Como é que chegámos aqui? Ficando e calando

Como é que chegámos aqui? Aqui onde a direita partidária se foi prostrar aos pés de um partido com um solitário deputado, deputado esse que defende em público a violação de direitos humanos e o aprisionamento de democratas. Aqui onde um caluniador profissional sem leituras nem pensamento é tratado como a intelligentsia da actual direita, o ponta-de-lança da normalização mediática do tal deputado abjecto e seu partido aberrante.

André Ventura e João Miguel Tavares partilham a mesma visão sobre o regime: está podre, corroído pela corrupção. Ambos repetem que toda a classe política, da Assembleia da República à Presidência da República, passando igualmente pelos Governos sucessivos, é cúmplice na criação e aprovação de leis cuja finalidade suprema não é o interesse nacional, tão-somente a impunidade para se continuar a roubar sem ser possível aos raros polícias, procuradores e juízes que resistem imaculados apanharem a bandidagem e dar-lhe a sova que merece. Ambos são igualmente sósias na esperança messiânica de que Passos regresse para resgatar a Grei das mãos dos socialistas diabólicos e inaugurar um novo regime que irá durar mil anos sem casos de corrupção, pois finalmente a Justiça vai obrigar os criminosos socialistas a provarem a sua inocência caso pretendam sair dos calabouços (pista: não vai ser nada fácil dado que o mal está-lhes entranhado na pele e consegue ver-se nos olhos a brilharem de maldade quando os corruptos ficam às escuras).

Inacreditavelmente, o presidente da comissão das comemorações do 10 de Junho de 2019, vedeta incensada pelo director de um “jornal de referência” que o cita sem parar, nunca é interrogado sobre as fontes do seu conhecimento acerca dos males que nos afligem. Rui Tavares, em A imaculada conceção do fascismo inconcebível, ensaia ao de leve esse exercício, mesmo assim já marcando uma radical diferença face à classe jornalística e comentarista circundante. Nem Tavares nem Ventura precisam de qualquer dado, número, facto para despacharem caudalosas lengalengas sobre o Apocalipse que precede a entrada no Paraíso (se o tal Passos coiso e tal, bem entendido). Basta-lhes a indústria da calúnia dominada pela direita e sua imparável produção sensacionalista, método que deu a ambos o prémio de terem visto um primeiro-ministro, um Presidente da República e um líder da oposição a irem ter com eles com o rabo a abanar.

Considerar João Miguel Tavares um liberal, ele que faz claque pelos que cometem crimes na Justiça e que treme de êxtase com a ideia de se reduzirem os direitos individuais face ao Estado (mas só para se apanhar e castigar os seus alvos, depois pode-se voltar logo ao Estado de direito democrático, claro), é não apenas estúpido perante o que vende em público, é lunático. Considerar André Ventura de direita, ele que poderia ocupar qualquer quadrante ideológico do populismo exactamente com os mesmos objectivos imorais, inumanos e subversivos, é não apenas lunático perante o seu oportunismo rapace, faz de nós estúpidos.

Nós não chegámos aqui. Este aqui tem estado connosco desde 2004. Chama-se decadência da direita e, por terem declarado guerra à decência com meios de condicionamento da opinião pública nunca antes usados em democracia, conseguiram arrastar a esquerda para uma forma de cumplicidade que explica o actual triunfo dos pulhas e suas pulhices. Se ficamos banzos com o festival de irracionalidade criminosa que Trump está a dar ao mundo, não ficarmos atónitos com a facilidade com que André Ventura e João Miguel Tavares nos tratam como borregos é em si mesmo um crime de lesa inteligência e contra o respeito próprio.

10 thoughts on “Como é que chegámos aqui? Ficando e calando”

  1. E que tal a entrevista do Vitor Gonçalves ao Cherne?
    Parecia um aluno a fazer perguntas ao director para o jornal da escola. O ar embevecido do jornalista, principalmente no final… Um nojo!
    Foi um passeio no parque para o imbecil empregado da Goldman Sachs. Ainda por cima na televisão do Estado, que é paga por todos nós.
    Desde que o Sarmento meteu as mãos na RTP para fazer o “saneamento financeiro”, acabou por restar um punhado de merdosos jornaleiros com agenda globalista, para não falar da seita que migrou das privadas (principalmente da SIC) para mamar na teta pública.
    Dá para perceber, perfeitamente, como chegámos aqui.

  2. … mas isto não fica aqui. Há já algum tempo, esta entrevista é um momento alto, que foi iniciada a limpeza de imagem do Cherne ,a ser promovido ( a presidência da Aliança Global para as Vacinas , nesta altura até vem mesmo a calhar). O objetivo é para daqui a 4 anos e tornará a haver direita no governo e na presidência. da republica. Nem é necessário ir à bruxa…

  3. f, agradeço teres trazido esse texto. Presumo que concordes com o mesmo, pelo que talvez se possa conversar a respeito.

    Achei a exposição do João Rodrigues tímida. Porque, se a ideia é a de fingir que não se percebe o que se nomeia, na actualidade, com o termo “populismo”, então o melhor é despejar logo a tralha toda para cima da mesa.

    Indo por aí, não só é possível dividir o populismo entre a sua versão má, de direita, e a boa, de esquerda, como faz o marxista João Rodrigues, como teremos de nos referir a múltiplos populismos cujas tipologias e características estão relacionadas com geografias, épocas, contextos os mais variados.

    Aliás, e nesta lógica analítica e estrutural, concordo com a tese que considera, em regimes democráticos, todos os partidos como representantes do populismo, independentemente da sua ideologia. Isto porque cada partido se considera representante do “povo”; logo, cada partido compete para ter a “verdade popular” na sua posse, daí atacando os partidos concorrentes por estarem contra os “interesses do povo”. Enfim, etimologicamente os termos “democracia” e “populismo” são sinónimos, né?

    O problema não está no pensamento mágico que fantasia o “povo unido” a tomar as melhores decisões de braço dado, o problema está na chatice de tal só ser possível em tribos ou aldeias (pequeninas, muito pequeninas). Para que comunidades de milhares, e milhões, e dezenas de milhões, e centenas de milhões, se consigam organizar politicamente, e tomarem decisões que protejam essa complexidade social, então é preciso instituir formas de representação e sistemas legais.

    É disso que se fala actualmente ao referir a vaga populista. Estes populistas europeus, que são os que directamente nos interessam, servem-se de instintos de sobrevivência ligados ao conservadorismo de direita e aos nacionalismos de todas as cores para atacarem os representantes democratas e as leis que enquadram a sua actividade. A cassete contra a “corrupção” não passa da exploração dos medos e ignorâncias dos mais fragilizados, os quais aderem em manada a promessas de milagreiros que, como se vê com Ventura, nem sequer gastam uma caloria a disfarçar ao que vêm.

    Aconselho-te a ler os comentários ao texto que vieste aqui sugerir.

  4. O problema está, mesmo, em certa elite euro-liberal dita de esquerda! E não vale perguntar: “o que ser de esquerda” ?

  5. Constata-se que Valupi, além de não saber “o que é o socialismo?” dispara “marxista” como se fosse insulto! Com adversários destes bem podem o Ventura e seus mandantes e financiadores ficar tranquilos…

  6. “A cassete contra a “corrupção” não passa da exploração dos medos e ignorâncias dos mais fragilizados, os quais aderem em manada a promessas de milagreiros que, como se vê com Ventura, nem sequer gastam uma caloria a disfarçar ao que vêm”

    Que queres dizer com isso ? A corrupção não existe ? A corrupção é um problema de somenos importância ? A corrupção é inevitavel e é ilusorio combatê-la ? Todos os programas de governo dos partidos do centro, que presumo julgaras menos propensos ao “populismo”, elegem a luta contra a corrupção como uma prioridade. Incluindo os dois programas eleitorais daquele lider do PS do inicio do século, Alcibiades, ou la o que era, lembras-te ? A mesma coisa pode ser dita da esmagadora maioria dos paises democraticos. Populismo ?

    O populismo começa precisamente quando enchemos a boca com frases sonantes sem procurar saber do que falamo nem ater-nos a uma coerência minima.

    Boas

  7. ora , temos populistas que crescem pela europa fora alicerçados na percepção pública de que o poder corrompe , seja qual for a forma de adopte ; soma-se o facto de nas democracias os alegados corruptos serem “castigados nas urnas ” , castigo que não substitui de forma alguma os carrascos de antigamente ( bem , na Espanha alguns estão na prisão , note-se) ; e temos aqui uma alminha que pretende combater o populismo negando a corrupção…. esta forma de combater o populismo é muito à frente para minha camioneta.

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