelmente, para oscilar entre não propor nada ou afirmar banalidades estatistas.
    4 – AC alardeou durante anos o chavão político da Reforma do Estado – ex. Quadratura do Círculo – da qual se reclamava o oráculo, com a pesporrência de quem sabia de cor onde estavam as gorduras desnecessárias e cujo corte seria inócuo e indolor.
    5 – Eleito SG do PS, Costa não logra enunciar uma única dessas reformas.
    A mentira tem perna curtíssima.

  4. MAS SÓ NÃO VIU AO QUE ESTE PULHA VINHA QUANDO FEZ O DISCURSO DE TOMADA DE POSSE QUEM NAVEGAVA NA MESMA LAMA DE OPORTUNISMO!!!

    SÓ ACHO, VALUPI, QUE DEVE SEMPRE SUBLINHAR QUE A DIREITA NÃO ESTEVE SOZINHA – A ESQUERDA QUE ODEIA O PS – FANFARRONA DO SEU NÃO-PODER – VIU AÍ A SUA OPORTUNIDADE: DEITAR ABAIXO O GOVERNO E TODA A ESTRATÉGIA QUE SE DESENHAVA PARA RESISTIR À DIREITA LIBERAL QUE JÁ IMPERAVA NA EUROPA…

    NUNCA ESQUECER ESTE FACTO – O PCP NUNCA ACEITARÁ GOVERNAR COM UM PS MAIORITÁRIO…!

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