Fernanda Câncio, no DN, dá-nos mais um exemplo da sua independência e afirmação profissional, agora acusando o próprio jornal onde trabalha de ter tido uma prática que ofende a decência mínima necessária à vida em comunidade e ao funcionamento das instituições políticas democráticas. É, até à hora em que escrevo e se nada me escapou, a singular voz nesse órgão de imprensa a dizer o óbvio e o necessário. Nem sequer o director, na sua coluna ou em nota de rodapé aos editoriais diários, gastou meio caracter com o assunto. Derrelicção de quase todos os que aí exercem funções de responsabilidade deontológica, alienação ou cobardia que nos estigmatiza como sociedade – e ainda mais forte o aplauso para a Fernanda, portanto.
Mas há um ponto onde ela não tem razão, falha também cometida pelo Pedro Marques Lopes e Pedro Adão e Silva, pelo menos. Ao se causticar a reacção de Ana Gomes, e outros, registada no contexto de uma provocação insidiosa, estamos a deixar que as emoções nos façam ainda mais mal do que aquele que o acontecimento inicial já fez. Os risos dos que foram apanhados pelo jornalista do DN, que nos começam por aparecer como chocante legitimação da perfídia, podem não passar de respostas defensivas ou expressões de ansiedade e desorientação. O que muito provavelmente não são é o resultado de uma demorada reflexão acerca do conúbio entre uma Justiça inimputável e um jornalismo imprestável. Ana Gomes também é vítima, directa, da pulhice feita a Edite Estrela e Armando Vara. Exigir-lhe seráfica imperturbabilidade e discernimento em matéria desta toxicidade afectiva, e no instante em que é confrontada a frio (ou a quente), talvez seja excesso de zelo.
O que se passou em Aveiro, e continua a passar, tem todas as marcas de espionagem política para efeitos de golpada. Pela primeira vez na História de Portugal, um primeiro-ministro foi escutado pelas autoridades e alvo de uma tentativa de inquérito a pretexto de supostos indícios de um inexistente e burlesco crime de atentado contra o Estado de Direito. Na sequência, foram lançadas suspeitas, pelo maior partido da oposição, contra o Procurador-Geral e o Presidente do Supremo, por suposto encobrimento de ilegalidades. Também se aproveitou o material recolhido nas escutas, e sua interpretação pelo Ministério Público em Aveiro, para abrir duas comissões de inquérito no Parlamento. Pelo meio, os ranhosos deturparam factos e lançaram ficções, de mil maneiras e em todos os meios de comunicação social. Isto aconteceu num ano com três eleições e prolongou-se pelo ano seguinte, servindo estratégias políticas de desgaste e derrube do Governo. Agora, utilizam-se as migalhas da gigantesca operação para abate selectivo de qualquer nome do PS a que se consiga apontar a mira. O silêncio da oposição e seus publicistas, exultando de vingança com a desgraça alheia, torna possível a continuação deste cruel espectáculo onde se anula o respeito mínimo pela privacidade e se conspurca a imagem de terceiros. E o facto de serem políticos os apanhados só agrava a perversidade, importa repetir à exaustão.
Caso algo de parecido, ou que fosse remotamente aproximado, acontecesse a algum Governo do PSD ou aos seus passarões, a legião de impolutos clérigos da Política de Verdade, que nos asfixiam nas televisões e jornais, já teria pegado em armas e decretado o fim do regime. Assim, resta-nos a voz daqueles que nada devem e, por isso, nada temem.
Tem toda a razão! A Fernanda Câncio merece aplausos pelo seu artigo justo e corajoso no D.N., mas o seu comentário sobre Ana Gomes foi precipitado e infeliz. Esta, aliás, já lhe respondeu, e bem, no seu blogue.
O essencial, penso eu,
é que
fazem-se escutas, o material obtido, sem qualquer valor processual,
é estupidamente validado por um qualquer juiz menor,
da-se, após, a conveniente fuga de informação
o resto… é conhecido
Cancio denuncia bem esta realidade…
Gomes é a alarvidade nacional que se conhece,
bocando tudo e todos
no alto de uma projecção que não sei onde a adquiriu…
enfim, é o preço da nossa democracia e tolerancia…
abraço
Desculpa, Valupi, mas não concordo que chames vitima a uma Ana Gomes calejada na diplomacia e nas andanças politicas desde a juventude no MRPP. Ela desvalorizou a infamia com uma nervosa ou displicente gargalhada e nunca apanhada de surpresa, nem a quente, porque quando alguém leva um murro no peito não é costume dar uma gargalhada.
Assim se desculpa o mata e esfola do Carrilho e a oposição desbragada e militante de Manuel Alegre, por uma legislatura inteira. E olha no que deu: o PS obrigado a aturar-lhe a voz, agora muito menos sonora, quase gaguejante, quase sem saber o que dizer para rebater o adversário Cavaco. Já não precisa de atirar com voz tonitroante «a mim ninguém me cala», porque as suas contradições o deixaram a piar sozinho.
1) O texto de FC é louvável. Fico à espera das vozes desassombradas, livres e sobretudo muito íntimas da ética e da deontologia da classe jornalística. [A menos que a manifestação de razões ecluda em função de protagonistas e não de valores, terão de falar. Se não falarem bem podem deixar-se de conversa fiada a propósito da salvaguarda do jornalismo em si]
2) Também não vejo que a reacção da Ana Gomes seja de causticar (palavra sua) pelos motivos apresentados. Quando li a primeira vez, nesta também minha propensão para a impertinente interpretação de pacotilha, coloquei a reacção de Ana Gomes mais no campo de um certo estúrdio, que a leva a centrar -se únicamente em si. O riso da Ana Gomes é um riso das palavras da colega deputada sobre si própria. O riso solitário da Ana Gomes é um esquecimento do que está em causa, além de si mesma. É humano, logo imperfeito.
Concordo contigo, Valupi.
Em primeiro lugar, aquela pseudo-notícia não surpreende, nem por ser publicada pelo Correio da Manhã, nem pelo conteúdo. Intrigas e má-língua há em todo o lado: no emprego, na família, entre amigos e também nos partidos. E entre jornalistas, claramente, como se pode imaginar. Outra coisa bem diferente é a sua reprodução pelo DN. Faz bem F. Câncio em protestar, faz todo o sentido puxar pela decência do jornal onde trabalha com rigor e princípios. No que me toca, é com as mãos nos olhos e espreitando entre os dedos que abro esse jornal on-line todas as manhãs.
Quanto à reacção de Ana Gomes, compreende-se o riso de troça e de nervosismo. Se um jornal publicar uma conversa telefónica em que A diz que B cheira mal dos pés e dos sovacos, o que pode até ser verdade, não será exigir demais de B que esqueça completamente a crítica, que ainda lhe zune nos ouvidos e ferve no sangue, e se pronuncie apenas defendendo o direito de A à privacidade, estando assim implicitamente a proteger A, que, acaba de ser divulgado, pensa que ele, B, cheira mal?
Além disso, conhecendo todos nós o furacão Ana Gomes, também seria altamente improvável uma reacção diplomática da sua parte. Julgo, no entanto, que ela foi, ou é por formação, diplomata.
Penso, sinceramente, que como figura pública que é, a Ana Gomes, em primeiro lugar, quando lhe foi perguntado, mesmo de chofre, deveria ter verberado, com total veemência a invasão da vida da sua colega. Aceito que quando se é visado de uma forma menos “ortodoxa” por um(a) apaniguado(a), que deveria lutar pela mesma causa, causa estranheza e perplexidade, mas a PRIMEIRA das obrigações é protestar contra o aviltamento. Julgo que a Fernanda Câncio, que é, hoje por hoje, das vozes mais livres e independentes que que vem lendo, tem razão em criticar a falta de indignação da AG, porque ela só reagiu às cócegas”.
A tempo: Li uma parte do escrito do Fernando Madrinha, no Expresso, onde este, embora mais “soft”, também se revela contra essa promiscuidade… só que talvez venha a reboque, porque… fica bem…
Há ler o que a Ana Gomes escreveu no Causa Nossa:
http://causa-nossa.blogspot.com/2010/11/bonomia-e-poderes-ocultos.html
Até ler essa pérola, concordava contigo, primo. Agora, obviamente que não.
Ja temos falado aquí sobre o facto das escutas da face oculta e o comportamento dos juizes de Aveiro. Achei sempre ficava esclarecido ser tudo uma treta política o administraremá vontade as escutas. O estado de direito ficou o res do chão.
Se tudo era, pois, uma treta, eis aquí uma “prova indubitada”: a revelação das conversas de Edite Estrela. Palavras bem alheas o processo, embora do porco tudo se aproveita.
Quem melhor que Valupi, parabens, para concretizar e fixar conclusões. Fica tudo bem dito : “O que se passou em Aveiro, e continua a passar, tem todas as marcas de espionagem política para efeitos de golpada”……
Oh quanto rememora tudo isto a Stassi da RDA, mestres niste campo de trabalho.
Depois de ler o que Ana Gomes escreveu no Causa Nossa, como sugeriu aí em cima João Pedro da Costa, só me apetece ir colocar o cilício por ter tentado atenuar a importância do riso solitário.
Val:
Passei o dia de domingo posterior à Cimeira da Nato a ver o que a comunicação social tanto escrita como falada, andei por vários blogues, Aspirina B, Câmara Corporativa, A Carta a Garcia e outros mais e só nestes é que vi referências ao êxito alcançado por Portugal neste invento.
Acontece que parece que há intenções de calar este êxito para dar trunfos nas sondagens ao PSD. Isto é jogar no futuro, caso DN, que de há uns tempos a esta parte vem demonstrando ao que anda. Até o blogue Jumento, era um assíduo leitor, mas não gosto de quem cospe no prato em que come. Quando era para cortar nos vencimentos dos outros, ele Jumento, estava de acordo, quando se vai ao seu bolso está tudo mal. Não gosto deste tipo de gente.
Ontem recebi uma boa notícia. No blogue A Carta a Garcia e no prémio Dardos, Osvaldo Castro, nomeou-me para esse mesmo prémio. Diz ele que esta distinção: “O Prémio Dardos é o reconhecimento dos ideais que cada blogueiro emprega ao transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc…. que, em suma, demonstrem a sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre as suas letras e as suas palavras. Estes selos foram criados com a intenção de promover a confraterização entre blogueiros, uma forma de demonstrar o carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web.” Fiquei contente. Fiz-lhe ver que quem me incentivou para a criação de um blogue foi o Valupi. Que não me achava com capacidade. Aliás já tinha sido uma aventura o primeiro comentário (texto) que enviei para o Aspirina B, porque achava que ia me tornar ridículo.
Sou um entre tantos mas sabe bem como disse em cima ser reconhecido, reconhecimento esse que dá para atenuar as horas perdidas. Horas, essas, que me vão dando uma melhor cultura e me ajudam a matar a ociosidade.
Sei que o meu blogue é pessoal mas já sinto um carinho por ele. Parece um filho. Às vezes não tenho conteúdo mas lá vou arranjando qualquer motivo, agora ando a fazer os meus próprios vídeos e a enviá-los para o Youtube. Quando uma pessoa resolve alcançar algo não à força que nos detenha, pelo menos comigo isso acontece.
Às vezes torno-me maçador mas quando começo escrever dá-me para desabafar não sei se é derivado a ser uma pessoa de poucas falas.
Por tudo isto resolvi dar-lhe conhecimento e ficar-lhe agradecido.
Onde se lê. Quando uma pessoa resolve alcançar algo não à força que nos detenha, pelo menos comigo isso acontece. Deve-se ler. Não há força que nos detenha.
Também fui ler as palavras de Ana Gomes na Causa Nossa,a propósito das críticas de F Cancio às suas gargalhadas perante a infâmia. E fiquei mais convencido que o Valupi não ten razão neste seu post.
AG diz que em tempos protestou quando «Ferro Rodrigues» foi vilipendiado pelas escutas e transcrisções das mesmas. Apetece comentar que, nesse caso, não lhe lhe deu para rir do disparate com toda a bonomia. Pois não, AG, porque até dentro do PS há os que lhe são próximos e merecem o protesto e não a gargalhada, quando sou enxovalhados. Afinal, é tudo uma questão de «proximidade». Ontem eram os amigos no MRPP, hoje os de uma certa ala do PS e talvez, amanhã, do PSD ou CDS como aconteceu ao Durão Barroso.
É certo, como diz A Damásio, que os sentimentos entram a fundo na elaboração do nosso pensamento. No seu caso, como em tantos outros, os seus sentimentos abocanharam o pensamento. Nomeu caso, se isso acontecer, o mal não ser+a grande, que aminha paróquia é pequenina. No seu caso, diplomata e deputada da nação, é uma lamentável desgraça. Ainda por cima nós temos de pagar, a dobrar, as suas incoerências.
Afinal parece que o opróbio cai sobre a Ana Gomes e não sobre o Correio da Manhã e o Diário de Noticias. Francamente!
E nem uma palavra sobre os directores dos ditos jornais e nada ou quase sobre, como diz Val, sobre “o conúbio entre uma Justiça inimputável e um jornalismo imprestável”.
Sou de esquerda, mas não esquerdista, e não conheço pessoalmemte Ana Gomes, mas o que aconteceu ao comentar-se intempestivamente as gargalhadas amargas e sentidas de Ana Gomes, foi branquear, descuidadamemte, o infame comportamento do C. da M. e o D. N. e de quem os manobrou.
Li agora a resposta de Fernanda Câncio a Ana Gomes. Atenção! Já não se discute o envio escutas aos jornais, pela justiça, e a divulgação das mesmas, mas sim as “reprováveis” gargalhadas de Ana Gomes. Bem, agora já só falta que se peça a sua demissão de deputada europeia. Que dirão os seus parceiros? Aguardemos!
4 parágrafos objectivos:
Correio da Manhã: cloaca.
Diário de Notícias era marcelino: esterco.
Câncio: gosto dela, mas atirou ao lado.
Gomes: tem toda a razão, obviamente.