Dominguice

Não só faz sentido (aliás, sentidos) como é benéfico para quem começa a ficar apaixonado pela cidade: dividir a política entre esquerda e direita. Estamos perante categorias que agregam variegados conceitos; alguns que poderão parecer idênticos aos do território oposto, outros que serão exactamente iguais, mas a enorme maioria funda-se em radicais diferenças relativas ao modo como se pretende regular o acesso aos recursos e a distribuição da riqueza, por um lado, e como se pretende fundamentar a autoridade dos governantes, pelo outro. A direita não só convive bem com enormes desigualdades sociais, ela prefere dar muito a poucos do que pouco a muitos. Porquê? Porque Deus é o exemplo primeiro e absoluto da desigualdade (consta que ninguém tem os seus poderes, nem sequer o pessoal da Marvel) e porque Locke combinou com Ele abrir um franchisado neste planeta para vender o produto “liberdade made in Heaven”. Isto faz com que na direita coexistam concepções monárquicas e democráticas sem que tal cause curto-circuito ideológico. A esquerda persegue as desigualdades sociais, e não descansa enquanto não as terraplanar. Marx é o Moisés desta tribo, tendo deixado os instrumentos para que se consiga chegar à Terra Prometida depois de um passeio pitoresco pelo fundo do Mar Vermelho. Nem os marxistas mais eruditos e ferrenhos sabem explicar o que é isso do comunismo mas tal dificuldade só contribui para o fascínio, até mistério, da promessa. Isto faz com que na esquerda coexistam concepções seculares e religiosas sem que tal cause curto-circuito ideológico. É preciso iluminar estes fundamentos para finalmente se pensar o que seja o centro, a dimensão onde o melhor da direita e da esquerda pode ser posto ao serviço do bem comum, da comunidade.

Porém, contudo, todavia, o que ameaça a cidade não é o confronto entre esquerda e direita. Sejam quais forem as correntes na luta pelo poder, desde que mantenham a integridade da sua racionalidade estarão a contribuir para a autonomia dos cidadãos e para o desenvolvimento das instituições públicas. Podemos avaliar os seus princípios, comparar os seus projectos, criticar as suas propostas. Crescemos politicamente quando somos expostos às legítimas convicções dos outros. O que ameaça a cidade, pois, é a irracionalidade como retórica, a exploração das fragilidades e deficiências cognitivas, a promoção do binómio estupidez e ódio. Alguns políticos e alguns jornalistas, por estas razões, ameaçam a cidade. A defesa contra este perigo não poderá ser uma outra forma de estupidez e de ódio. Mas também não poderá ser a indiferença e o silêncio. Precisa de ser algo que nasça ao centro desses extremos, algo que junte a coragem à inteligência.

5 thoughts on “Dominguice”

  1. A Sabedoria, que é fruto do trabalho, do estudo,da experiência e do …coração, sente e sabe o que melhora a condição humana.
    Não é o nome das coisas mas as suas consequências praticas que interessam.
    Deixemos o blá-bla-bla para quem ganha à linha .

  2. sendo que a raiz do problema já foi identificada há bués , resta por em prática a solução : rendimento máximo permitido e acabam-se as desigualdades estratosféricas. e reverter a financeirização da economia promovida desde 80 pelos narigudos e que é totalmente inútil e perniciosa.
    em termos relativos , as diferenças de vida entre um elemento do zé povinho e um seu governante ou satélite comprador é exactamente a mesma que entre um senhor feudal e um servo da gleba.

  3. e , acresce que até temos meios , no dito mundo democrático , de por o rendimento máximo permitido a vigorar… é só perguntar em referendo à população se concorda. podemos começar na Suíça. ah pois é , não há desculpa para que o contrário do rmg global que querem dar de esmola caladora não seja possível , só falta de vontade de quem perde mecenas e corruptores activos com isso.

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