Quantos abusos sexuais de menores ocorreram em edifícios propriedade dos bispos cristãos desde que foi lavrado o Édito de Milão, em 313? Não se sabe, nunca se saberá, e seria impossível fazer qualquer cálculo a respeito. E quantos abusos sexuais de menores ocorreram em espaços de culto católico apenas no século XX? Não se sabe, nunca se saberá, mas talvez não seja impossível fazer uma estimativa. Isto porque o relatório Sauvé contabilizou 330 mil vítimas, crianças ou adolescentes, que em França, entre 1950 e 2020, foram abusadas ou agredidas sexualmente por clérigos católicos, religiosos e leigos que trabalham em instituições da Igreja Católica. 330 mil em 70 anos, sendo que este é o número mínimo, aquele que resulta dos registos consultados. Obviamente, as inevitáveis ocorrências que não foram denunciadas corresponderão à parte submersa do icebergue. E estamos só na França, um país que nem sequer recebe do catolicismo uma especial influência social e cultural. Se igual levantamento fosse feito nos restantes países, chegaríamos a um qualquer monstruoso, horrendo, número de vítimas. Uma visão do Inferno que nem Bosch conseguiria retratar.
A Igreja Católica ensina que Deus, nas suas diferentes “pessoas”, responde à oração e está presente nos espaços e objectos sagrados. Há uma física e uma geografia do religioso, comum como estrutura antropológica a diferentes religiões, onde nos podemos aproximar ou afastar do divino. Daí não só as igrejas, os altares e as hóstias mas a própria experiência subjectiva de entrar em diálogo com Deus. Daí o texto sagrado, particularmente o Novo Testamento, onde a proximidade corporal e o contacto físico com o “Deus que se fez carne” fundamenta a promessa da conversão. A Igreja Católica Apostólica Romana não faz qualquer sentido se perder esta arquitectura espiritual. Todavia, porém, contudo, os fiéis conseguem conciliar as imparáveis notícias da destruição de seres humanos entregues ao cuidado da Igreja Católica – destruição real, pois as vítimas, e com ainda maior gravidade os rapazes, ficam mentalmente doentes para o resto da vida e correm risco de suicídio – com a recusa em tirar a fatal conclusão: se Deus não protege as crianças dentro da sua casa, por que caralho iria proteger crianças ou o que fosse nas casas dos outros? Eis um vero milagre da fé.
Assisti a atitudes de uma enorme arrogância para um representante da Igreja. Assisti a utilização de uma figura masculina bastante distinta rodeada de fiéis adultas . Assisti a um padre graduado da Mocidade Portuguesa e que usava o seu distintivo na batina. Um outro que em plena aula de Religião e Moral disse a um dos rapazes que se estava a portar mal: estás a mijar fora do penico. Mas não posso ser testemunha de qualquer sinal de pedofilia. De arrogância e descriminação sim. Só uma nota como é que está gente ultrapassou o 25 de Abril, como é que as comunidades libertas do silêncio os continuaram a aceitar. Admito que nem todos tivessem estas características, mas os que eu conheci tinham.
E ainda há quem acredite nestas mentiras, das piores que o Homem (Sapiens) inventou para controlar a Humanidade e fazer-lhe de todos os males possíveis em proveito da dita Igreja Católica ou outra qualquer, entre tantas inventadas no planeta, para infelicidade da raça humana, em geral!!! Como é que os ditos “crentes” não vêem em que poça tão porca se meteram???
Boa Valupi, bem pensado e melhor escrito!!!
porque os caralhos, também sendo do panteísmo, alguns, !tantos! são livres de fé e de dó: são os caralhos monstros protegidos no albergue escuro e manhoso que é a igreja.
é que no que dá empoderar intermediários , seja na religião seja na política….somos sempre lixados.
Não são precisos padres para amar a Deus ..nem políticos profissionais para governar a tribo.
essas contas também deveriam ser feitas nas famílias ,posto que é sabido desde há muito , que a maioria dos abusos sexuais sobre crianças ocorre nas familias : tios , pais, avós , primos etc. ou seja , o sexo masculino tem um problema de contenção de impulsos , mesmo a quem deveria cuidar , viola.
bem pior que ser violado pelo padreca deve ser ser violado pelo pai , o que é muito mais frequente.
Claro que não foram só rapazes as vítimas de abuso. Uma amiga minha, que julgo jamais alinharia numa denúncia pública do tipo mee too, contou-me há anos como o pároco da sua aldeia beirã a sentava a ela e a outras miúdas de 10-11 anos ao seu colo e lhes tocava o sexo, levando depois o dedo ao nariz, segundo ele, para saber se já estavam menstruadas. Isto passava-se há mais de 50 anos e só não digo o nome da aldeia porque o padre em questão já morreu e porque não me competiria a mim testemunhar, mas a quem sofreu essa experiência. É uma pequenina história da tal parte do iceberg que fica sempre oculta.
Sempre que ouço relatos destes, recordo-me de um dito do “democrata cristão” Telmo Correia, que, durante um debate sobre a Casa Pia, declarou atrevidamente que ficava provado que o Estado não tinha vocação para educar crianças, insinuando que os colégios e outras instituições católicas é que estariam para isso vocacionados. Nessa altura ainda não tinham rebentado, por todo o mundo, os escândalos de abusos cometidos em massa no seio da Igreja e o não menor escândalo do seu encobrimento pela hierarquia católica. Desde então, nunca mais ouvi o sr. Correia defender a sua tese.
A verdade é que nem o Estado nem a Igreja são, nem foram nunca, “sociedades perfeitas”. Alguns católicos vêm há muito insistindo que a Igreja é “pecadora”, mas tanto o papa polaco como o papa alemão recusaram essa fórmula, preferindo dizer que a Igreja é santa e imaculada, os homens que a compõem é que são pecadores. Na prática, qual será a diferença?
O pavor do escândalo, o medo de prejudicar a imagem santa da Igreja é o que através do séculos levou os católicos a encobrirem as realidades da Igreja pecadora. Houve denúncias que a história regista, como o Livro de Gomorra de S. Pedro Damião, do séc. XI, em que juntamente com a condenação da corrupção eclesiástica e da pedofilia dos clérigos (já então um fenómeno endémico na Igreja), se condenava o prazer sexual em geral e, em particular, a masturbação e a homossexualidade, designadas como vícios contra natura. Escusado é dizer que o Livro de Gomorra foi escrito para ser lido por um público muito restrito e recatado.
Vivemos uma época em que decididamente se assoalham, se põem ao sol os pecados da Igreja pecadora. O verbo assoalhar, designando uma espécie de acção criminosa quase sinónima de difamar, fazia parte do léxico dos encobridores de escândalos. Ainda bem que muitos católicos e o próprio papa argentino já não receiam o assoalhamento. Convivemos melhor com uma Igreja que reconhece que peca e que sempre pecou. Só como assumidamente pecadora ela pode merecer respeito.
“Se Deus não protege as crianças dentro da sua casa, por que caralho iria proteger crianças ou o que fosse nas casas dos outros? Eis um vero milagre da fé”.
Bela confissão dum ateu, que no patético da interrogação, cai de joelhos, pasmado com a insondabilidade da fé. Espanto este mais digno de crédito do que o da descoberta dos pecados humanos da Igreja. Acolhida com misericórdia a confissão de Valupi, que lhe seja perdoada a ousadia de atribuir a Deus intencionalidades do “caralho” (sic!).
Se é verdade que, em termos absolutos, há muito mais abusos sexuais contra crianças cometidos no seio das famílias (por tios, pais, avós, primos e outros familiares) do que por padres é apenas por um motivo: há em termos absolutos, em qualquer sociedade, muito mais tios, pais, avós, primos e outros familiares do que padres. Em termos relativos, porém, e apesar de não dispor de números concretos, parece-me evidente que é incomparavelmente mais elevada a percentagem de abusadores de crianças entre a padralhada do que no seio das famílias. E o motivo é simples: enquanto os familiares o são por inerência, por “acidente”, por razões “naturais”, chamemos-lhes assim, ou sociais, se preferirem, os padres são padres por opção. A percentagem de familiares abusadores será a que, em média, existe em qualquer sociedade, ou seja, relativamente baixa. A percentagem de padres abusadores tenderá a ser mais elevada, mais concentrada, pelos motivos que a seguir exponho.
Acredito que alguns padres aliem à opção a vocação, mas estou convencido de que são uma minoria. Uma grande parte opta apenas por uma actividade fácil, confortável, que confere estatuto e algum ascendente sobre os membros da comunidade que partilham a crença. Dentro destes, para quem a crença será frequentemente apenas fingimento, representação teatral, temos ainda uma percentagem demasiado elevada de tipos a quem o ascendente que, por inerência, têm sobre o rebanho, graças à “filosofia” nele dominante, permite uma grande liberdade de movimentos e uma larguíssima latitude de comportamentos de interpretação potencialmente ambígua. Disse-me há muitos anos um amigo de juventude, hoje actor conhecido mas na altura ainda aluno do Conservatório, tanto quanto me lembro ateu como eu, que entrava frequentemente em igrejas para assistir a missas. Como estudante de teatro, dizia ele, fascinava-o a poderosíssima carga teatral na actuação dos padres, no ritual que levavam a cabo, e aprendeu nas missas muito do que utilizou na profissão que ainda hoje é a sua.
Os padres abusadores sexuais de crianças não são abusadores por serem padres. São abusadores que, sabendo que o são antes de serem padres, escolhem o sacerdócio porque se apercebem de que ele significa não só vida fácil, situação social respeitada e futuro garantido, como, principalmente, terreno de caça com fartura de presas que nem sabem como fugir. O padre abusador nem é geralmente um crente. Além de criminoso e cobarde, é um hipócrita, um actor (muitas vezes canastrão) e, fundamentamente, um caçador oportunista que pratica o seu desporto de eleição em autênticas coutadas privativas que o ascendente social da instituição a que pertence põe ao seu dispor. E se as sacanices que pratica têm sido e continuarão quase sempre a ser varridas para debaixo do tapete é “apenas” porque a hierarquia da agremiação está cheia de abusadores “reformados”, almas gémeas que diferem dos no activo apenas por a carga libidinal ou a próstata os terem remetido a um forçado recato.
Jimmy Dore e a maravilhosa simplicidade das coisas simples:
https://youtu.be/XTwf7D785vI
ah , pois , melhor bater no ódio de estimação do que enfrentar o cerne do problema : sexo masculino e não contenção de impulsos , nomeadamente , o sexual.
uma série de profissões que envolvem contacto com miúdos , treinadores médicos professores etc , e que têm historial de abusos..
esqueci-me acima , na família , numa figura importante : o padrasto ou namorado da mãe.
“indicam que em 90% dos casos o abusador é próximo da vítima, sendo que mais de metade dos episódios acontecem em contexto familiar e não são pontuais, decorrendo de forma continuada”
de forma continuada , note-se . dias após dia.
https://observador.pt/2021/04/28/pelo-menos-uma-crianca-por-dia-e-vitima-de-abusos-sexuais/
e depois temos a cena em versão madura : Me Too.
há um problema , não há ? não seria melhor discuti-lo do que transformá-lo em tabu para não ferir o frágil ego masculino?
e gajas que abusam do padre, não há estatísticas?
não sei , penso que eles não se queixam , mas lá que são assediados , os giraços , que os há , são.
tinha 3 colegas nos maristas , que eram uma espécie de “noviços” , um deles mesmo muito giro ,( o único dos 3 que foi para frade , mas que há uns anos , largou e casou …) e não o deixávamos em paz, sempre a tentá-lo. uma cabras , mesmo -:)
Quantos porta-moedas foram roubados nas ruas de Lisboa nos últimos 100 anos? Queremos saber. Mil, 100 mil, 1 milhão? Serão os lisboetas ladrões carteiristas em potência? Longe vai o tempo em que nesta casa se defendia a justiça institucional, de apresentação de factos, provas e contraditório em tribunal, e se combatia o justicialismo de insinuações, estimativas e de promoção de anátemas sobre grupos sociais. Quem praticou o crime de pedofilia, ou qualquer outro, deve responder pelos seus crimes e cumprir a respectiva pena. A tentativa de generalização os padres são pedófilos não é diferente da os políticos são corruptos. Castigar um conjunto de cidadãos pelos crimes que outros cometeram é a antítese do que pode ser justiça. Mas condiz bem com os tempos de bufaria, expiação e pelourinho que revivemos. As atitudes e práticas de um certo poder religioso de outrora não desapareceram, apenas são agora representadas por outros.