Avancem os independentes

Que eu saiba, nunca se explicou publicamente a tonteira colectiva que levou o PS a apoiar Soares para as Presidenciais de 2006. Na altura, surgiu-me como um grandioso exemplo da disfunção a que pode chegar um partido. Soares não tinha já as condições físicas, muito menos as políticas, para avançar em direcção ao terceiro mandato. Que foi aquilo? Uma imposição feudal? Uma tara a que ninguém se quis opor? Uma inércia displicente? Ainda por cima, ironia das ironias, se o PS tivesse apoiado Alegre – como se afigurava lógico vendo de fora do partido – poderia conseguir uma imprevisível segunda volta, no mínimo reduzindo a vitória de Cavaco e equilibrando a balança das percepções simbólicas. Alegre em 2006 era apenas um saco de promessas líricas, não o saco de vento em que se tornou passados 4 anos. Se tivesse sido escolhido pelo PS, talvez nem viesse a atacar o Governo logo dois anos depois, num crescendo de boicotes e chantagens que fizeram o jogo dos que mais apostam na derrocada dos socialistas: BE. É extraordinário que uma figura responsável por dificuldades acrescidas na governação e perda de votos no partido, a qual chegou a ameaçar criar um movimento eleitoral concorrente só para perseguir uma patética vanglória, seja eleita como modelo que merece ser o Supremo Magistrado da Nação. Extraordinário e inaceitável para quem não deve fidelidade de voto.

Mas há um lado admirável nesta situação. É que Alegre congrega a ala esquerda do PS, aquela que não votou em Sócrates para Secretário-Geral; e apenas o foi suportando ou nunca se entusiasmou com o Governo da maioria. É muita gente, e gente de valor, do Carlos César ao Francisco Assis, passando por Seguro, Vera Jardim, Maria de Belém, Paulo Pedroso, Ana Gomes e muitos outros. A verdade é a de que grande parte do PS votará em Alegre por convicção, ou sem objecção, na 1ª volta. Numa eventual segunda, os restantes. Há razões partidárias e sociológicas ponderosas a legitimar a capitulação ao facto consumado.

Perante a realidade, outra evidência: escolher Alegre confirma o PS como o partido onde se cumpre melhor o ideal democrático. Sócrates, apesar de tudo e da repulsa que aliados seus sentiam pela candidatura do bardo, nada fez para a impedir, até se pode suspeitar que a preferia. Esta característica de Sócrates não caiu de pára-quedas, antes é critério logo desde 2005. Com o PS num Governo de maioria, não se deu nenhum varrimento de quadros apenas porque não eram da cor, antes se deixou no seu lugar vários gestores e administradores ligados a outros partidos, os quais foram reconhecidos profissionalmente. A premiação do mérito mostrou um projecto coerente com as reformas a fazer. Também colhe realçar que Sócrates aturou tudo e mais alguma coisa a Alegre, com um estoicismo que merecia ficar gravado em mármore. Contrariamente a qualquer tentação déspota, a pluralidade foi cultivada – e talvez não o tenha sido mais por exclusiva responsabilidade dos que preferiram ficar calados. Em suma, o partido está de saúde e tem matéria humana para qualquer cenário político que venha a caminho. Um dia se dirá de Sócrates que dignificou com brilho a tradição de liberdade que é marca d’água dos socialistas portugueses.

Vários propuseram alternativas a Alegre. Talvez a figura mais consensual fosse Ferro Rodrigues, por óbvias e justíssimas razões. Para mim, Maria de Belém seria um furação eleitoral e Cavaco ficaria desasado em qualquer debate com ela. Acima de tudo, tem as condições ideais para servir Portugal na Presidência: visão, energia e integridade republicana que parece inviolável. Mas, lá está, o facto de Alegre ter avançado à outrance também secou possibilidades de nomes que, por filiação ou prudência, não iriam concorrer com ele. Duplo prejuízo.

Se não aparecer mais ninguém – como Marinho Pinto ou Garcia Pereira, por exemplo – o meu voto é Nobre.

20 thoughts on “Avancem os independentes”

  1. O ideal democrático seria melhor cumprido com primárias, para que fossem os militantes a decidir directamente. Não conheço nenhum caso onde isto fosse tão evidente. Para além de obrigar os candidatos a percorrer as várias distritais e a falar directamente com os militantes, teria três principais vantagens: poderiam tomar muito melhor o pulso ao país, seriam obrigados a expor claramente as suas posições, e ganhariam tarimba para a campanha presidencial – para além do óbvio efeito mediático e de visibilidade, que cortaria o oxigénio à candidatura inevitável e tristonha de Cavaco.

    Dito isto, também eu sonho com Marinho Pinto, até porque a questão da justiça é cada vez mais urgente, e já se percebeu que está para além das capacidades de qualquer governo a sua resolução. Terá que ser por iniciativa presidencial. Nobre, lamento, (ainda) não me convence.

  2. Pateta Alegre “jamé”. No incumbente nunca votei nem nunca votarei, sobretudo dps do episódio escutas. É um voto Nobre ou um voto em branco!

  3. Eu que não fui, não sou e se calhar nunca serei militante, mas sempre votei PS e em quem

    o partido apoiava para PR…porque não me esqueço do mal que o “pateta” Alegre fez ao

    PS nestes últimos anos, que o fez perder a Maioria Absoluta nas eleições de

    Setembro/2009, nunca poderá ter o meu voto, mesmo indo contra a vontade a “meio

    gás” do Partido Socialista.

    Compreendo a posição do PS, mas não posso votar numa pessoa que intitulo de “pateta

    Alegre” e que condicionou a posição a tomar pelo PS e que ainda por cima aceitou de

    forma descarada o apoio do BE (osmeninosquequesdasavenidasnovas)…

    Com muita pena minha, pelça 1ª vez na minha vida vou votar ” NULO”…

  4. * Com muita pena minha, “pela” 1ª vez na minha vida vou votar “NULO”…

    As minhas desculpas…

  5. Marinho Pinto? Só pode estar a gozar.

    Maria de Belém já me parece um nome interessante, sem dúvida. O nome. Assenta que nem uma luva para uma futura PR.

  6. Pois, de facto os socialistas que enumerou e muitos, muitos outros, irão votar Alegre, já liberais e/ou socialistas de lapela!…

  7. Val

    Tinha vergonha de escrever um texto assim! Que interessa ao leitor que tu votes em Nobre ou em Cavaco. Não são as cúpulas do PS que mandam nos eleitores, nem os donos das federações nem os autarcas carregados de empáfia que detestam Alegre, como tu detestas. Ademais, tens a supina lata de pretender convencer os leitores que em 2006 fugiste à vontade dos dirigentes! Foi preciso mandar-te o vídeo para falares agora das debilidades físicas e políticas de Soares! Fala da realidade e deixa para ti os teus estadpos de alma

  8. pois é, val. isto é tramado. de um lado um fanfarrão e do outro um biltre (penitência por ter votado nele na última vez). de modo que acho que vou ficar em casa (ok, é politicamente correcto votar em branco mas, desta vez, apetece-me ficar em casa).
    de resto, concordo contigo. se o sócrates fosse vingativo (nem precisava de ser velhaco) não teria perdido esta oportunidade. ou seja, se o sócrates fosse um qualquer manuel alegre (ou um qualquer cavaco) ai esta não lhe escapava, não…

  9. Fiz link aqui http://jugular.blogs.sapo.pt/1930068.html
    e o Daniel comentou escrevendo: “Extraordinário é que haja quem ache que é condição para ser presidente da república não fazer perder votos ao “partido”. Fica tudo dito sobre a forma como se olha para a democracia”.

    Vai lá dar uma vista de olhos. sempre nos encontramos no espaço público, como combinado.

    saudações

    Isabel

  10. “Na primeira qualquer cai. Na segunda cai quem quer”. Eu não quero. Manuel Alegre , depois de tudo o que fez e o que devia ter feito e não fez, “jamais” !

  11. Não me afronta ver o Manuel Alegre a declamar poesia, a fazer publicidade ou a promover a caça junto de quem aprecia mas sempre me pareceu lirismo a mais para a Presidência da República. Talvez nem viesse daí mal ao mundo mas, para muita gente, as suas opções e o seu percurso político passaram, a partir de determinada altura, a ser marcados sobretudo por um sentimento de vingança pessoal e arrogância. Esta até pode ser uma visão deturpada dos factos e as posições que tomou serem devidas única e exclusivamente às suas convicções. No entanto, se for este o caso, Manuel Alegre não teve nem a preocupação nem o mérito de desfazer o equívoco e, para uma parte da sociedade, os termos arrogante e vingativo passaram mesmo a integrar o seu perfil. E essas qualidades são as que menos falta fazem a um PR e ao bem comum. Percebe-se o apoio do PS porque é a vontade da maioria dos seus responsáveis evitando abrir novas frentes de batalha na actual situação política, mas duvido que isso sirva para mais do que ele e os seus apoiantes mais empenhados (agora BE também incluído) continuarem a vangloriar-se do milhão e não sei quantos votos que vierem a conseguir.

  12. Dá-me ideia que vou voltar ao voto em branco, caro Valupi..ou anulo ?
    Estou hesitante.
    Para as presidenciais ainda não há candidadtos que não cheirem a mofo, isto independentemente do valor civíco de Fernando Nobre que no entanto não consegue um discurso político articulado, pelo menos até agora.
    Um abraço

  13. “faço um grande esforço para ter bom senso”, referiu Cavaco

    Pois eu farei um grande esforço … mas é para o tirar de lá. Votarei Alegre … sem gosto, mas votarei! Este senhor perde-se nas palavras … não serve. É urgente e imperioso que não seja reeleito. É uma questão de prioridades.

  14. Caros amigos, quem vai votar em Alegre por convicção, ou por falta de opção, faz muito bem. Se cada um seguir a sua consciência, vota lá em quem votar, estaremos todos do mesmo lado, ou lado a lado.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *