Duas ironias

O fanfarrão que ameaça repetidamente espancar alguém, e que depois ao ser confrontado foge logo com o rabo entre as pernas, desperta sonoras e sadias gargalhadas na assistência. Marcelo Rebelo de Sousa colocou-se nessa ridícula figura, arrastando no vexame toda a direita e a legião dos editorialistas e comentadores ao seu serviço. Só que o pesadelo está apenas a começar.

João Galamba foi transformado num superministro dado ter resistido à pressão máxima alguma vez registada na democracia portuguesa para a exclusão de um membro do Governo: pela primeira vez desde o 25 de Abril, o Presidente da República, em violação dos seus deveres constitucionais, anunciou pública e explicitamente que queria a demissão de um ministro. Recuperando o discurso de 2017 onde o mesmo Presidente deixou claro ao País que pretendia a demissão de Constança Urbano de Sousa, a essencial diferença está em não o ter explicitado. Usou uma fórmula retórica vaga — “valia a pena pensar se quem no plano da Administração Pública exercia funções que tinham conduzido a certo resultado eram as pessoas indicadas para a mudança” — nem sequer nomeando o ministério para que apontava o tiro de forma a manter a aparência de estar a intervir dentro das suas competências. Todavia, o contexto era óbvio quanto à exigência de lhe servirem a cabeça da ministra da Administração Interna. O que a ex-ministra e o primeiro-ministro aceitaram como inevitável — ou se calhar apenas ela.

Com Galamba, entrou-se em modo Feira da Malveira e foi o despautério completo. A húbris de quem sempre protegeu todos os abusos e perversões contra o Estado de direito democrático feitos pelo Cavaco da Inventona, então teorizando ser a Presidência uma cidadela invencível que se podia permitir atacar sem ser atacada, levou Marcelo a chantagear o primeiro-ministro recorrendo a um órgão de comunicação social dito de referência. Esse excesso ultrapassa a esfera do Galamba, Marcelo estava ofuscado com Costa, perdeu a cabeça e a dignidade presidencial. Mas agora vai ter de continuar a levar com os dois. Em crescendo de azia.

Desta cegueira e amadorismo, na origem da conduta do inquilino de Belém, nasceu uma dupla ironia que fica ao dispor do ministro das Infraestruturas. Começa por isso de Galamba estar agora blindado contra a chicana da oposição e o charivari dos impérios mediáticos da direita (onde se incluí a RTP). Antes da crise, eram uma fonte de pressão que se orquestrava com a insanidade das ameaças de dissolução. Após a crise, são cães que ladram e não mordem, limitam-se a ver o ministro ressuscitado a passar. E atinge a hilariante ironia de Galamba ser o monumento vivo, falante, actuante, quotidiano, horário da suprema lição política dada por Costa à direita decadente. Quão mais o perseguirem, mais forte ficará. Maior será o sofrimento e rancor dos impotentes.

25 thoughts on “Duas ironias”

  1. Objeto de disputa, Galamba será sempre isso mesmo, um objeto, um joguete, uma coisa, secundária. Pior, estava morto e foi ressuscitado. Como Lázaro, andará sempre a tremer de frio.

  2. o galamba não é nenhum herói. nem nunca será. ponto. e o que vai acontecer é ter toda a cs a morder-lhe as canelas à espera que tombe. como é possível que não se veja que o homem caiu em desgraça? ninguém gosta dele , ninguém. à excepção dos coleguinhas da bloga…

  3. avernavios, discordo. Era isso antes, daí aparecer como um alvo fácil. Agora, pode dar-se ao luxo de responder aos ataques como lhe apetecer, inclusive não respondendo. Porque nem o Presidente da República, em campanha pública para o abater, tem poder para o beliscar.

    Pior: Galamba reactualiza a derrota do Presidente+legião mediática sempre que apareça em cena.

  4. Valupi, esse ponto de vista confronta-se com a visão do ministro que se demite e que justifica a auto-demissão. Se acaso foi uma encenação, então ainda é pior.

  5. texto brilhante, como sempre, escreves com a verdade nua e crua, que chama a nossa, ou pelo menos a minha, atenção para o poder do comportamento – caso Costa se tivesse aninhado ao Marcelo, estaria agora aninhado para sempre a ver-se o rêgo a sair das cuecas e o Galamba ficaria na história das nódoas do governo socialista.

  6. Porque não gosto que me comam as papas na cabeça, mas gosto de perceber como os mafiosos tentam comer-me as papas na cabeça, faço questão de ver, diariamente, os noticiários televisivos das 20:00 da RTP-1, SIC e TVI. Por falta de tempo, porém (ou porque ando a gerir mal o tempo), atrasei a visualização de um porradão deles na SIC e TVI (gravados manualmente), que ando agora a visualizar em fast forward, parando apenas naquilo que me interessa. Cheguei a ter dez em atraso da SIC, mais seis da TVI. Nos últimos dias tenho-os visto de afogadilho, nomeadamente os dos três ou quatro dias de brasa que antecederam o estaladão aplicado ao beijoqueiro e os que se lhe seguiram. Foram dias de entusiástico priapismo direitolo (os primeiros), com os seus agentes (principalmente os avençados merdiáticos) salivando que nem camelos no cio, na antecipação do único desfecho que admitiam, a queda do Galamba. Meus e minhas, confesso que tenho gargalhado como um alarve! Ver e ouvir a implacável lógica das análises do mano Costa, do Gomes Ferreira, do Anselmo Crespo e resto da saltitante jagunçada (cujos nomes agora me escapam), dando como certa a defenestração do Galamba, eventualmente mais este ou aquele ministro, seguidas do inevitável passamento governativo de António Costa, ver e ouvir as previsões daqueles pobres pigmeus castrados, oraculozinhos de aviário, é quase tão divertido como os Monty Python. Aconselho vivamente, no dia do próprio estaladão aplicado ao beijoqueiro, a visualização da última meia hora antes do glorioso evento e das cambalhotas, quase desmaios e bolçar de bílis que se lhe seguiram. Porra, não se faz! Roubar o chupachupa a uma criancinha quando está quase a metê-lo na boca é um crime! Não? Bom, se não é devia sê-lo!

  7. noticias do superministro que tinha superprovas e supertestemunhas

    “Mas o partido socialista não ficou por aqui e chumbou mais um requerimento do PSD, onde os social-democratas pediam á PSP a cópia dos autos de participação dos eventos ocorridos na noite de 26 que levou a polícia ao ministério das infraestruturas e ainda a cópia dos registos áudio das chamadas telefónicas solicitando a intervenção da PSP nessa mesma noite, quando Frederico Pinheiro abandonou o edifício. O PSD queria ainda informação da Polícia judiciária sobre o computador de Frederico Pinheiro.

    O PS diz que esta informação não faz parte do âmbito da comissão de inquérito e o PSD acusa os socialistas de estarem a obstaculizar os trabalhos da comissão.”

  8. Apareceu-me há minutos nos feeds (ou lá como chamam a essa merda) do tablet uma peça da SIC Notícias com um vídeo em que o Galamba é incansavelmente perseguido por uma matilha de mabecos merdiáticos. Depois de o tipo, numa resposta, ter dito que tinha todas as condições para continuar, um indignadíssimo mabeco fêmea (tanto quanto me pareceu da SIC), em porfiada perseguição, guinchou pelo menos umas 523 vezes a seguinte pergunta ao Galamba:

    “Mas como é que tem condições para continuar como ministro, depois do que disse o presidente da República?”

    “Depois do que disse o presidente da República?! DEPOIS DO QUE DISSE O PRESIDENTE DA REPÚBLICA”?! Foda-se, mas esta gaja será mesmo assim tão estúpida?

  9. “…a legião dos editorialistas e comentadores ao seu serviço”,
    faz-me lembrar um poema , não muito divulgado, do poeta português Diogo Bernardes, “ao regressar de Alcácer-Quibir, resgatado, sem ter nada de seu”, dirigido a Cristóvão de Moura:

    “Senhor, em todo o tempo, em toda idade,
    diante reis, diante imperadores,
    tiveram sempre as musas liberdade
    ou para celebrar com seus louvores
    aqueles que por seus ilustres feitos
    da fama vêm a ser merecedores,
    ou para repreender claro defeitos
    de outros que a torpes vícios entregaram
    as obras, as palavras, os conceitos.
    …………………………………………………………………
    Dai-me, ó bom Cristóvão, por que saia
    do pego onde caí por não ter guia,
    a mão, e chegarei com vida à praia.
    Descuido ou maior falta ainda seria
    faltar-me em régia casa pão e pano
    como quando servi em Barberia.
    Sendo vós do governo soberano
    dela (com razão) mais eminente
    para bem deste reino lusitano,
    fartai-me, cantarei suavemente,
    banhado no licor da clara fonte
    o que me agora a fome não consente.
    Ou seja em baixo vale ou seja em monte,
    em rio, em campo, em casa ou em floresta,
    sempre acharei de vós que cante e conte”

    O senhor Cristóvão concedeu-lhe uma tença de quarenta mil reais.

    de fama

  10. Insistir na análise do comportamento do PR no caso “Galamba” pouco mais poderá adiantar à melhoria da qualidade da nossa democracia; se assim for, talvez fosse melhor deixar Marcelo entregue a si próprio, proporcionando-lhe a oportunidade de se confrontar com as suas “fanfarronices”, expostas no episódio. É que a luta pelo Estado de Direito Democrático também se faz noutros domínios da nossa vida colectiva. Por exemplo, foi tornado público que o reitor da Universidade de Coimbra saneou liminarmente um professor, por delito de opinião, após o mesmo ter sido denunciado por adversários!!! Podia, também, falar-se da possibilidade da Base das Lages vir a ser utilizada para apoio directo à guerra na Ucrânia, conforme noticiado há dias pela CNN!!! Será que, em qualquer destas situações, é este o melhor modo de defender os interesses da democracia e dos Portugueses?! Discutamos, se valer a pena…

  11. Esta dá não para duas mas para um cardume inteiro de ironias. Ontem, no ‘Jornal Nacional’ da TVI, o pivô de serviço, José Alberto de Carvalho, franziu o sobrolho 235 vezes e fez 354 trejeitos de espanto e indignação com a boca, o nariz, a testa e as orelhas para nos comunicar, escandalizado, que a TAP contratou, há seis meses, uma directora-não-sei-de-quê polaca a ganhar 12 mil euros por mês. Onde vejo eu o bendito cardume? Bueno, no facto de o Zé Beto, com aquele ar bué de inteligente que faz questão de nos esfregar no focinho e aquela voz máscula pra caralho com que se baba e masturba diariamente ao espelho e em seguida nos esfrega os ouvidos, no facto de o Zé Beto, dizia eu, empochar (passe o galicismo) todos os meses 30 mil eiritos, quase três vezes a “escandalosa” mesada da polaca. Disse um dia sobre a criatura a execrável Manuela Moura Guedes: “O Zé Beto é burro.” Pois burro será, mas palha de ouro para comer está visto que não lhe faltará.

  12. ai, queres que fale no saneamento do professor na Universidade de Coimbra? saneamento do professor na Universidade de Coimbra!pronto, já está! de que queres que fale mais?

  13. olha,

    falaram do fernando e ele apareceu. felicidades pro seu benfica, fernando. nos tribunais.

  14. Na Comissão, Humberto Pedrosa teve momentos de penosidade, quase humilhação, quando respondia a perguntas de um deputado do PCP; ide lá ver a decadencia moral da direita, nunca relatada nos OCS! Tive até pena alheia do momento constrangedor, onde a mentira era maior que o buraco da camada de ozono!

  15. ó nabo,

    nem percebes quem está do teu lado a criticar a mesma coisa que tu usando as palavras do valupi acerca das negociações de paz numa conversa tida anteriormente neste blogue.
    és tão nabo, meu!

  16. ya utilizas ironia tão fina mas tão fina que só tu é que a percebes.

    Não deixas de ser burrinho!

  17. não era boca para ti logo a minha preocupação não foi que tu percebesses.
    e provavelmente a tua “falta de percebas” estará relacionada com agressões num qualquer ministério mas não vale a pena estarmos a chover nesse molhado. há coisas muito mais importantes, de facto.

    beijinhos, lindo

  18. “Será inexperiência política o que levou João Galamba, através da sua Chefe de Gabinete, a “alertar” o SIS? O que está no computador justifica a enorme urgência colocada no assunto da sua apreensão originando uma enorme confusão e stress no funcionamento do Gabinete? Terá o ministro João Galamba admitido alguma vez a hipótese de uma calma conversa politica com o seu adjunto para solucionar a questão do computador e do seu conteúdo? Porque não o fez? Porquê toda aquela trapalhada?”

    https://www.dn.pt/opiniao/007-foi-ali-apreender-um-computador-e-ja-volta-para-a-secretaria-16335099.html

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