Being Pacheco Pereira

No bate-boca (não se pode falar de polémica quando do outro lado estão dois palhaços) com Nuno Palma e João Miguel Tavares, o bibliotecário da Marmeleira chegou a levantar a assistência para o aclamar com o musculado A indústria de falsificações do Estado Novo e o galhardo Estudem, que vos faz falta. Depois, acrescentou-lhe uma relevante série de Notas sobre a ofensiva da direita radical (1) (2) (3), onde no último artigo se pode ler o seguinte:

«Uma intolerância sulfurosa ganhou o espaço público através de uma rede inorgânica de pivots televisivos, jornalistas de causas, humoristas militantes, comentadores encartados e redes sociais substitutivas da “Câmara Corporativa” de Sócrates. Políticos, magistrados, académicos e figuras públicas que desafiem os novos padrões de correção, assentes na nova filosofia pública, são heréticos e merecem as ‘chuvas ácidas’ que lhes oxidam a reputação, com a colagem de rótulos, simplistas, mas eficazes.»

Estamos perante uma escrita rápida, de memória, a repetição de bordões com anos de gasto. E é por ser essa a origem das duas frases que aparecem Sócrates e o Câmara Corporativa numa problemática onde é suposto estar a reflectir sobre a extrema-direita e as ameaças ao regime democrático e à cultura humanista e liberal. Na economia do texto que assim deixou publicado, o autor dá-se a ver como um maluquinho que chegou a meados de 2021 ainda com a obsessão por um blogue que, durante alguns anos da sua vida, visitou várias vezes ao dia, todos os dias da semana, todas as semanas no mês, de Janeiro a Dezembro, na procura narcisicamente febril dos “rótulos, simplistas, mas eficazes” com que ele e os da sua tribo eram lá brindados in illo tempore. O tal blogue que concebe como sendo “de Sócrates”, o que lhe garantia a experiência subjectiva de sentir uma relação directa com a sua paixão até nas vírgulas do que lia no CC. Ou seja, o Pacheco realmente acreditava – e para todo o sempre acreditará – que no CC conseguia ouvir a voz de Sócrates a dirigir-lhe a palavra e a desafiá-lo numa justa blogosférica.

O blogue que consegue a proeza de ficar associado a uma exposição de saudosistas da Mocidade Portuguesa graças à pancada pachequiana não teve qualquer influência fosse qual fosse nos resultados eleitorais de 2009, 2011 e 2015. Pura e simplesmente, não tinha expressividade sociológica para tal, era apenas um blogue entre outros blogues congéneres, e blogue de nicho. O nicho dos que já tinham a decisão de voto formada e o nicho dos pulhas que, na ausência de algum (um que fosse!) órgão de comunicação social cuja linha editorial fosse de explícito ou implícito apoio ao PS tiveram de fazer do CC um tigre de papel para – eles sim – levarem para jornais, rádios e televisões as campanhas negras a que se resumia a estratégia da direita desde 2004.

Dizer-se que “uma intolerância sulfurosa ganhou o espaço público” como se tal tivesse aparecido só com o Observador (criado em 2014) ou com o triunfo dos actuais caluniadores profissionais é gozar com o pagode, é demente. Tanto na SIC, como na TVI, como na RTP, para só focar estações de televisão, e isto a partir de 2008 (o ano em que Ferreira Leite ganha o PSD e Cavaco inicia um ataque a outrance contra o Governo socialista), que a paisagem mediática era de dilúvio ácido sobre os alvos socialistas. Foi quando Manuela Moura Guedes ocupou o horário nobre com o simulacro de um espaço informativo cujo único objectivo era caluniar como nunca antes se tinha visto na terrinha. Num registo paralelo, Mário Crespo utilizava o seu espaço de informação para fazer terrorismo político. Na RTP, sabia-se bem quais eram os jornalistas que detestavam e perseguiam o Governo e o PS, não se sabia de nenhum que revelasse ser seu activo simpatizante. Apesar disso, nesse tempo o Pacheco andava de cronómetro na mão a contar os segundos das peças que apareciam no telejornal da hora de almoço não fosse algum infiltrado dar dois segundos a mais à cobertura de um comício do PS do que se deu ao do PSD. As linhas editoriais do ecossistema mediático, logo a partir de 2007 com o Público, ficaram militante e furiosamente contra o Governo e o PS. A retórica populista antipolíticos idem aspas. O Chega inventado por Passos Coelho é já a terceira ou quarta geração do mesmo animal.

É fácil compreender o Pacheco. Ele foi um operacional graúdo do Cavaquistão. Terá visto merda da grossa, daquela que não sai das mãos nem com esfregão de arame, feita pelos craques do laranjal. Daí ter fugido para o comentariado, vida santa e regalada. Podia ter escrito as memórias dessa fase da sua vida mas preferiu calar-se. Preferiu ser cúmplice para poder manter as prebendas e sinecuras de que foi desfrutando na indústria da calúnia. Logicamente, ter conseguido apanhar um papel no Parlamento rasurado por Sócrates ou ter ouvido as suas conversas privadas com Vara surgiu-lhe como a salvação. Enquanto o Pacheco puder agarrar-se ao Sócrates conseguirá evitar ter de se olhar ao espelho.

15 thoughts on “Being Pacheco Pereira”

  1. José Pacheco Pereira é um pobre diabo imperfeito, como todos nós.

    Apesar dos seus defeitos, o maior dos quais terá sido o de ter embarcado, aliás como toda a esquerda acéfala, na crítica pessoal e revanchista à pessoa do seu homónimo Sócrates, sem cuidar de ver o perigo maior na selvajaria artilhada que ia dinamitando abertamente a floresta, sob o pretexto “bondoso” de estar a abater uma árvore “doente”, Pacheco Pereira é uma voz lúcida, incómoda e que nos faz falta.

    É hoje um dos raros Intelectuais portugueses com acesso franco ao megafone mediático ainda com um mínimo de ética.

    Perdoem-se-lhe os defeitos que tem, como todos temos, pelas qualidades que admiramos.

    Imagino que seja ele, afinal, o maior sofredor com a sua evidente esquizofrenia ideológica, que nunca logrou tratar com sucesso.

  2. “É hoje um dos raros Intelectuais portugueses com acesso franco ao megafone mediático ainda com um mínimo de ética.”

    só enquanto malhar no sócras e quando parar acabou-se o crédito. ele sabe disso, foi dos primeiros a fazer um seguro de vida “anti-sócras”.

  3. Como assinala aí em cima o Joaquim O., a citação em causa não é do Pacheco, pertence à tese do Carlos Blanco de Morais sobre a “hegemonia asfixiante da extrema-esquerda em Portugal”´, que o mesmo Pacheco refuta.

  4. A velha obsessão anti-Sócrates do Pacheco, que é actualmente a sua apólice de seguro junto dos patrões dos media, não o impediu de fazer, nessa série de artigos no Público, observações muito lúcidas sobre a direita e a direita radical no Portugal de hoje. É uma posição crítica que o coloca muitos furos acima de outros comentadores políticos, incluindo certos socialistas arrependidos e neo-cons pretensamente “liberais”, que escrevem no mesmo jornal e que ele às vezes nomeia, mas nem sempre.

  5. ninguém atribuiu a paternidade da citação ao pacheco pereira, se lessem o que lá está e abrissem o linque 3 escusavam de armar confusão “Depois, acrescentou-lhe uma relevante série de Notas sobre a ofensiva da direita radical (1) (2) (3), onde no último artigo se pode ler o seguinte:”

  6. É isso, sr, Júlio. Quando JPP perde, por instantes, o controle da sua costeleta radical de esquerda de que nunca se libertará, ripa de José Sócrates para serená-los….Recordo um post de requintado humor do Câmara Corporativa sobre um lapso de português de JPP, porque este escreveu, num artigo, grama, medida de peso, no feminino: uma grama em vez de um grama. Erro que eu cometia e continuo a cometer, graças a deus. O Público é o único jornal que leio, diariamente, em papel, há muitos anos (cerca de 45 euros mensais), a reforma não dá para comprar mais jornais e é rara a semana que não ameace deixar de o ler, particularmente, devido ao pinguim estridente (que, consta agora por aí, escreve sob efeito dos copos…Ainda assim, é por muitos dos artigos de JPP que continuo a comprá-lo. A grande frustração de JPP foi não ter sido o Mordomo na corte de Ferreira Leite em São Bento.
    Mas é verdade. Ele nunca disfarçou uma admiração especial pelo Câmara Corporativa… E com razão. Era 5 estrelas.

  7. não li nada disso, mas fica-te bem a defesa do confusionismo.

    “Depois, acrescentou-lhe uma relevante série de Notas sobre a ofensiva da direita radical (1) (2) (3), onde no último artigo se pode ler o seguinte:”

    abre-se o último linque (3) e encontramos um artigo do pacheco pereira, no público de 17/07/2021, que cita “a intolerancia sulfurosa…” atribuída ao blanco.

    se calhar há malta que não consegue abrir linques, lê na diagonal para ser o primeiro a comentar, anda à caça de defeitos ou tu próprio não entendeste o que escreveste.

  8. Exacto, e como explico acima, a confusão foi minha por não ter lido o artigo no Público. Tudo o que teclei partiu do pressuposto de serem aquelas palavras do Pacheco. A ironia é a de que poderiam mesmo ter sido porque já o foram noutra qualquer configuração.

  9. É uma ma confusão que pode acontecer a qualquer um. Li o artigo todo do Pacheco no dia em que foi publicado, mas hoje aqui não reparei de imediato que a citação era do Blanco de Morais. Isolada, a citação até podia ser do Pacheco. No contexto do artigo dele, obviamente que não.

  10. Isso Júlio e Valupi. Sabendo-se o que PP opinou em tempos sobre o CC, a tresleitura é compreensível. Quando li o artigo (antes da opinião do Valupi) tive de confirmar um bom par de vezes se era ou não citação (até porque o artigo – pertinente reconheçamo-lo – não está muito bem redigido, pareceu-me).

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