Como (não) discutir com um comuna

Existe uma parte do PS que acredita numa qualquer aliança da esquerda que permita viabilizar um Governo que inclua o BE e o PCP de modo a poder excluir qualquer aliança com a direita. Se tal acontecesse, e para além dos foguetes que ribombariam durante horas ou dias seguidos, a História teria de reservar um capítulo inteiro só para conseguir explicar como tal havia sido possível. Porque não foi ainda em quase 40 anos de democracia e não parece que algum dia o venha a ser. Vejamos um exemplo translúcido:

Pedro Nuno Santos apresenta-se, à superfície, convicto e generoso no estender de mão ao PCP. O seu argumento comporta três elementos: (i) suposta vontade maioritária ou relevante do eleitorado para que se alcance a união da esquerda; (ii) as coligações do PS com a direita são invariavelmente efémeras, como o passado demonstra; (iii) qualquer coligação implica a necessidade de fazer cedências, pelo que o PS tem mais a ganhar se as fizer à esquerda do que à direita. Qual o problema desta posição? É apenas para consumo caseiro, por um lado, e é simplista, não tocando na questão essencial. À sua frente, Jorge Pires, um representante da mais pura ortodoxia partidária comunista, apenas teve de meter a cassete para reduzir o socialista à sua condição de serventuário do imperialismo capitalista.

O Pedro, para lidar com a recusa do Jorge em promover a mínima convergência, enveredou por um apelo ao pragmatismo, a evidência de que o sofrimento do povo é tão grande e tão grave que deveria ser suficiente para que a esquerda aceitasse unir-se na defesa do comunidade, finalmente superando as diferenças e desconfianças entre si – nem que fosse só para responder à presente emergência. Embalado, chegou a ameaçar com uma punição eleitoral quem recusasse esta união. O estratagema, contudo, era fatalmente pífio, pois o PCP em Março de 2011 tinha abundantemente exibido qual a importância que dava ao interesse nacional visto a partir da contabilidade do que protege ou ataca os cidadãos. Sem surpresa, o Jorge repetiu, agora mais devagarinho, que “a unidade da esquerda não é um exercício de aritmética; 1+1+1=3“. A aritmética é pueril, actividade para meninos. Lá na Soeiro Pereira Gomes é tudo muito mais avançado, até conseguem “interpretar a vontade da maioria do povo” sem precisarem que esse mesmo povo lhes dê razão através do voto. E o que quer o povo, então, de acordo com os seus verdadeiros proprietários? Quer sair do Euro e da União Europeia e passar a viver não se sabe como, mas, indiscutivelmente, com patriotismo para dar e vender.

O momento mais interessante do debate, para quem tiver nos seus planos discutir com um comuna, foi aquele em que o Jorge explicou o fracasso eleitoral do PCP ao longo de décadas: a mensagem não chega a toda a gente em condições de igualdade com as mensagens da concorrência. Através desta falácia intencional, ou crença inamovível, um militante do PCP consegue lidar com a dissonância cognitiva de se imaginar na posse da ciência da História e, em simultâneo, se ver ignorado por essa mesma História que continua a adiar o nascer dos amanhãs que cantam. O processo mental é exactamente igual ao de qualquer seita apocalíptica, cujo exemplo mais conhecido por cá é o das Testemunhas de Jeová, onde as organizações têm de ir continuamente garantindo aos fiéis que a salvação está iminente apesar da chatice de não haver nenhum sinal inequívoco nesse sentido. Os comunas repetem que a culpa é da comunicação social, a qual terá o poder mágico de conseguir anular não só o frenesim e prolixidade incansável do Partido como até o de abafar as circunstâncias económicas e sociais que a doutrina marxista decreta serem as suficientes para que o proletariado saia à rua em ordem a consumar a revolução. Esta alucinação não mereceu nem do interlocutor nem do jornalista qualquer atenção, espantosamente. E essa alucinação é a que mais fácil e rapidamente conseguirá levar um comuna a confrontar-se com o sistema mitológico que lhe confere a identidade.

O comunismo é uma ideologia utópica tão legítima como qualquer outra. A muitos comunistas, ou enquanto o foram, devemos muito. A história da democracia, dos direitos humanos e da liberdade regista os seus nomes. Em Portugal, ainda devemos mais, pois a resistência contra uma ditadura novecentista e rural teve no PCP a principal força motriz. Mas um comuna é outra espécie de animal. O comuna tem aversão à democracia e, portanto, foge do pensamento crítico como se visse o Diabo. Discutir com um comuna, pois, deve ser um exercício de implacável curiosidade – esse tão perigoso desvio burguês aos dogmas do Comité Central.

17 thoughts on “Como (não) discutir com um comuna”

  1. oh santa ingenuidade! é óbvio que o pcp não faz alianças eleitorais e muito menos à esquerda, as negociatas pós eleitorais com a direita são tradicionalmente mais vantajosas e estão à partida asseguradas sem espalhafato mediático, como convém. há 40 anos que a direita usa os comunas para compensar os devios do eleitorado flutuante.

  2. o link não funcemina, mas não percas tempo com isso. acho que é no final dessa conversa que o gajo dos quadros patrióticos de esquerda diz que não fizeram coligação para as autárquicas porque seriam benéficas para os xuxas, pelos vistos só fazem coligações que prejudiquem o partido socialista.

  3. Muito bem caro Val. Bastou ir à Reitoria há uma semana, ouvir o discurso do camarada destacado para o momento e conferir que com aquela gente é impossível. É mais provável o meu Belenenses ser campeão nacional para o próximo ano do que uma união à esquerda.

  4. O facto de todos sabermos que nem PCP nem BE estão disponíveis para soluções dentro da Esquerda, não nos deverá impedir de os res-pon-sa-bi-li-zar, com todas as letras, pelos trunfos que a Direita deles recebe, directa e indirectamente. Quando (e se) as coisas ficarem claras aos olhos de todos, algo mudará, sim.

  5. A função dos comunistas é enfraquecer a esquerda e contribuir para que haja um governo de direita. Tal como o fizeram durante quase meio século, com sucesso, até 1974. Em 1974-75, tentaram apoderar-se do poder, mas deu pro torto. A partir de 1976 voltaram à velha estratégia, até hoje. Estiveram sempre contra os socialistas e ajudaram quatro vezes a direita a chegar ao poder. Mais claro do que isto não há. Falar com eles foi, é e será sempre inútil.

  6. “Os comunas repetem que a culpa é da comunicação social, a qual terá o poder mágico de conseguir anular não só o frenesim e prolixidade incansável do Partido como até o de abafar as circunstâncias económicas e sociais que a doutrina marxista decreta serem as suficientes para que o proletariado saia à rua em ordem a consumar a revolução.” Val, é uma questão de fé: não deixam que as falhas na teoria lhes abale a convicção. Fazem-me lembrar o Gaspar.

  7. nuno santos, no 25 de abril, ainda andava de fraldas,e como tal ,ainda sonha com um governo com a maralha “dos amanhãs que cantam.”só pensa assim quem não conhece o adn dos comunistas.numa coligaçao dessa natureza, não tinhamos o pleno dos votos dos comunistas e assistiamos à fuga de milhares de socialistas com memoria, da politica a nivel nacional e internacional que o pcp defendeu no passado e continua a defender no presente. a sua visao sobre a coreia e a “construçao do socialismo” na china sao sintomas de um partido doente. o pcp, sabe que ao coligar-se como o ps assina a sua sentença de morte por ter que abdicar de muitos dos seus dogmas. ser contra a nato,contra a união europeia contra a moeda unica, e contra o federalismo.o medo de um futuro identico ao do pce, pcf e pci.atormenta-os.o pcp é mais do que um partido, é uma empresa com milhares de dependentes.estes encontros saõ bons pois permitem ver a verdadeira face do pcp.não ouvi ainda o debate com pedro nuno santos e o membro,do pcp,pos estou a ouvir o debate sobre o orçamento rectificativo,com o ministro da economia nesta altura a debitar lixo toxico.para ingles ver.

  8. Resumindo : se não ha aliança à esquerda, isso deve-se unica e exclusivamente ao facto de os parceiros possiveis do PS serem gente completamente intransigente, em quem não se pode confiar de maneira nenhuma, e com quem devemos abster-nos de falar, sejam quais forem as circunstâncias…

    Boas

  9. acabei de ouvir o debate de nuno santos com o membro do pcp.só tenho a dizer, que a sua prestaçao foi simplesmente desastrosa, e ao arrepio do pensamento da maioria dos socialistas. nuno santos, fez-me lembrar arnaldo de matos lider do MRRP,que andava à km à frente do militantes e do pensamento do partido!

  10. é que nem duvides, oh viegas! uma coligação do pcp com o ps significa o desaparecimento imediato dos comunas, o desemprego dos funcionários do partido, o pânico do bloco que parasita no meio e a desgraça das maiorias de direita nos próximos tempos. ninguém quer coligações destas, só na cabeça do márocas, que ainda pensa que estas coisas se resolvem telefonando a uns gajos conhecidos. o nuno santos é ingénuo ou falhou um exercício de cinismo que poderia ter contribuído para desmascarar a política pró povo do pires côxo.

  11. Enquanto um socialista garante aqui no vídeo que o PS prefere coligações à esquerda outro socialista (F. Assis) garante que coligações é preferível à direita. Vocês já viram bem quem é o vosso líder – um puro oportunista político que portanto jamais se vai comprometer com alguma coisa além de generalidades inócuas. É com ele que vocês querem compromissos da esquerda?, com quem aceita ser levado pela mão de Paulo Portas ao sarau do grande capital? Com um líder que até hoje ainda não conseguiu uma palavra mais dura contra essa corja de banqueiros que chupam o orçamento de Estado e ainda vêm cagar sentenças sobre o que deve fazer e aguentar o povo?

    Onde é que está a indignação do PS em relação aos Swaps ruinosos ? Em lado nenhum. Porquê? Porque o PS está metido nisso até ao pescoço e portanto anda caladinho que nem um rato. É isto, é esta porcaria que vocês têm para apresentar para um política de esquerda? pffff

    O PCP, talvez vocês não se queiram lembrar, apoiou Soares contra Freitas e a diferença de votos entre um e outro indica que o apoio do PCP foi importante. Essa vossa ideia de que o PCP prefere a direita ao PS serve apenas para esconder de vocês mesmo que é o PS que prefere e sempre preferiu a direita.

  12. joao viegas,não há alianças com o pcp,porque eles não querem.quem faz as exigencias dos comunistas,não quer coisa nenhuma. todas as conquistas, que um partido com 8% dos votos, conseguir num governo de coligaçao ou numa soluçao de apoio parlamentar, serão benvindas,mas tambem tem que aceitar, que o partido maioritario nessa coligaçao, tenha as suas conquistas que podem não coincidir com a vontade dos comunistas. se o pensamento dos partidos coligados fosse identico em todas as materias,a bem contas publicas, não havia necessidade de ter tanto partidos a defender o mesmo.resumindo: o pcp não quer ser poder em democracia e muito menos reparti-lo! e o nuno santos com os seus complexos de esquerda ainda não descobriu.

  13. joão,era o que mais faltava! vermos o pcp numa segunda volta presidencial entre mario soares e freitas de amaral ,não votar no candidato que representava a esquerda que mais contribuiu para a constituiçao, sns, escola publica,e todas as outras conquistas de carater social. o ps é um partido democratico com direito de tendencia,como tal é natural que haja opiniões divergentes. se a tua medida para aferir se um partido é de esquerda,saõ as “swaps”,o que não podemos nós dizer quando o pcp é “parido”,e alimentado por um partido ,que causou milhoes de mortes,e pela força do povo desapareceu da cena politica. convem não esquecer o apoio à coreia e “o sucesso chinês na construçao do socialismo” .palavras de albano nunes membro do comite central que chefiou delegaçao do pcp à china em 14 de maio de 2008.

  14. pois, milhões de mortos, stalin, coreia do norte, etc e tal. você não tem nada a dizer pelo seu partido quanto ao tema em pauta, do que a cassete direitista e anti-PCP do costume. Por mim confirma simplesmente o que eu disse. Para quê vir com conversa de aliança à esquerda se o PS gosta é de se passear com os inimigos do socialismo? Ide pela mão do Portas e do Balsemão ao sarau do grande Capital…e fazei bom proveito. O PS gosta é disso.

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