Costa: medíocre, desleixado e perfeito

António Costa não escolheu ser primeiro-ministro em pandemia, e se pudesse alterar o passado essa surgiria como uma experiência que iria manter fora das suas memórias. Não por causa do eventual desaire eleitoral nas próximas legislativas que os adversários e inimigos se babam a dar como certo em consequência da crise económica já presente e em agravamento imparável, antes por ser um dos mais ingratos papéis aquele que um primeiro-ministro tem de assumir neste tipo de crise de saúde pública – o dele e o de todos os colegas no Executivo, especialmente o da ministra da Saúde (cujo protagonismo estóico e heróico deve ser repartido com Graça Freitas que não pertence ao Governo). Aliás, o papel destas pessoas é muito mais difícil e penoso do que a semântica de “ingrato” comporta, elas estão a passar por uma vivência traumática em tudo equivalente a ficarem retidas num cenário de guerra.

António Costa também não imaginou ao longo da sua vida, até chegar às eleições de 2015 como secretário-geral do PS, que viria a ser o co-autor (mas primeiro subscritor) de uma revolução no sistema partidário português ao conseguir destruir o bloqueio à esquerda que vinha da práxis e herança de Cunhal e que se estendia a Louçã. Concorreram para tal variadas e desvairadas circunstâncias, como sempre no caldo aleatório dos acontecimentos, embora a menor das quais não terá sido a consequência trágica dos idos de Março de 2011. Foi dele, contudo, o mérito de ter aproveitado, para criar um melhor futuro para todos em Portugal, as oportunidades desse presente imprevisto que levaram ao primeiro Governo formado sem o partido com mais deputados – oportunidades que continuam a revelar-se, infelizmente, tão insólitas que parecem irrepetíveis dado o sectarismo endógeno no PCP (menos, graças a Jerónimo e aos ventos da História) e no BE (muito mais, por causa de todos lá dentro e à sua volta).

António Costa é primeiro-ministro e secretário-geral do partido mais votado numa altura em que a direita portuguesa há muito que bateu no fundo e só agora começa a suspeitar que está na altura de parar de escavar. O contraste entre a qualidade política dos quadros do PSD, CDS e IL com os do PS, PCP e Bloco é tão alto que nem dá vontade de gozar. E se enfiarmos o Chega no retrato, ao pasmo junta-se o nojo. Esta diferença de talento nos recursos humanos em cada lado do espectro não é de agora, pois há três décadas que os filhos-família, a elite da oligarquia financeira-económica, faz a sua vida fora de Portugal ou com visceral repulsa pela existência pobretana e chungosa dos políticos que queimam pestanas a legislar e sujam as mãos e a camisa no circuito da carne assada. Enquanto na esquerda o talento implica sempre uma matriz ideológica que enche motivações e agrega vontades, na direita o cinismo e o individualismo antropológicos apenas são eficientes na gestão do poder mas não conseguem ter produção intelectual por falta de alimento e vocação. O resultado é a baixa política, a chicana tribunícia, o golpismo como estímulo máximo da adrenalina e testosterona, a pulsão incontrolável para a violação do Estado de direito como prerrogativa de classe, e o erotismo do ódio político nascido do usufruto do privilégio e da ferocidade da desigualdade.

Este António Costa não tem uma Cofina que lhe persiga adversários políticos, não tem um grupo Impresa que seja arma de manipulação e arremesso ao serviço do militante nº1 do PS, não tem jornalistas altamente influentes na RTP a comportarem-se como editorialistas fanáticos para o ajudar, não tem um único órgão de comunicação que trabalhe para a sua agenda, é exactamente ao contrário. E, no entanto, consegue comunicar com a comunidade a partir dos seus defeitos e fragilidades, gerando simpatia, empatia e confiança. Liderando sondagens quando os carolas, meses antes, davam como fatal a sua queda. O fenómeno talvez esteja relacionado com uma genuína ausência de ambição pelo cargo, pelo topo da pirâmide, supostamente revelada in illo tempore em conversa com Vicente Jorge Silva. A sua mediocridade (que quer dizer normalidade, que suscita proximidade), o seu desleixo (não se importando de ser visto como friamente pragmático ou até cobarde no trato de questões de substância idealista) acabam, nesta lógica, por compor um líder perfeito para o Portugal que somos. O País que olha para a sua direita, olha para a sua esquerda, e só encontra projectos de tiranetes e ante-projectos de fantasistas.

31 thoughts on “Costa: medíocre, desleixado e perfeito”

  1. a ideia de que foi costa que quebrou bloqueio à esquerda é risivel de tão alheada da realidade dos factos. felizmente temos memória.

  2. “… foi quem que desbloqueou à esquerda ?”

    foi o cavaco que deu a ideia ao sugerir que nunca daria posse a um governo ps/pcp/be. depois disso o jerónimo mandou uma boca para os jornais, o costa teve encontros separados com o bloco e comunistas e por fim catarina, a pequena, diz que a ideia foi dela e reclama royalties da joint venture. se calhar foi um equívoco que o costa aproveitou para ser primeiro-ministro e de caminho chatear a cambada dos “testes” que achava que as coligações de esquerda eram proibidas.

    agora estão a pensar fazer uma opa à ana gomes e subcontratar o bloco para resolver o problema da falta de votos que permita chegar ao pote.

  3. Bom texto.
    Nunca é demais relembrar o contexto merdiático, como é feito no último parágrafo.

    Por acaso também fiquei curioso -como a Maria – para saber quem deu origem à maioria de esquerda que se atravessou, para sempre, na garganta desta direita que nos desgovernou durante anos.
    Não esquecer que foram, que eu me lembre, pelo menos, cerca de 15 anos de maiorias absolutas.

    E, já agora, 2015 não foi a primeira vez que a esquerda teve oportunidades para se unir contra o descalabro. O próprio Guterres andou a penar durante um mandato e meio de maiorias relativas, com recurso a acordo com CDS para conseguir aprovar uma merda dum orçamento.
    Para não variar, o resto da esquerda preferiu abrir as portas ao neoliberalismo radical do Cherne Barroso do que colaborar nas meias tintas do Guterres.
    A propósito:
    Ainda há pouco ouvi o Adão e Silva- o único gajo com nível para ser comentador- esclarecer rapidamente a história do “Pântano”.

  4. 1. Um perfeito “Elogio da Mediocridade”.
    Aliás, muito bem feito, por Valupi.

    2. O meu contra-argumento é o seguinte: —
    2.1. Não nos interessa responder à pergunta “o que és” ou “como chegaste aqui”.
    2.2. O que Portugal necessita, para alcançar a prosperidade e o desenvolvimento, é responder à pergunta: “para onde vamos”
    2.3. Uma coisa que a Mediocridade nem é capaz de responder, e muito menos de fazer.

    3. António Costa, neste retrato de Valupi, confirma-se como o responsável por uma mentalidade que conduziu Portugal à falência e à decadência nestes últimos 47 anos de Regime Abrilista.
    Uma mentalidade e uma actuação que Valupi demonstra não ser a solução para o presente e futuro.

    4. Os factos estão aí para demonstrá-lo:
    4.1. A Dívida Pública portuguesa aumentou 2,3 mil milhões € em jan2020, atingindo os 252.100.000.000 €, de acordo com os dados do Banco de Portugal. E em janeiro 2021?
    4.2. “O indicador que conjuga as «condições de risco de pobreza», de «privação material severa», e de «intensidade laboral per capita muito reduzida» indica que, em 2019, 2,2 milhões de portugueses encontram-se em risco de pobreza ou exclusão social. A taxa de pobreza ou exclusão social é de 21,6%” (“Inquérito às Condições de Vida e Rendimento em Portugal”, 2019).

    5. É esta Mediocridade o futuro que desejamos para nós, e para os nossos filhos?

  5. Já me esquecia de referir, para aqueles que andas a falar do excesso(?) de mandatos Socialistas:

    Ouve apenas 1 maioria absoluta do PS (4 aninhos).
    Pelos vistos nem sequer isso era suposto acontecer porque até deu direito a prisão PREVENTIVA do governante.
    9 meses de cárcer que, parece, não deixaram ninguém chocado. Nem sequer a Esquerda defensora dos direitos humanos.

  6. “Para não variar, o resto da esquerda preferiu abrir as portas ao neoliberalismo radical do Cherne Barroso do que colaborar nas meias tintas do Guterres.” – pois, é esse o drama deste país ! Foi sempre assim ! Andamos todos à procura de políticos perfeitos…. Muitos treinadores de bancada! Como no futebol.

  7. 1. Afirma Valupi: “E se juntarmos o Chega no retrato, ao pasmo junta-se o nojo”.

    2. Porém, André Ventura afirma-se como obediente a Deus, e aos seus Mandamentos.
    Professa convictamente a religião católica apostólica romana.
    Vai à missa, e vemo-lo a cumprir os deveres para com essa Fé e Religião.
    Para ele, portanto, o pecado é infringir aqueles mandamentos de Deus.
    Até afirma que, foi Deus que lhe confiou a missão de actuar politicamente (como referiu com ênfase na campanha eleitoral e nos debates destas últimas eleições presidenciais).

    3. Como uma Pessoa destas pode ser mais meliante e pior do que as outras?

    4. O André Ventura pôs quem o ataca, a atacar a Religião Católica. Para uma grande parte dos eleitores é isso que sentem.

    E continuam a não acordar desse vosso sono abrilista, e dessa vossa moral e ideologias que ninguém acredita serem pouco corruptas e ineficientes.

  8. Desculpem o “ouve” e ponham o “h”, sff.
    Estraga um pouco os comentários, mas às vezes sai disto. É o entusiasmo.
    Também estou a ficar tresléxico. Isso já é a idade.

  9. Quem tiver paciência para ler a entrevista ao Boaventura de Sousa Santos que aproveite antes que desapareça.
    Trata-se apenas de uma pessoa inteligente que pensa nas coisas que se estão a passar: Covides e todas as tretas que acompanham.
    A entrevistadora não é grande coisa. Até consegue introduzir um ” Este governo já está no poder há mais de seis anos”, ao que ele respondeu “É verdade” e seguiu com a conversa.
    A mocinha devia estar a insinuar que estamos sob uma qualquer ditadura, em consonância com as declarações do “grande democrata” Cavacoiso.
    Apesar disso, vale a pena:

    https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/boaventura-de-sousa-santos-a-pandemia-foi-o-primeiro-grande-ensaio-a-nivel-global-de-como-se-pode-controlar-populacoes

  10. Serviço público Boaventura Sousa Santos (BSS 1):

    Pergunta: Sobre a dependência das vacinas, como reage à declaração do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, que disse na Assembleia da República que comprar vacinas a outros países é “traição” à Agência Europeia do Medicamento?

    Resposta: Começa na péssima negociação que a União Europeia fez com as farmacêuticas. Não sabemos o mais importante dos contratos, mas as farmacêuticas têm a faca e o queijo na mão. Os tribunais arbitrais são amigos das grandes empresas e decidem normalmente a favor delas, porque estes contratos têm cláusulas usurárias de confidencialidade. Há uma certa chantagem, os contratos não deviam ser tornados públicos, houve até o caso da governante belga [secretária de Estado do Orçamento, Eva De Bleeker] que publicou os preços das vacinas no Twitter, o que gerou receio de punições. Muito do que se tem vindo a saber é por pressão do Parlamento Europeu. Repare que pela primeira vez certos países do sul podem ficar mais bem protegidos contra o vírus do que os do norte, que estão presos a multinacionais e não aceitam o que está a ser criado fora. A União Europeia só quer favorecer as suas grandes empresas, por isso não abriu às vacinas de Cuba, da Rússia ou da China. Porque não faltam vacinas. Este é um negócio muito sujo: a Big Pharma investe por ano entre 15 e 17 milhões de euros para pressionar decisões da União Europeia e o conjunto da indústria farmacêutica tem 175 lobistas em Bruxelas, de acordo com o Corporate Europe Observatory. O ministro Santos Silva assume a tradição do bom aluno, é produto de um europeísmo mais ou menos conservador.

    P: A questão é que as farmacêuticas estão a falhar nas quantidades e nos prazos de entrega, haverá sempre países beneficiados e prejudicados.

    R: E há a suspeita de que as empresas podem estar a fazer reserva, porque os preços só estão garantidos até final de junho, depois podem explodir. Por outro lado, há o COVAX, da Organização Mundial de Saúde [mecanismo que tem como objetivo acelerar o desenvolvimento e fabrico de vacinas e garantir o acesso justo e equitativo a todos os países do mundo]. Mas, para funcionar, é preciso que as farmacêuticas abdiquem dos direitos de patente. Traição ou crime contra a humanidade é o que estamos a fazer ao congelar reservas financeiras da Venezuela, por ordem dos Estados Unidos, fundamentais para o país fazer face às suas despesas sanitárias. O embargo é cruel e impede o país de comprar material com o dinheiro que está depositado nos nossos bancos, em Portugal e em Inglaterra. E há outras questões, como a Pfizer estar a testar a sua vacina nas grávidas de Manhiça. Podia estar a fazê-lo em mulheres europeias, mas não, fá-lo em Moçambique.

  11. Serviço público BSS 2:

    P: Falam na arrogância globalista da China, mas não da sua, porque os EUA “nunca foram nem voltarão a ser” arrogantes, como dizia o outro.

    R: O trágico é isso. Ao longo do último milénio o país dominante no mundo foi a China. Era responsável por mais de 20% de toda a economia mundial: os nossos reis vestiam-se com têxtil que vinha da China, a loiça para a corte vinha da China, tudo vinha da China, até 1830. A grande mudança foi a Revolução Industrial. Só há pouco mais de um século o ocidente superou a China, que em 2030 poderá ser a maior economia mundial e que neste momento é a fábrica do mundo, como vimos com a pandemia, porque o país mais desenvolvido do mundo não produzia nem máscaras, nem luvas.

    P: Mais de 80% dos medicamentos à venda na Europa e nos Estados Unidos são fabricados na China e na Índia. Mas neste período de um ano, nada foi feito para mudar esta realidade.

    R: O avanço da China não é apenas mérito da China, é demérito do mundo ocidental, capitalista. Como é que a China se desenvolveu? Desenvolveu-se porque as grandes tecnológicas, Google e Apple, decidiram produzir os seus computadores na China, onde o trabalho é mais barato. Por isso, quando há uns tempos houve uma ameaça de “fechar” a China, num daqueles tweets completamente descontrolados de Trump, a China respondeu imediatamente: são um milhão e meio de trabalhadores da Apple no país. Deixam de trabalhar e no dia seguinte a empresa fecha. A Europa ainda procurou resistir, porque depois da guerra ficou com direitos sociais dos trabalhadores mais avançados do que os Estados Unidos. O capitalismo europeu, a que chamámos social-democracia, procurava maior equilíbrio entre ganhos de capital e do trabalho, e foi assim que surgiu uma classe média na Europa. Simplesmente, depois de 1989 os Estados Unidos impuseram a deslocalização à indústria automóvel e a todas as tecnológicas. O NAFTA [Tratado Norte-Americano de Livre Comércio] foi assinado com o México [e Canadá] basicamente à procura de mão-de-obra barata. Agora queixam-se de que é a China que está na concorrência, mas, se há um monstro, foram eles que o criaram.

    P: Das 15 maiores empresas do mundo, sete são dos EUA e cinco são já da China.

    R: A China tem duas vantagens enormes em relação ao mundo capitalista ocidental. A primeira é que globalizou toda a sua economia exceto o capital financeiro. O capital é estatal, não tem esta ideia dos bancos centrais independentes que nós aceitámos e por isso deixámos de controlar a política monetária. A China está a defender-se do que prevê ser uma crise do dólar e da economia mundial comprando ouro (a China e a Rússia são os países que mais ouro compraram nos últimos dez anos). A segunda grande vantagem é que são 2 mil milhões de pessoas. Se ler as decisões do comité central do Partido Comunista da China – é chato, mas tem de ser -, são muito claros a este respeito. A China prevê que vai haver no ocidente resistência e, portanto, está a seguir duas estratégias: alimentar o mercado interno, orientando-se para ele, criando uma classe média, mais consumo (sem preocupações ecológicas, não as vejo), e depender tecnologicamente menos do ocidente. Não é por acaso que os grandes inovadores de Silicon Valley têm nomes chineses.

  12. Serviço público BSS 3:

    P: Voltando um pouco atrás: no livro defende que as vacinas devem ser gratuitas para todos.

    R: Muitos como eu estão a propor que a vacina seja um bem público universal, gratuito – uma luta perdida, mas muitas das minhas lutas têm sido perdidas, por isso, não é para admirar. Está a ser gratuita para os países que podem gastar dinheiro a comprar, mas as doses da vacina variam entre 2 e 14 euros, imagine o dinheiro que vai para as empresas, quando isto devia ser vendido a preço de custo, se houvesse uma consciência social de que é preciso salvar a humanidade. No livro mostro como, do ponto de vista capitalista, uma pandemia é um negócio.

    P: E não é legítimo ou justo que seja também um negócio, pelo que investe, pelo emprego que cria?

    R: Uma economia de mercado é totalmente legítima, uma sociedade de mercado é repugnante do ponto de vista moral. Há bens que não deviam estar no mercado: a educação, a saúde, a água. Há coisas de que precisamos e que, em meu entender, deviam ser realmente pagas pelos impostos. Posso estar em desacordo com o facto de ser muito mais tributado – e como ex-funcionário público, altissimamente tributado – do que a Amazon, a diferença é entre 40% e 1% ou menos. É repugnante, porque a minha crítica é que o Estado não utiliza o dinheiro da forma que eu gostaria, se utilizasse era muito mais eficiente. Não é imaginável que oito pessoas tenham tanta riqueza quanto a metade mais pobre da humanidade – estamos a falar de 3,5 mil milhões de pessoas. São oito homens (por acaso não há nenhuma mulher nesse grupo). Isto é um estudo da Oxfam [Comissão de Combate à Fome de Oxford, 2018] preparado para Davos.

    P: São eles Bill Gates, Amancio Ortega, Warren Buffett, Carlos Slim, Jeff Bezos, Mark Zuckerberg, Larry Ellison e Michael Bloomberg, para quem quiser saber.

    R: É curioso, porque este número costumava ser os 100 mais ricos. Vinte anos depois era os 30 mais ricos, agora os oito mais ricos. Quem publicou estes números mais recentemente foi Thomas Piketty, num artigo de opinião no “Le Monde”. Se fossem trinta continuava a ser mau, mas isto mostra o nível de concentração de riqueza que tornou o mundo extremamente injusto. No princípio do século não havia esta discrepância, a diferença entre o salário mais elevado do dirigente de uma empresa e o trabalhador era de dez, agora é de dois mil. Na questão do Estado e do mercado, a pandemia veio mostrar exatamente que o Estado é corrupto e ineficiente, porque vem uma pandemia e ninguém vai para o mercado, isso notou-se muito bem no serviço privado de saúde, até com a recusa em aceitarem doentes Covid, depois é que a coisa se foi modificando. Mas isto não foi só em Portugal, nos Estados Unidos também, o Estado teve de completar os seguros, digamos assim.

  13. Serviço público BSS 4:

    P: Foi lá que consolidou as suas ideias à esquerda?

    R: Posso dizer que o primeiro país que me ensinou alguma coisa, talvez o amor à democracia, foi a Alemanha. Antes de ir para os Estados Unidos fui estudar em Berlim Ocidental, e a minha namorada era de Berlim Oriental, de maneira que eu atravessava o muro todos os dias, quando estava mais apaixonado, porque nós estrangeiros podíamos atravessar o muro desde que não pernoitássemos. E via a sociedade do lado de cá e a sociedade do lado de lá e não era aquilo que eu queria. Já estava a alimentar as minhas ideias mais para a esquerda do que para a direita, muito oposto ao sistema colonial, mas aquela sociedade era muito estalinista, muito de concentração… Levei muitas vezes chocolates e meias de vidro para o outro lado, que não tinha, e transportei cartas nos sapatos, nas meias, clandestinamente, para pessoas que queriam criar ligações para depois fugirem para a Alemanha Ocidental. Não era o regime que eu queria, e eu vinha de uma ditadura.

    P: E foi isso que encontrou nos Estados Unidos?

    R: Os Estados Unidos ofereceram-me isso de uma maneira muito avançada. Depois aprendi o mau, porque vivi lá tanto tempo que fui aprendendo como se destrói uma democracia. Para mim Trump não é uma novidade, tenho vindo a assistir à degradação da sociedade americana nos últimos 20 anos, ela é óbvia desde que chegou o neoliberalismo, e depois de ter deixado de haver a concorrência do bloco soviético tornou-se mais violenta. Até então não era possível deslocalizar as boas empresas de automóveis dos Estados Unidos para o México, só depois. Eu, no país mais desenvolvido do mundo, no meu escritório e na minha casa, numa cidade encantadora de classe média, Madison, no Wisconsin, passei a cruzar-me com pessoas a dormir na rua – e são brancos, não são negros -, sobretudo a partir de 2008, por causa dos despejos, pessoas que perderam a casa por não pagarem os empréstimos. E vi quando, há uns dez anos, uma decisão do Supremo Tribunal permitiu às empresas passarem a financiar os partidos, sem limites e sem transparência. A partir daí os super-ricos passaram a controlar a política, não existe política democrática nos Estados Unidos. Dou-lhe um número: Trump, só para montar o escritório de advocacia para mostrar que a eleição foi uma fraude, precisou de 170 milhões de dólares.

  14. Serviço público BSS 5:

    P: Ao longo desta conversa já se referiu às mulheres três vezes. Se as mulheres tivessem mais poder, o mundo seria melhor, ou nem por isso?

    R: Potencialmente, seria. Tenho uma convicção feminista muito grande. Por observação. Não quer dizer que a mulher seja feminista só por ser mulher – uma das mais famosas até há pouco era extremamente conservadora, uma mulher com a qual não concordei em nada, Margaret Thatcher. Mas a verdade é que quando as mulheres juntam uma cultura feminista e a sua personalidade de mulher, isso tem efeitos. Por exemplo, os melhores desempenhos na pandemia têm como primeiros-ministros mulheres. A primeira-ministra da Nova Zelândia, que para mim é a política mais extraordinária que temos no mundo, depois do papa Francisco – veja, não sou católico [ri], mas ele é um político progressista. Porque quando as mulheres assumem essa especificidade feminina de uma perspetiva feminista, isto é, não para cuidar delas, mas para cuidar do mundo, têm uma lógica de cuidado que os homens não têm. Porque viveram, foram socializadas na economia do cuidado, da casa, da família. Ela tratou os neozelandeses como se fosse uma família a passar por uma crise; chegava a casa, com transmissões em direto, a explicar como ia mudar de roupa, como ia tratar do filho, que teve durante a pandemia, as medidas que estava a tomar para se proteger.

    P: Tem no livro uma secção sobre a pandemia e as mulheres, aliás.

    R: Conto no livro que quer ela, quer a primeira-ministra da Dinamarca, quer a primeira-ministra da Finlândia tiveram mais êxito no combate à pandemia. As mulheres tiveram mais atenção à proteção da vida, ao cuidado das famílias e ao problema dos pais quando as escolas estão fechadas, porque sabem por experiência quem aguenta com o trabalho quando isto acontece. Portanto, acho que se o mundo entrar num período de maior fragilidade do quotidiano devido à instabilidade que as pandemias podem vir a causar – e outros fenómenos ecológicos que penso que irão suceder, acontecimentos extremos como tsunamis, ondas de calor -, governantes mulheres saberão pôr na política uma economia de cuidado mais eficaz do que os homens. Isto não que dizer que os homens não possam ser femininos e as mulheres não possam ser masculinas.

  15. Bom texto, Valupi.
    Costa teve o mérito de acabar com o “arco da governação”, que tirava à esquerda a hipótese de governar, a não ser em circunstâncias excecionais.
    Mas cá vão mais umas achas para a discussão sobre a origem da “geringonça” .
    Jorge Sampaio, pela primeira vez, governou à esquerda, na Câmara de Lisboa.
    Passos Coelho, depois do bem sucedido assalto ao “pote”, optou pela exclusiva via da direita ao apresentar-se nas urnas em Pàf. Qualquer entendimento ao centro estava excluído à partida.
    Tudo corria bem até ao tremendo cenário pandémico.
    Por mais ataques, muitos deles bem sacanas, que façam ao governo, em nenhuma das múltiplas sondagens quando é perguntado se “outros fariam melhor” nem uma vez houve um “sim”.
    Costa é o melhor dos políticos atuais.
    Agora, os partidos políticos (refiro-me aos democráticos) não estão a perceber que há uma vozearia em excesso. O cidadão comum já não aguenta tantas “reações”, conferências, críticas, análises, etc, etc. Quando aparece um autor, uma boa proposta, uma obra, é um alívio.
    O humor, que tanto é necessário nos dias que correm, anda pelas ruas da amargura, com bandas desenhadas em que não há finesse mas apenas cinismo, quantas vezes rasteiro.
    Nem dá para aguentar as exigências, a toda a hora, de “mais meios”, a reclamação de direitos e mais direitos, sem se cuidar que é preciso ir buscar o dinheiro a algum lado.
    Quando surgirá uma avis rara, com a originalidade de agradecer ao país ter-lhe dado SNS, escola, segurança, bem-estar europeu?

  16. afinal fui eu o fodido. lá vou ter de trocar de telefone como diz o fautóino das apropriações indevidas.

  17. Este panegírico a Costa é irrealista, que se patenteia na esforçada prosa do autor, que não lhe é habitual. Referir a qualidade dos “compagnons de route” do primeiro-ministro em contraponto com os restantes partidos serve como exemplo do meu desacordo. António Costa, ao contrário do que o autor de deste post quer impingir, bebeu das mesmas linhas orientadoras da maioria dos da sua geração: Passos Coelho, Seguro, entre outros, ou seja, a predestinada e bem sucedida escola das juventudes partidárias. Claro que há diferenças, que têm mais a ver com a personalidade de cada um.

  18. quem foi? ó maria, não me diga que não viu o jeronimo logo na noite das eleições a dizer que o ps so não governava se não quisesse… isto é com cada uma! e já que o costa é assim tão bom nos acordos à esuqerda emtão qye faça lá mais um, os liders até são os mesmos. já não bastava o valupi e agora tb temos que levar com avençadas bate-palmas, enfim

  19. hahahahah ó inácio,

    saudades de quem? não podias estr mais enganado. devo ter sido das pessoas que mais festejou a coligação que já pedia publicamente bem antes das eleições. na altura que dizias tu ináciozeco? pois é melhor nem lembrar. mas vir dizer que foi o costa que desbloqueou à esquerda é tão hilariante que so mesmo pra quem come gelados oferecidos pelo ps com a testa.
    uma é a maria trogodita par quem só o capitão da equipa é que gaha os jogos, o outro é o pseudo-intelectual de tasca, o bocage dos pequeninos, que até parece que trabalha de guarda a este blogue. só rir

  20. ” mas vir dizer que foi o costa que desbloqueou à esquerda é tão hilariante que so mesmo pra quem come gelados oferecidos pelo ps com a testa.”

    claro que desbloqueou. negociou o que lhe propuseram e aceitou formar governo com o acordo alcançado com o pcp e bloco, se não aceitasse é que tinha bloqueado.
    tu é que marras com a antecipação do senhor dos sorvietes.

  21. analisando melhor a coisa. o costa não bloqueia nem desbloqueia. o costa vai gerindo os acontecimentos e quando aparece a oportunidade dá-lhe com o martelo. daí o cognome de optimista irritante.

  22. Sr.teste, era escusado tanto enervamento com a minha pessoa !, só disse que sem Costa não teria existido acordo! ou porque razão antes dele nem nunca tinha sido opção ?

  23. José Eduardo Firmino Ricardo, fazes muito bem em discordar. Já eu aproveito para concordar contigo: Costa, Seguro e Passos podem ser vistos como farinha do mesmo saco, olhando apenas para esse aspecto partidário que relevas.

    Porém, ficar nesse nível de análise será o mesmo que não conseguir distinguir uma pedreira das Pirâmides de Gizé. Costa chega a secretário-geral como uma das maiores estrelas políticas no PS, pelas provas dadas em três ​Governos e como presidente da câmara de Lisboa, com três mandatos no bornal quando desistiu do lugar. Seguro chega a secretário-geral com muito menos currículo, embora também já tivesse experiência governativa. E Passos Coelho torna-se presidente do PSD depois de um percurso onde os feitos mais notáveis são ter perdido nas autárquicas na Amadora e andar a viver à custa de Ângelo Correia e Relvas.

    Quer-se dizer, há algumas diferenças entre esta gente, parece-me.

  24. claro, o pib regional de penamacor, caldas e peniche não para de subir desde que investiu no turismo de habitação, desodorizantes e seven-up ou start-up, se não for é parecido.

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