“As Tascas” por Chico Mota

É compreensível que Rui Rio se revolte com as sistemáticas violações do segredo de justiça e a lentidão nos casos mediáticos e associe esse fenómeno ao Ministério Público. É também sabido que o Ministério Público e a Judiciária alimentam regularmente alguns órgãos de comunicação com informações sob segredo de justiça, mas a forma de acabar com isso não é punir mais os jornalistas mas sim, dentro das corporações, criar uma mentalidade e uma prática mais rigorosas e respeitadoras da lei e menos permeáveis a "amiguismos" ou "clubismos". Não é fácil, diga-se. O que não é possível, em democracia, é impedir a imprensa de dar notícias sobre processos judiciais. Alguém admite que sobre a Operação Marquês só tivéssemos tomado conhecimento dos factos a que a mesma se reporta quando foi divulgada a acusação, quase três anos após a prisão do ex-primeiro-ministro José Sócrates? Alguém admite que não soubéssemos que o ex-banqueiro Ricardo Salgado está em liberdade por ter prestado uma avultada caução?


“As Tabacarias” por Rui Rio

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Neste singelo parágrafo, o ladino Chico Mota consegue subsumir tudo o que está em causa na questão de Estado, e de soberania, chamada “violação do segredo de justiça”. Eis o que nos diz, do alto de ser advogado e jornalista, o especialista do Público para as temáticas ligadas à Justiça:

– Que Rui Rio está autorizado a falar na Justiça sem passar acto contínuo por corrupto nas bocas dos donos da opinião pública pois não é socialista; sendo só de lamentar que Rui Rio, na sua ingenuidade e estultícia, esteja a querer ajudar os corruptos do PS.

– Que o Ministério Público e a Judiciária cometem crimes sistematicamente, impunemente, publicamente, e que tal tem de ser protegido, a começar pela protecção dos cúmplices nos órgãos de comunicação social que concretizam as intenções dos criminosos no MP e PJ, e lhes aumentam o alcance e a gravidade quando não mudam a tipologia do dano.

– Que o paleio de se ir resolver o problema criando «uma mentalidade e uma prática mais rigorosas e respeitadoras da lei e menos permeáveis a “amiguismos” ou clubismos”» só serve para um gajo se mijar a rir; e é precisamente por isso que essa cassete tem de tocar sem parar até abafar toda e qualquer tentativa de combate ao deboche que enche bolsos e agendas secretas.

– Que a “imprensa”, desde que controlada pela “gente séria”, pode despejar as informações que lhe apetecer no espaço público sem qualquer controlo pelo Estado nem pela sociedade, servindo essa violação do código deontológico do jornalismo e da Lei portuguesa para ilimitados objectivos imorais e ilícitos a coberto de serem alegadas “notícias”.

– Que a Operação Marquês é o exemplo perfeito, paradigmático, inexcedível na sua pulhice pelas décadas ou séculos afora, do quanto se pode ganhar em dinheiro e em influência sobre o jogo político, ao mesmo tempo alimentando o voyeurismo e sordidez quotidiana, ao se dispor do incomensurável poder das polícias, procuradores e juízes para diabolizar politicamente e assassinar moralmente alvos selectos.

– Que depois de tanto abuso da Justiça e da indústria da calúnia, depois de tanta “investigação” ao longo de tantos anos por tantos profissionais da investigação estatal e privada, não há ninguém em Portugal que possua um único facto relativo ao que supostamente estava na origem do processo e das draconianas medidas tomadas: um acto de corrupção, passiva ou activa, do cidadão José Sócrates. Daí ter de se ir buscar o Salgado sempre que Sócrates vier à baila para que o auto-de-fé não tenha falta de lenha junto do bom povo que grita por “justiça”.

– Que o Chico Mota defende crimes de agentes das polícias e da Justiça recorrendo ao argumento de que esses crimes lhe oferecem algo que curte bué desfrutar enquanto se ri à gargalhada do Estado de direito.

Estamos perante alguém que se anula como autoridade do que reclama como estatuto de superioridade e especialização. Alguém que se entrega às paixões onde chafurda agarrado a quem lhe permite despejar o seu ódio contra aqueles que detesta por razões que não explica por não terem explicação. Um taberneiro ilustrado.

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