Bute dar dinheiro à HBO

A derrota de Hillary Clinton para Donald Trump, em 2016, oferece uma juliana de possíveis explicações ao gosto de qualquer freguês. A esquerda pura e verdadeira dirá que foi bem feito, o castigo por ela ter impedido Bernie Sanders de ser um adversário ainda mais fácil para Trump e por não ter prometido aos trabalhadores americanos não sei o quê ao gosto da esquerda pura e verdadeira. A direita fanática e bronca dirá que foi bem feito, o castigo para os seus crimes, a sua corrupção, o Diabo entranhado em cada célula do seu corpo. E a malta do centro dirá que foi desgraçadamente mal feito, uma tragédia planetária nascida do estigma de ser mulher, da inércia e toxicidade do nome Clinton, do invencível fenómeno mediático tomado pela insanidade espectacular de Trump e, acima e antes de tudo – para mim, para a Hillary e para o próprio – tragédia cuja causalidade mais tangível está na paradoxal decisão de reabrir a investigação do FBI ao correio electrónico da ex-secretária de Estado, tomada por James Comey a 11 dias da ida às urnas. Tendo a vitória de Trump sido alcançada por poucos milhares de votos nalguns Estados fulcrais, a bomba lançada por Comey poderá ter sido o factor mais decisivo no resultado eleitoral ao levar democratas a desistir de ir votar, indecisos a optar por Trump, e ainda republicanos que não iriam votar por aversão a Trump a mudar de atitude numa pulsão vingativa contra os Clinton.

The Comey Rule permite-nos conhecer dramatizada para televisão a versão do então director do FBI sobre o que se passou nos bastidores da Justiça e da Casa Branca, antes e depois das eleições. Estamos perante um melo-docu-prop-drama. Os acontecimentos são históricos; o ponto de vista é parcial, sectário e guerrilheiro. Trump é apresentado como um chefe mafioso, um monstro de narcisismo patológico e criminoso, um ogre dominado por Putin e pela sua (de ambos, afinal) megalomania. O intento narrativo é o de reduzir Trump a uma caricatura assustadora, moral e visceralmente insuportável. Comey surge pintado como santo franciscano e herói do Estado de direito e dos valores da família. Um santo levado pelo destino funesto para um dilema dilacerante: em nome do Bem teve de favorecer o Mal. E foi em nome dessa família no Céu, corporizada num FBI ideal inspirado divinamente pelo espírito da Lei, que resistiu à tentação satânica da sua própria família terrena e pecadora quando esta lhe pediu que traísse a sua integridade para salvar a América de ficar nas mãos de Trump.

É fácil bater neste filme, disponível em 4 episódios na HBO. Mas é ainda mais fácil perceber, entender e compreender como o seu excesso retórico está ao serviço da liberdade. Comey ama a América, Trump julga-se a América. É quanto basta para ficarmos agradecidos a todos os envolvidos na criação, produção e distribuição da obra. E irmos a correr dar dinheiro à HBO.

10 thoughts on “Bute dar dinheiro à HBO”

  1. D. Pedro Tinto, Faecesbook é mais próximo do original. Quando aportugueso a coisa gosto mais de “Livrodotrombil”.

  2. Não é nada líquido, bem pelo contrário, que Bernie Sanders tivesse sido um adversário “ainda mais fácil” (?!?) para Trump que Hillary e Valupi sabe-lo bem.

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