Cineterapia


20th Century Women_Mike Mills

Se o cinema pode funcionar como terapia, e pode, Mike Mills está a poupar uma fortuna em psicólogos, psiquiatras ou psicanalistas por ganhar aquilo com que se compram os melões sendo realizador. Este filme é, explicitamente, um estudo sobre a sua mãe, e o anterior, Beginners, foi explicitamente um estudo sobre o seu pai. Logo, dois estudos acerca de si próprio através de duas personagens maiores do que a vida, no sentido em que a sua versão cinematográfica é outra coisa ontologicamente diferente das biografias na sua origem. É que o cinema não pretende imitar a realidade, o cinema é uma das realidades onde podemos habitar.

Será fácil dizer que esta obra elabora, na sua essência e intenção, um manifesto feminista. Aliás, tal fica como rótulo inevitável. O eixo central da narrativa consiste na exposição de uma única mulher matricial clonada por três identidades que correspondem a três idades, e a três modos, do ser mulher. E que mulher é essa? Em registo desvairadamente redutor, aquela que na adolescência se adapta ao desejo masculino, mesmo que não goste de metade das experiências sexuais. Que ao entrar na idade adulta se torna conhecedora do seu corpo e dos direitos políticos que tal anatomia e fisiologia lhe concedem. E que na maturidade atinge a liberdade possível, individualista, simbolizada no cliché do voo de rosto descoberto na imensidão das alturas.

Esta obra é uma brisa, mas daquelas veterotestamentárias. A sua imparável força nasce de não nos pretender convencer de nada. Não há lições, nem moral, nem ideologias a quererem saltar do ecrã para os incautos sentados no escurinho. Em vez disso, temos o olhar de um homem que gosta de mulheres. Como elas são e quiserem ser.

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7 thoughts on “Cineterapia”

  1. olha, o filme pode não nos quer convencer de alguma coisa – mas o teu texto convenceu-me: convenceu-me da comovente complexidade que é ser mulher. beijinho na ponta dos teus dedos. :-)

  2. Deixo-te isto aqui ao lado, Valupi, porque obviamente que não pretendo que o teu lindo, enésimo e brilhante post sobre as maldades do Pacheco Pereira se confunda com nada. E olha que o digo seguramente porque ainda não o li, mas será certamente brilhante e certeiro como as horas do relógio da torre nas terras da província.

    Score, 37-1 (a proeza do um deve ser assacada aos sôtores Araújo e Delille e ao juiz que range-range qualquer coisa mas não me lembro do nome). Inspiremo-nos no Barcelona, pois sabemos que nada é impossível.

    “Existe um risco real do não reconhecimento público da imparcialidade do senhor magistrado, encontrando-se afectada, de forma grave e séria, objectivamente, a confiança pública na administração da justiça e, em particular, a imparcialidade”, observa o Supremo Tribunal de Justiça.

    Aqui: https://www.publico.pt/2017/03/09/sociedade/noticia/juiz-rui-rangel-afastado-de-decisoes-sobre-a-operacao-marques-1764650

  3. You don´t say…speechless…hum, meanwhile, you´re doing the same BS

    ah! quando se tem dotes linguísticos….

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