Arqueologia do “Como chegámos aqui?”

Gastemos 1 minuto a ler esta notícia:

PSD não aprovará um PEC-4

A chave do seu significado está por cima da fotografia, à direita: 5 de Março de 2011. Estamos ainda a quatro dias da tomada de posse de Cavaco e na imprensa já se sabe que o PSD sabe que vem aí o PEC 4. Ao longo do mês de Fevereiro passaram por Belém todos os cromos mais difíceis da política nacional, incluindo Barroso, um cromo da política internacional. Assim, Cavaco sabia tanto ou mais do que o PSD. A situação era cristalina: nos idos de Março de 2011, o Governo português preparava uma solução com o alto patrocínio da Alemanha de modo a evitar que a indomável crise das dívidas soberanas conhecesse novo capítulo espectacular com mais um resgate que só iria aumentar o perigo sistémico para toda a Zona Euro. A direita portuguesa não podia deixar escapar essa oportunidade, pois a última coisa que suportariam era um Sócrates ufano de ter evitado a chegada do FMI à Portela. E a direita acreditava que ele seria capaz de o fazer, como esta maravilha comprova:

O presidente da Comissão Europeia comunicou privadamente ao líder do PSD que discordava por completo da estratégia do partido depois de Passos Coelho ter anunciado que era intenção dos sociais-democratas chumbar as medidas de austeridade do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) IV, apresentado pelo executivo em Bruxelas em Março.

Viabilizando o PEC e pré-anunciando um chumbo ao Orçamento de 2012, Passos Coelho conseguiria, na opinião de Barroso, evitar um crise política nesta fase, ganhar tempo para que fosse o actual governo a fazer o pedido de ajuda externa e conquistar capital político na opinião pública para precipitar posteriormente eleições.

“Mas Passos Coelho estava a ser pressionado internamente”, disse ao i fonte próxima do presidente da Comissão Europeia, “e respondeu que não havia garantias de que o governo fosse mesmo pedir ajuda”.

Durão Barroso pressionou Passos Coelho para aprovar PEC IV

Até ao dia 5 de Junho de 2011, PSD, CDS e Presidente da República apagaram por completo o contexto internacional da crise e disseram que a causa dos problemas de financiamento era apenas do foro moral, o preço a pagar por termos uma primeiro-ministro desprezado pelos mercados visto ser um mentiroso e um esbanjador, o castigo que todo um povo suportava por não estarmos nas mãos limpas de Passos Coelho – o qual assim que fosse anunciado como o novo homem do leme levaria os aliviados mercados a subirem-nos o rating passados poucos meses, quiçá dias ou horas, tamanha a sua credibilidade.

Estas pessoas mentiram aos portugueses como não há memória de alguma vez ter sido feito nem se imaginava possível vir a acontecer. Quatro dias depois de se começar a preparar a golpada, ouvimos banzados um Presidente da República a declarar guerra aos “sacrifícios” e a pedir às massas para saírem à rua em protesto contra um Governo que não era de gente séria. E durante as semanas seguintes foi prometido aos portugueses nada mais, nada menos do que esta “garantia” e este “compromisso”:

Se ainda vier a ser necessário algum ajustamento, a minha garantia é de que seria canalizado para os impostos sobre o consumo, e não para impostos sobre o rendimento das pessoas’, disse à entrada de uma cimeira do Partido Popular Europeu (PPE), em Bruxelas.

O líder do PSD garantiu mesmo que, desde já, ‘fica o compromisso expresso do PSD em como não haverá recurso a medidas que afectem as pensões mais degradadas ou as reformas, tal como estava prevista no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC)’.

CHUMBO DO PEC PODE TER CONSEQUENCIAS PARA PORTUGAL

Os mais mentirosos são os que mais acusam os outros de mentirem. E, nessa mesma infalível lógica, os que mais querem criminalizar terceiros são os que mais e maiores crimes praticam. Mas não creio que a dimensão do prejuízo e dos danos que a direita portuguesa causou a Portugal e aos portugueses só para conquistar o poder total seja passível de contagem.

2 thoughts on “Arqueologia do “Como chegámos aqui?””

  1. Valupi,
    Só um idiota pode crer que cavaco não estava a par e passo do que Sócrates preparava com as chefias europeias. E, depois das várias declarações desses mesmos dirigentes europeus afirmarem, clara e publicamente, que estava negociado com o governo português um acordo de ajuda sem troika a Portugal conforme às negociações já tidas com o governo portugues, só um vendido pode acreditar que cavaco e passos não soubessem tudo em pormenor. Mesmo que algo pudesse ser escamoteado por Sócrates nas várias reuniões institucionais, quer um quer outro têm outros e vários canais de informação, nacionais e internacionais, para poderem saber tudo e em detalhe.
    Foi evidente, no dia da grande mentira, houve durante a manhã, no psd (relvas e outros, pois sabiam da reunião de horas tida nessa noite de véspera entre passos e Sócrates) indecisões e dúvidas acerca de como comentar o caso. E, só depois da presidência cavacal comunicar ao povo “a presidência não foi informada” que, logo de seguida veio a público a réplica, “o psd não sabe de nada” de passos.
    Sem o apadrinhamento da presidência, dada a pressão europeia, o PECIV teria sido aprovado. Não obstante a guerra suja e conjugada de todos contra Sócrates, incluindo os serventuários da cs, que agora apascentam bem remunerados nos ministérios, aliados preferênciais de be e pcp, acabaria por derrubar Sócrates minoritário na AR.
    Mesmo assim teríamos uma situação com liberdade de actuação internamente muito mais favorável à resolução dos nossos problemas. E com a capacidade já demonstrada por Sócrates anteriormente, quando recebeu um país em recessão do incompetente santana, até poderiamos, com um tratamento bem conjugado de austeridade necessária com um choque de inovação e desenvolvimento, dar a volta e sair por cima e não teríamos sido submetidos como estamos, à calacice do nulo esforço criativo e intelectual que levou a enveredar pelo tratamento de choque pelo empobrecimento e miséria que nos levará ao colapso económico e de competências futuras.

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