É fazer as contas

Consoante o estatuto intelectual do protagonista, o queixume contra o modo como a socialização ocorre na Internet – com o seu intrínseco anonimato e a sua altamente provável violência verbal – tanto pode aparecer como manifestação de crassa ignorância ou como exibição de ridículo preconceito. Desde os anos 80, pelo menos, que se estudam os efeitos psicológicos e psicossociológicos da comunicação por computador e a literatura respectiva tem crescido exponencialmente à medida da aproximação à ubiquidade no acesso aos canais digitais.

Donde, ver em 2013 a desamparada Samsung a desperdiçar um enorme sucesso mediático é um pináculo da estupidez. Aquilo que a marca tinha entre mãos era só o maior sonho de qualquer peça de comunicação nas redes sociais: um escândalo. Os escândalos são raríssimos, especialmente quando envolvem empresas comerciais. E são raríssimos porque não existe nenhuma fórmula para os obter, escapando a todos os cálculos dos profissionais publicitários. Neste caso, ainda por cima, o escândalo em causa em nada prejudicava os produtos ou serviços da marca, era completamente lateral à sua actividade comercial. Perfeição absoluta.

Calhando a Samsung ter tido um decisor culto em marketing digital, jamais teria retirado o vídeo da Pépa Xavier, muito menos teria pedido desculpas. Precisamente ao contrário, trataria era de telefonar logo para a sua instantânea vedeta e marcariam nova filmagem. Em poucas horas, a Pépa voltaria à carga, agora com o país mediático aos seus pés. Diria que tinha ficado sensibilizada com a reacção de tanta e tão boa gente, pelo que ia aceitar a oferta da Samsung para se leiloar uma mala Chanel, a tal. E para onde é que iria o dinheirinho recolhido? Para um grupo acabado de formar que jurava lutar para tornar inconstitucional o abate do cão Zico.

Resultado? Durante algumas semanas, ou meses, a Samsung ganharia em notoriedade à Coca-cola e ao Cristiano Ronaldo. Juntos.

9 thoughts on “É fazer as contas”

  1. valia mais a mais valia do escândalo e ficavam ambas a ganhar, de facto.

    e agora, vantagens de parte, não percebo nem nunca percebi a coisa de o povo se passar com desejos que não sejam, do ponto de vista material, rotos e esfarrapados. não sei onde está o problema de uma oca ter desejos ocos perante um país, ao indignar-se com a falta de comunismo, oco. isto de o português só ficar bem quando relativiza o seu mal e pensa no mal bem pior dos outros é fodido. de fugir a sete pés.

  2. se não fosse a indignação dos blogueiros ninguém tinha dado pela miss xavier e se a samsung não tivesse pedido desculpas ninguém sabia que aquilo era propaganda deles, portanto o sucesso da coisa está na trapalhada, tal como o governo quando anúncia e desanúncia as cenas económicas do gaspar.

  3. Primo, o Bidarra, um dos melhores (senão o melhor) publicitários portugueses e em Portugal, está a defender a sua marca pessoal, apresentando-se como o mestre que não cometeria aquele erro. É só isso, embora seja igualmente verdade que ele nunca teria feio aquele filme com aquela Pépa.

  4. e está também a dizer que talento, qualidade e diferença compram-se – e pagam-se bem caros: tudo muito bem se se limitasse ao episódio em questão e não generalizasse. mas o mkt pessoal é mesmo assim – não precisa de anúncio explícito, só de ponto final.

  5. Não é só isso, embora seja sobretudo o que referiste. A forma redutora como desqualifica a campanha e explica o seu sucesso («Quanto mais “diferente” do convencional for o assunto, mais ele viaja, mais viral ele se torna») é uma desilusão.

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