Portugal é pequenino, a nossa imprensa é minúscula, a chamada “imprensa de referência” corresponde a pouco mais do que uma mão cheia de títulos na comunicação social. Essa diminuta dimensão só engrandece a responsabilidade das entidades e indivíduos que são decisores do que diariamente é vertido em forma de notícias e opiniões. O espaço público é alimentado, moldado e excitado pela produção contínua de informações e interpretações protegidas por um quadro legal que até consente, facticamente, a prática de crimes sob as capas da “liberdade de imprensa” e da “liberdade de expressão”. A sociedade aceita estas normas tácitas, não se conhecendo qualquer intenção política para as alterar nem para diminuir as suas consequências.
Recentemente, explodiu com estrondo nesse pequeníssimo mundo jornalístico que é o nosso a problemática da violação do segredo de justiça, a qual também arrastou para a arena o conceito da presunção de inocência. O segundo tema é uma novidade como arma de arremesso político, e liga-se directamente a Sócrates e ao seu processo judicial. O primeiro, é uma presença regular nas conversas e peças mediatizadas há anos e anos, mas o qual também apresenta novidade. Em ambos, estamos a assistir pela primeira vez à defesa em “órgãos de referência” da abolição de uma lei e de um princípio jurídico. Abolição temporária e selectiva, claro, e ao serviço das agendas políticas e do lucro, claríssimo.
É fácil identificar aqueles a quem o crime da violação do segredo de justiça está a favorecer – Cui bono? São todos os que relativizam, desvalorizam e tentam que desapareça da atenção das audiências e dos eleitorados a prática de crimes no seio da Justiça, sejam procuradores ou juízes os seus agentes. Sempre que se aponta para os advogados, ou funcionários menores, ou entidades sobrenaturais conhecidas como “qualquer um” e “um qualquer”, em vez de se denunciar os casos em que só magistrados do Ministério Público podem ser acusados pelos crimes, sabemos que estamos perante um cúmplice de criminosos. Criminosos que, como explicou divertida Joana Marques Vidal, andam a aproveitar a benesse de o crime apenas ser punido com um máximo de 2 anos de prisão. Logo, não existe ninguém sequer para o investigar, quanto mais para o prevenir. Pelo que é fartar, vilanagem, na Procuradoria-Geral da República que se especializou em conteúdos para a indústria da calúnia a partir de 2012 a troco da promoção dos seus interesses corporativos e ideológicos.
Acontece que este lado sórdido e assustador de termos magistrados criminosos que se sabem impunes é apenas uma parte do problema, quiçá a de menor importância. Quando vemos o que a Cofina faz com os crimes dos magistrados – ao pegar nas versões da investigação maximizadas para denegrir e caluniar os suspeitos ou arguidos, e depois passando a tratar as vítimas como definitivamente culpadas de tudo e mais alguma coisa que lhes apeteça agitar em frente dos borregos, haja ou não acusação – podemos acabar por esquecer o que vem a seguir. Ora, há algo que se segue, algo que temos visto com holofotes de gala no processo “Face Oculta”: uma efectiva influência sobre os juízes, os quais são pressionados para punirem ideologicamente certos acusados. É o caso de Vara e Manuel Godinho, condenados a penas muito acima do que foi a prática comum nos tribunais portugueses perante valores pecuniários similares, e sem provas directas de se ter cometido qualquer ilícito no que a ambos diz respeito. Os juízes foram explícitos acerca do que estava em causa, descrevendo como a partir do que consideram o sentimento popular quiseram fazer de Vara e do sucateiro um exemplo para atingir a classe política – isto é, certas pessoas da classe política, bem entendido, a tal ralé que não pertence ao grupo da “gente séria” e andava a pedi-las. A indústria da calúnia à portuguesa tem gostos refinados, não dispara sem fazer cuidada pontaria, mas quando atinge o alvo podemos ver o edifício da Justiça a oscilar para o lado da sua estratégia.
Há um aspecto grotesco nisto de tropeçarmos em autopropalados “liberais” a reclamarem o direito a destruírem os direitos de terceiros. Em celebrarem crimes de magistrados. Em explorarem as difamações e mentiras vertidas no espaço público. E em declararem que a presunção de inocência não passa de uma burocracia lá dos tribunais que eles não têm nem querem respeitar enquanto chafurdam nas manchetes tão mais melhores boas do que a honra alheia. Preferem satisfazer a pulsão de violentarem o nome e a personalidade dos seus ódios e vítimas. Preferem o gozo do assassinato ritual dos que concebem como inimigos à defesa do Estado de direito democrático e da módica decência sem a qual não há comunidade, apenas guerra civil. E depois interrompemos o pasmo. Olhamos com mais atenção e vemos que eles estão apenas a tentar sacar o seu, que têm despesas, têm filhos, têm de garantir o pão na mesa e ainda ir de férias para sítios giros e confortáveis depois de tanto esforço ao longo do ano. Ficamos em demorada e condoída contemplação. Coitados. Dá tanto trabalho ser caluniador profissional.
Qual dá trabalho, deixa-te de ingenuidades; eles até o fazem por gosto e, disso, obtêm lautos proveitos!
Ola,
A concentração da imprensa é um problema sério, longe de ser apenas português. Ja culpar os jornalistas pelas violações do sigilo (que não são eles que cometem) é bastante menos convincente. Defendes que os jornalistas deveriam deixar de ter o direito de proteger as suas fontes ? Se sim, explica la o que é que te leva a elevar o respeito do sigilo em valor absoluto e supremo do nosso ordenamento juridico e politico. Se não, explica la, no teu critério, onde e dentro de que limites consideras que a protecção das fontes é legitima…
Boas
Penso que:
Um Estado considerado em “Estado de Excepção” como é o caso de guerra ou outro considerado de elevado grau de atentado contra o Estado de Direito as leis normais são suspensas e passam a vigorar leis de excepção específicas adequadas.
Um Comandante militar em teatro de guerra pode prender ou mandar fuzilar um subordinado que se recuse cumprir uma ordem ou cometa acto de traição ou insubordinação.
Parece-me:
Que uma acusação contra um Chefe de Estado, um Primeiro Ministro, Um Presidente da AR ou outro alto cargo de cúpula do Estado de Direito é um caso tão excepcionalmente grave que deveria ser considerado um caso de excepção. E desse modo não deveria ser apenas do cuidado do MP mas apenas dos tribunais superiores e igualmente do conjunto dos outros orgãos de soberania.
O MP e a PJ especializados e dedicados a tal podem investigar para obter provas mas jamais esses materiais da investigação deveriam ser entregues a um juiz qualquer principiante e incompetente, veja-se caso Casa Pia, para decidir de per si sobre o destino e vida de um alto dirigente eleito ou designado por via eleitoral indirecta. Igualmente esses orgãos de soberania, no seu conjunto, deveriam poder alocar a si qualquer caso que considere de elevada gravidade para o país como identidade e comunidade.
Como se está vendo, não só por cá mas por muito lado, o poder em Democracia e num Estado de Direito está sendo alvo de ataque corporativo que já não se inibe de declarar pública e abertamente que o poder no Séc. XXI será protogonizado pelo poder judicial. E, nesse sentido, as Leis passam a não ser as Leis em vigor mas as interpretações das leis feitas pelos magistrados de seu livre-arbítrio em sintonia com interesses golpistas de tomada de poder por usurpação.
Assim os prazos de cumprimento escritos na Lei passam a ser a título indicativo (indicam o quê?).
A investigação não precede a prisão mas, ao contrário, prende-se para investigar.
A Lei do segredo de justiça é tratado e usado como lei de polichinelo para destruir a reputação e carácter dos sob investigação.
As provas de culpa passam a ser as insinuações e ligações fantasiosas publicitadas pelos magistrados responsáveis dos processos na opinião pública manipulada para ser incapaz de discernir a balbúrdia mediática.
O princípio original da presunção de inocência é subvertido e torna-se em princípio de presunção de culpa.
O o julgamento oficioso é feito na praça pública por condenação moral.
E por fim a acusação coincide linearmente com tudo o que foi dito e escrito na praça pública e o julgamento oficial não passa de uma farsa, um simulacro com o ritualismo de um tribunal a representar uma cena com final pré-determinado e conhecido.
Em suma, um sumidoiro de dinheiro para montagem de uma peça rasca anti-democrática.
Granda ressaca, ó Valupi!
Tens de deixar o ÁLCOOL, que isto dá cabo de ti.
Ola de novo,
O longo comentario do José Neves mostra muito bem a que impasses levam as considerações deste post e de outros do mesmo tipo e ilustra infelizmente a completa e lamentavel confusão que reina nos espiritos portugueses em torno da justiça. Não vale a pena ir procurar a outro lado as causas dos abusos que preocupam os autores e leitores deste blogue. O “justicialismo” que eles tanto temem, na verdade, começa na cabeça deles.
Senão vejamos :
1. A justiça é feita na praça publica, no forum. Sempre assim foi e é bom que assim seja. Isto é uma exigência antiga, e crescente, e benéfica, e intrinsecamente ligada à propria ideia de direito e, por conseguinte, à teoria do Estado de direito. Posto é que se faça com regras. Democraticas, justas, e publicas, que são três formas de dizer o mesmo…
2. Nos somos a praça publica, e mais ninguém. Os tribunais que instituimos são precisamente a mesma coisa, e falam em nosso nome, atravês da lei.
3. Por causa de 1 e 2, é sempre criticavel a justiça de excepção, seja no espaço, seja no tempo. A suspensão do direito para uma melhor realização do direito é, por definição, um paradoxo. Nunca poderia representar a normalidade, nem o desejavel, ainda que se possa admitir em função de circunstâncias excepcionais, e sempre na menor medida possivel.
4. Falta dizer que a justiça e as regras de direito devem ser efectivas, o que pode significar que devem ser sancionadas. Todas. As sobre o sigilo como as outras. Isto precisamente pela mesma razão que manda que a justiça não seja um bem de excepção ou um beneficio reservado a alguns, um privilégio no sentido etimologico do termo.
Boas
«Posto é que se façam com regras»
Pois é. Também as utopias desde a antiguidade de Pitágoras, Empédocles, Platão, a Revolução Francesa, e recentemente a nacional-socialista e a marxista-leninista e na actualidade o neocapitalismo assim como todos os tratados filosóficos de engenharia social de cunho sistémico funcionam maravilhosamente bem nos grandes escritos, elaborados, cerzidos e remendados pacientemente durante vidas e impressos em grandes calhamaços.
Pois é. O problema são as regras e sobretudo os homens que as têm de aplicar. Os homens na posse de sua plena racionalidade são a maior força da natureza e as Leis não passam de convenções pactuadas que constrange a natureza e até muitas vezes estão em guerra com ela (a questão de Sófocles na Antígona), Além disso o pacto convencionado em Leis estabelece hierarquias entre os homens que lhe retiram liberdades e criam desigualdades quando todos nasceram com as mesmas necessidades naturais.
Pois é. O problema são os homens que não sendo máquinas não têm um funcionamento mas sim um comportamento. E os homens são falíveis e as hierarquias estabelecidas pelas leis e outras regras que promovem uns e despromovem outros criam poderes de interesses e estes invejas insuportáveis.
Todos “sabemos” hoje que o falhanço do socialismo real na URSS foram os “desvios” dos homens na aplicação da regras.
Caro José Neves,
As regras de administração da justiça, em publico, não são utopicas nem reservadas a paises distantes no espaço e no tempo. Estão ai à vista de todos e, alias, são modificaveis, mediante uma simples lei, aprovada democraticamente. Tem alguma proposta neste sentido ? Ou apenas passarmos a referir-nos exclusivamente às do deus revelado por intermédio da sua sabedoria pessoal ?
Quanto à Antigona, pode acreditar que ela viveria bastante melhor hoje do que no reino de Creonte, pelo menos nas sociedades democraticas que toleram a obediência a leis eternas e divinas, com o unico limite de não se atropelar os direitos ou as liberdades dos outros cidadãos, que não têm a obrigação de se reger pelas mesmas. Curiosamente, quando se menciona esta caracteristica das sociedades livres e democraticas neste blogue, costuma cair o Carmo e a Trindade.
Boas
Boas
Epá, li a coluna do António Guerreiro no Ipsilon.
Pobre Fernanda Câncio, que agora até lhe ensinam o significado das palavras-soltas-depois-quando-se-transformam-em-frases-mais-ou-menos-complexas escritas pelos outros e como se deve titular correcta e perceptívelmente. Ide, ide ao P. online, aprendei e multiplicai-vos.
[E faz isso tudo à borla, já viste Valupi?]