Alguns dos melhores seres humanos que viremos a conhecer nesta vida estão nos filmes de John Ford. Sabemos que são os melhores por este único e infalível critério: fazem-nos chorar. Chorar com ou sem lágrimas, com ou sem choro, que em cada um as águas da alma têm carreiros só delas. Mas chorar, derreter os gelos da indiferença, soltar o cântico de fontes e riachos, regar a terra onde sementes de esperança foram lançadas muito antes do começo do tempo. Chorar na partida e na chegada. Na travessia, no caminhar, no devir. Chorar de tristeza, chorar de alegria.
Este filme abre com uma estrada. Um homem aproxima-se de um cruzamento. Vem da prisão, vai para casa. Estás prestes a descobrir que já não tem casa, que o mundo se tornou numa prisão para si e para a sua família. Ele nunca mais sairá da prisão, da encruzilhada. A sua mãe, sim.
Suspeitar que o realizador mais importante na elaboração da mitologia militar e nacionalista norte-americana, aquele que se descreveu profissionalmente dizendo que só fazia coboiadas, o criador de John Wayne como ícone da direita ultra-conservadora, fosse simpatizante comunista apenas lembraria aos imbecis do maccartismo. E lembrou, por causa deste filme ser uma lição de economia. Explica como catástrofes naturais levam a catástrofes económicas. Indigna-se com a tirania e violência inumana do sistema bancário. Desmonta a manipulação laboral do patronato. Defende o direito à greve como meio de alcançar remunerações justas. Denuncia os preconceitos da classe média. Ilustra a pobreza extrema, pobreza de fome, que se viveu nos EUA durante a década de 30, quando à Depressão se juntou um fenómeno ecológico devastador para a agricultura de alguns Estados. É um filme que está mais actual hoje do que toda a produção cinematográfica já estreada este ano ou a estrear. É mais do que um filme, é um meta-documentário.
Jane Darwell chegou ao cinema com 40 anos. É a quem Ford entrega o coração da obra-prima, do fresco humanista intemporal. Todos os momentos anteriores, todos os actos de vilania e generosidade, de abjecção e heroísmo, vão dar ao seu discurso final. Onde uma mulher revela a um homem o que é o povo. E o filme acaba como começa, numa estrada.
que maravilha de texto, Valupi!
É um filme interessante. Recordo-me da chegada à casa devastada, em ruínas, após a saída da prisão e o fulano da terra em cima do tractor, armado em gringo, porque lhe pagavam os tostões para dar cabo daquilo tudo, daquela terra e daquelas recordações.
Que belo texto. E como deve ser condizente, o filme. Conheço um professor de liceu que passa nas aulas de economia os flimes de John Ford, para assim explicar a matéria mesmo ao mais distraído dos alunos. E reconheço que tu, Valupi, saberias por certo dar aulas de filosofia com eles (fora esta e outras lições de bem escrever que nos dás por aqui).
cresci com Steinbeck , ainda que o meu preferido seja “ratos e homens” . nunca consegui ver o filme deste conto até ao fim . como sei o que acontece , às tantas fico com nó na garganta.
mf, LOL. “Ratos e Homens” é de arrepiar.
não aprecio cinema – mas gostei da amostra.:-)
Meu caro Val,
Isso é porque tu gostas de filmes que são blockbusters como eu. Somos dois tristes subprodutos da malévola indústria americana e sobretudo de ” não se fazer cinema de qualidade em Portugal”. Disse-me um neoliberal há bocado. Ninguém. Nem mesmo o Manuel de Oliveira escapa.
Ah, mas dirás tu na tua mente americanizada: nah, eu até vou ver alguns filmes portugueses de sucesso. Responde o neolib. Adivinha…Que em Portugal os únicos fimes de sucesso são aqueles que têm actrizes nuas. Bingo! Para o mesmo rapaz que tinha aconselhado a Maria João Pires a prostituir-se antes de pedir subsídios à cultura.
Por isso se esperas ver produções destas em Portugal esquece. Esta malta quer acabar com os subsídios à cultura.
Ah, e o inevitável link:) http://bit.ly/UItI5
Abraço,
Carlos
Dos filmes da minha vida. Devo a dica ao Tarantino.
tens aí um que vi quando era puto,