Jodaeiye Nader az Simin_Asghar Farhadi
Num documentário da produção de Persepolis, a felicíssima adaptação do romance em banda desenhada com o mesmo título, Marjane Satrapi explica que a linguagem gráfica permitiria realçar a universalidade da história, e histórias, que tinha para contar. Segundo a autora, e co-realizadora, era importante fugir da visão folclórica que mostrasse os iranianos como seres exóticos, destituídos de pontos de identificação para o público ocidental, perigo que antevia na utilização da fotografia. Também a opção pelo preto e branco favorecia a homogeneidade de uma narrativa com algumas cenas fantasistas e oníricas, disse na explicitação do intento hermenêutico e estético de apuramento do olhar humanista que percorre toda a obra de lés a lés e de alto a baixo.
Vem esta citação como introdução a contrario do que precisamente acontece no filme – igualmente de um iraniano e tendo o Irão como cenário – que em português responde pelo nome Uma Separação. Enquanto no exercício de Satrapi a exclusão dos elementos superficialmente realistas liga-nos de imediato à realidade das personagens, a qual é a nossa tanto no que tem de essencial como até no que tem de acidental, no exercício de Farhadi o caminho é diametralmente oposto: é a superfície da realidade que reclama atenção, acabando por se erigir como protagonista. A verdade das personagens está à vista sem mediações, enfrenta-nos, confronta-nos, abraça-nos, insulta-nos. Não há qualquer fuga porque para onde formos não só vamos encontrar essa realidade como vamos também levá-la connosco, o que resulta numa espiral onde a realidade é cada vez mais densa, mais esmagadoramente presente. E assim surge, com rigor geométrico, o veículo que leva o espectador a abandonar todos os particularismos ficcionados para atingir uma contemplação de realismo universalista paralela à de Persepolis: somos nós que estamos ali naquele Teerão onde nunca fomos e que nunca vimos – aquela separação é nossa, é a nossa.
Este é o filme do ano, Farhadi é um grande mestre, e a meio da projecção já dá vontade de nos levantarmos e bater palmas, bater em tachos e panelas, lançar urros e cartolas pelo ar, tamanho o virtuosismo com que somos levados sem uma falha para dentro daquele mundo. Um mundo atravessado por um vendaval de mentiras e cegueiras. E que termina com a milenar lição sapiencial: o que nos separa é um espaço vazio, uma porta aberta.
http://www.youtube.com/watch?v=zc2EHAX9ewM&feature=player_embedded
Grande texto, primo. De resto, já tens aqui uma bela colecção de textos sobre cinema. Gosto muito da forma como “pegas o lobo pelas orelhas”, estabelecendo diálogos bem estimulantes entre diversas obras cinematográficas.
Aristóteles (como sabes) fala disto tudo na Poética, no caso concreto da catarse das obras dramáticas e, tal como tu, fala da importância das máscaras na identificação entre o espectador e actor da tragédia. Fico cheio de vontade de ver o filme.
Primo, grande, enorme, é a tua generosidade. Mas vou guardar essa equiparação com Aristóteles para mostrar à minha mãe e ela poder orgulhar-se do filho que deu ao mundo.
já eu gostei mais da parte da descrição do entusiasmo com tachos e panelas e urros, por serem expressões de vida, realidades saídas de filmes, e até quase que o vi em pelota de formalismo com a mamã a dizer-lhe: ai filhinho, que ventania fazes, meu tesourinho, tens de fazer todos os dias uma assim. :-)
Val, mais uma vez, parabens por colocares em palavras o que passa do filme…mas passa muito mais, caramba, que a obra em causa tem leituras que nunca mais acabam.