Bem-vindos ao pós-25 de Abril

O Presidente Cavaco Silva nunca usou o cravo. E agora se percebe porquê. Porque antes do 25 de Abril foi salazarista. Embora tanto deva ao regime que resultou da Revolução dos Cravos. Mas só agora se compreende e a dois anos do fim do seu mandato e protetor de um Governo, que em boa parte pensa como ele, a verdade vem ao de cima. Como sempre.

Mário Soares, Abril de 2014

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Até muito recentemente, teria sido impossível ver um ex-Presidente da República a criticar o Presidente da República. Que eu saiba, mas corrijam-me se estiver enganado, nunca António de Spínola, Costa Gomes, Ramalho Eanes e Jorge Sampaio o fizeram. Mesmo no caso de Soares, e tão próximo como 2009, não vimos nenhuma reacção sua à “Inventona de Belém”, suprema ocasião para verbalizar o que achasse por bem verbalizar face ao maior escândalo ocorrido na Presidência e, num certo e democrático sentido, no regime.

Nos últimos dois anos, pelo menos, Soares tem aparecido num crescendo de ataques à outrance contra Cavaco. A citação acima corresponde a um zénite depois do qual não se imagina o que mais se poderá ir buscar antes de se chegar a acusações do foro criminal. Eis que um ex-Presidente da República, que ficará na História como um dos principais responsáveis pela instauração da democracia em Portugal, carimba o Presidente da República, e também o Governo, como “salazarista“.

Ainda antes de se discutir a justiça da adjectivação – aliás, sem carência de lá chegar – importa questionar: que significa a palavra? Seja lá o que for adentro das suas potencialidades semânticas, o denominador comum a qualquer dos seus usos terá de remeter sempre para um quadro em que o poder político limite e anule drasticamente as liberdades próprias de um Estado de direito democrático e onde se exerça perseguição política. Assim, catalogar alguém como salazarista corresponde a um dos piores insultos que se podem fazer a quem se considere democrata. Esse insulto será tão mais agravado quão maior for o estatuto de democrata daquele que o profere. Não é a mesma coisa ser chamado de salazarista por um comuna que, no fundo, odeia a liberdade quando exercida fora da sede do partido ou pelo “pai da democracia portuguesa”.

Para medir o extraordinário deste episódio, basta vasculhar a propaganda e discursos do PCP à procura da associação que Soares acaba de fazer. A confiar na Internet, o máximo a que se chegou foi a “ruralismo salazarista“, o que não é carne nem peixe, mais batata e em puré. Aliás, o PCP adora o papel de guarda-florestal das instituições da República a que a direita igualmente adora reduzir a agremiação dos ultraconservadores vermelhos, pelo que jamais se permitiria esses ultrajes soaristas à “figura” do Presidente da República. Mangas revolucionárias arregaçadas dentro do casaco, mas gravatinha sempre colocadinha para colaborar na moralização sistémica.

Então, temos que um ex-Presidente da República já se sente à vontade para escrever num jornal que considera ser o Presidente da República um representante do salazarismo. Será esta originalidade mediática suficiente para declararmos inaugurado o pós-25 de Abril? Não. O que nos garante termos atravessado o Rubicão em direcção um novo período na História de Portugal encontra-se nos efeitos que as palavras de Soares tiveram: nenhuns. Nada de nada de nadinha de nada aconteceu, ou vai acontecer, em consequência de uma das pessoas mais importantes do regime ter dito da outra pessoa mais importante do regime que esta defende os valores contra os quais se fez o 25 de Abril.

Minhas senhoras e meus senhores, democratas e salazaristas, bem-vindos a um tempo em que o 25 de Abril só parece ter um homem de 89 anos para o defender.

20 thoughts on “Bem-vindos ao pós-25 de Abril”

  1. Val isso é tudo muito bonito, mas o “pai da democracia” tambem já não é o que era.

    Se nos idos de 2010 e 2011, ele não tivesse ele dedicado algum do seu precioso verbo a elogiar o delinquente que nos governa e o ressabiado que nos preside, talvez, agora, as suas palavras merecessem alguma atenção.

    Miguel

  2. O que mais me lixa é que nunca há caetanistas, é só salazaristas.

    Até dá para dizer que os Capitães de Abril, só fizeram o golpe em 1974, porque em 1968 só eram tenentes.

    E tenentes de Abril não tinha graça.

    É triste não haver caetanistas, quando foi Caetano a entrar no chaimite.

  3. A referência jocosa a comunistas mede a estaleca política do comentador. Perante a imensa planície prenhe de exemplos gritantes de demagogia,oportunismo e servidão a interesses contrários aos do povo português, fixa-se na avaliação do malvado comunista que só quer a Liberdade dentro de casa!
    Queremos Liberdade em casa,na nossa casa portuguesa,e já se viu a que ponto a queremos.

  4. miguel,eu compreendo-te,mas acho que não estás a ver bem a coisa! é verdade que mario soares elogiou passos coelho, e por isso mesmo, na minha opinião,tem hoje mais legitimidade para o criticar do que aqueles que sempre o fizeram.mario soares conheceu-o com 20 e poucos anos no parlamento e como não deve ter ouvido as suas promessas antes das eleiçoes,a imagem que tinha dele era a do jotinha. por ultimo, não te esqueças que MS mesmo com 89 anos,faz mais oposiçao do que “outros ” com mais responsabilidades no ps.

  5. manuel pereira,onde e quando se viu o vossa liberdade? no prec? nas empresas tomadas de assalto,para mais tarde, as vitimas pedirem o regresso do patrao? ou no apoio convicto a regime de exploraçao como o chinês,ou a ditaduras com na coreia do norte.o teu partido quando pensou que tinha o poder ia destruindo o pais,agora foge dele como o diabo da cruz e por isso diz: “coligaçoes com o ps,só quando as forças estiverem equilibradas.” esta posiçao é de quem quer defender os trabalhadores? se hoje,volvidos 40 anos de democracia têm 9% dos votos,pergunto,quando esperam ver as forças equilibradas com o ps? é por causa deste objectico inatingivel até a data,que se fazem greves politicas e se derruba governos dos socialistas,tendo em vista “o quanto pior melhor” com todo o respeito,apetece-me dizer-te: manuel,livra-te enquanto,é tempo.este comportamento do pcp não é original.ainda outro dia um politico francês dizia,que o partido da extrema direita de marie lepen,quando se lhe falam em partilhar a gestão do pais foge como o diabo da cruz.nota: para se coligarem com a direita nas autarquias,não se importam que haja desiquilibrio de forças. que os pariu. manuel como sou um gajo de vida seria e modesta,contento-me com uma democracia,onde a liberdade esteja presente e a igualdade de oportunidades possa ser um facto.regimes de abundancia a rodos e liberdade em todos os lugares,até nas cadeias ,e por isso estão cheias,deixo para os comunistas!

  6. liberdade de trazer por casa é ensaiar a negação de tiananmen por falta de fotografias e reconhecimento do governo chinoca.

  7. na minha opinião, Soares não insulta a favor da democracia mas contra Cavaco. é pessoal. e isso serve para nada. estou um bocado farta de discursos sem atitudes.

  8. Sob a lógica do retorno do ressentido ou recalcado vem mais este incoerente e lamentável texto anti-Mário Soares.
    Vem no seguimento de outros, entre os quais aquele onde se fundamentava rascamente porque era errado votar, nas presidenciais, no “idoso” e “velho” que queria ser novamente Presidente, e porque votara Manuel Alegre.
    Está provado hoje à saciedade que Soares é, politicamente, décadas mais novo que Alegre e sobretudo é séculos mais novo que cavaco que foi no que deu, e nos fez sair na rifa, as literárias espertezas políticas.
    Mário Soares, porque, qual pistoleiro, não ripostou como num duelo a toda e qualquer provocação contra Sócrates ou outro de estima Val, perde toda a autoridade moral e fica impedido para todo o futuro de falar sobre os assuntos acerca dos quais não veio em instantânea defesa pública.
    Para além do ponto de vista de nuno cm de que M. Soares teria, ao contrário, tanto mais autoridade quanto já houvera elogiado, como sabe Val que Soares não apoiou Sócrates nesse e noutros casos? Porque não veio a público? Também não veio a público qualquer opinião contrária. E que me lembre, Soares, publicamente, nunca deixou de falar elogiosamente de Sócrates.
    As faculdades de um político também se medem pela sua capacidade de compreender o erro de percepção, além de Sócrates mais ninguém detectou com precisão ao que vinha passos, assumindo-o e reagindo ao engano, denunciando-o veemente e fundadamente.
    Aliás a sua Candidatura a Presidente contra cavaco, nós não nos apercebemos disso mas hoje tudo o faz crer, já teria sido uma percepção de Sócrates e Soares de que era preciso um “peso pesado” capaz de vencer o “perigo” que sabiam ser cavaco na presidência. Além do outro perigo interno que seria um Alegre ressabiado embalado nos braços do be.
    Eles, melhor que ninguém, conheciam os meandros manhosos quer políticos quer psicológicos de cavaco. E, hoje, pense-se quão melhor teria sido para Portugal e os portugueses ter Soares Presidente a apoiar um Sócrates PM.
    Quanto ao texto de Val é, politicamente uma irrelevância tão grande quanto é como ofensa personalizada.

  9. Exactamente a isto: “E, hoje, pense-se quão melhor teria sido para Portugal e os portugueses ter Soares Presidente a apoiar um Sócrates PM.
    Quanto ao texto de Val é, politicamente uma irrelevância tão grande quanto é como ofensa personalizada.”

    não (lhe) mudem a canção, pá. Ao Soares,pá. E isto vai também como hino fúnebre ao que fizeram ao 25, no pós. Mas não foi o Soares, pá. Foca-te, pá.
    https://www.youtube.com/watch?v=tnVKGgPpETs

  10. Assim é que é, todos em bicos de pés, eu é que sei, cada um com a sua verdade, e lá vamos cantando e rindo.

  11. jose neves, estavas assim um bocado para o muito baralhado quando escreveste esse comentário. Com que então, em 2006 tanto Sócrates como Soares já topavam as malfeitorias que Cavaco iria fazer, daí a candidatura de Soares em vez da de Alegre (que era a mais lógica para o PS e a preferida por toda a esquerda e parte do centro). Porém, em 2011, depois de se ver o que Cavaco era capaz de fazer e perante o ataque da direita a Sócrates que até envolveu espionagem a mando de magistrados e tentativa de derrube pelos tribunais, nem Soares nem Sócrates foram capazes de encontrar melhor do que um Alegre, então sim, nas mãos do BE. Diria que tens de evitar escrever sobre política, ou mera História, após o consumo do belo tintol.

    Mas onde tu te estatelas ainda mais ao comprido, se tal for possível, é ao reduzires o que se passou na Inventona de Belém, e em toda a baixa política e golpadas que marcaram a luta contra os Governos PS, a uma questão de anti-Sócrates versus pró-Sócrates. Estás assim a mostrar que és incapaz de te sentir atingido pela degradação da democracia, da República e do Estado de direito.

    Coerentemente com estas características acima descritas, consideras que fiz uma “ofensa personalizada” a Soares, contudo não és capaz de explicar onde ou porquê. Lá está, tens mesmo de largar o vinho.

  12. E tu para lá caminhas. Os teus comentários sobre o comunismo em nada diferem dos de Salazar.
    Então nao é o filósofo Socrates o grande defensor do 25 de Abril? Que injustiça!!!

    Quanto ao bochechas é de esperar tudo. Desde reunir com o ELP e o MDLP na alameda, com Carlucci e Kissinger, convocar a igreja e a padralhada mais reacionária para atacar as sedes comunistas, meter o socialismo na gaveta, chamar o FMI, aliar se ao CDS, etc etc . A sede de protagonismo sem princípios e de poder é o que caracteriza Soares.

  13. oh bento! a alameda foi em legítima defesa do 25 de abril que andava a ser usurpado pelo partido comunista, 17% de votantes deslumbrados com a liberdade, que ainda hoje não compreendem e têm dificuldade em respeitar. a revolução dos militares foi feita para instaurar uma democracia, não foi para trocar de ditadura. quanto a guardar coisas nas gavetas, os comunas têm armários do tamanho de praga, tiananmen ( tá na moda), cuba e haircuts à quimjong filho, não é por acaso que concorrem a eleições, há mais de 30 anos, disfarçados de apus e cdus ou se mascaram de cindy kalistas para vender o peixe do partido.

  14. E sou eu que estou baralhado Val. Então vejamos:

    “Com que então, em 2006 tanto Sócrates como Soares já topavam as malfeitorias que Cavaco iria fazer”.

    Quais as malfeitorias listadas e especificadas não podiam adivinhar mas pelo que conheciam de cavaco, muito especialmente Soares, sabiam de certeza certa que benfeitorias não seriam e, pelo contrário, só podiam ser actividades quer directas quer subterrâneas contra o PS.

    “… daí a candidatura de Soares em vez da de Alegre (que era a mais lógica para o PS e a preferida por toda a esquerda e parte do centro)”

    Mas Val esquece-se que Alegre, ressabiado e vingativo, depois de perder internamente a liderança e depois de andar a fazer campanha contra o PS de Sócrates ( ver posições tomadas e manifs na cimenteira de Coimbra), auto candidatou-se antecipando-se a qualquer discussão e escolha interna criando deliberadamente um facto consumado ao partido ainda em lógica de ressentimento. Se era a preferida por “toda” a esquerda porque raio Alegre não arrasou Soares dado que um obteve menos de 20% e outro mais de 10%(+-18-11 ou 20-13, cito de memória sem precisão).
    Era evidente que depois das rancorosas malvadezas políticas de Alegre contra Sócrates este tinha de fazer algo e fez, provavelmente, o que pensou ser o melhor para o partido.

    “Porém, em 2011, depois de se ver o que Cavaco era capaz de fazer e perante o ataque da direita a Sócrates que até envolveu espionagem a mando de magistrados e tentativa de derrube pelos tribunais, nem Soares nem Sócrates foram capazes de encontrar melhor do que um Alegre, então sim, nas mãos do BE.”

    Mas em que lugar e tempo viu Val o PS, como partido, Sócrates ou Soares individualmente ter ocasião de “encontrar melhor” que Alegre. Outra vez Val esquece que, de novo, Alegre se atira de cabeça prá frente sentado ao colo do be para uma candidatura à revelia do partido tal como já o fizera anteriormente.
    Porque omite Val o que de fundamental condicionou o PS e o levou a tomar medidas de resposta e não de consenso interno. E sempre em resposta às aristocráticas vontades individuais de Alegre.

    “Mas onde tu te estatelas ainda mais ao comprido, se tal for possível, é ao reduzires o que se passou na Inventona de Belém, e em toda a baixa política e golpadas que marcaram a luta contra os Governos PS, a uma questão de anti-Sócrates versus pró-Sócrates. Estás assim a mostrar que és incapaz de te sentir atingido pela degradação
    da democracia, da República e do Estado de direito”

    Olha o Val a atirar-se a mim, ele o Val mesmo, o exactississimamente, e porquê! por que reduzo todas as pulhices feitas contra o PS a uma fulanização em Sócrates.
    Pegue-se em qualquer dos muitos textos de Val acerca dos ataques da velha direita ou mais ainda agora da nova direita contra o PS e constate-se o grau de fixação desses textos na pessoa individualizada do PM Sócrates. Mas mesmo agora, na sua crítica, ele não resiste à fixação fulanizada, assim:

    “…e perante o ataque da direita a Sócrates”

    Ó Val, essa de que sou eu a reduzir as questões segundo o maniqueísmo de Pró-Sócrates ou anti-Sócrates, vindo de quem vem, é mesmo de espantar um cego mudo-surdo.
    Contudo eu atá compreendo e aceito essa fulanização porque, afinal, também foi a tactica seguida pela direita manhosa. Afunilaram a questão em Sócrates numa estratégia divisionista para o isolar do partido. E conseguiram-no basta pensar nas actitudes de Alegre e Seguro e seus próximos. E sobretudo, a vergonha que é hoje a não-defesa do valioso legado de Sócrates.

    A prova de que Val faz uma ofensa política personalizada na figura de Mário Soares está, ela própria no texto publicado.
    E melhor compreenderá a lógica de tal sibilina retórica argumentativa anti-Soares quem tenha lido outros textos anteriores na mesma linha de sentido. Val tem todo o direito e democrática legitimidade de ser anti-Soares, não faz sentido é não o assumir e defender abertamente. Não há necessidade de se esconder em subterfúgios e seguir caminhos esconsos.
    Para jogos de sombras já cá temos o governo que temos.

  15. jose neves, dizes que a “prova” da minha “ofensa personalizada” a Soares encontra-se no “texto publicado”. Contudo, não dizes o que nesse tal texto consubstancia tal ofensa. Pelo contrário, invocas outros textos (e quais?) como chave interpretativa para este que deixas carimbado mas não explicitado. Como se não bastasse, de seguida dizes que sou “anti-Soares” e, de imediato, dizes que não o assumo abertamente.

    Aqui entre nós que ninguém nos lê num assunto que não tem importância nenhuma, estás mesmo um bom bocado baralhado, certo? Para começar, o que não faltam são textos meus, ao longo de vários anos, onde digo de Soares o que penso sem qualquer limitação na expressão. E para terminar, este texto que estás a comentar até calha não ter qualquer ataque a Soares. A minha reflexão é sobre o silêncio a que se votaram as palavras de Soares, algo que para mim pode ter várias interpretações, uma delas em que não toquei: a de Soares ser neste momento uma figura que deixou de ter qualquer influência política.

    Quanto ao que dizes de Sócrates, dá-me ideia de que ainda não percebeste que ele foi primeiro-ministro de 2 Governos.

  16. Como vai ser possível a convivência futura de certas personalidades dentro daquele panteão?

    São problemas a provocados pela massificação após 40 anos, mas que temos que resolver.

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