Na carta que Passos Coelho publicou utilizando Marques Vidal como pretexto – Um agradecimento a Joana Marques Vidal – podemos ler um ex-presidente do PSD, e ex-deputado, e ex-primeiro-ministro, e ex-conselheiro de Estado, a referir-se à liderança do órgão titular da acção penal em Portugal. Dificilmente se encontrará matéria mais grave para ser por si abordada, dada a sua responsabilidade pelos cargos ocupados e a complexidade e melindre das questões judiciais ao serem transportadas para o terreno político – só mesmo questões de segurança nacional envolvendo países e forças hostis ou de traição à Pátria a, quiçá, ultrapassarem em relevância o seu dever de reserva e zelo legal, institucional, constitucional e moral.
Registemos, então, o que de mais gravoso deixou assinado:
- «Não houve, infelizmente, a decência de assumir com transparência os motivos que conduziram à sua substituição. Em vez disso, preferiu-se a falácia da defesa de um mandato único e longo para justificar a decisão.»
- «[...] sobra claro que a vontade de a substituir resulta de outros motivos que ficaram escondidos.»
- «Num tempo em que, infelizmente, tantas vezes se suspeita, não sem fundadas razões, da efetiva realização da autonomia e independência de muitas instâncias dos poderes públicos, incluindo a área da justiça, a senhora procuradora inspirou confiança e representou uma grande lufada de ar fresco pelo modo como conseguiu conduzir a ação penal pelo corpo do Ministério Público.»
- «Poucos, até há alguns anos, acreditavam que realmente fosse possível garantir de facto, que não na letra da lei e nos discursos, uma ação penal que não distinguisse entre alguns privilegiados e os restantes portugueses.»
- «No termo deste seu mandato, são sem dúvida mais os que acreditam que se pode fazer a diferença e marcar um reduto de integridade e independência, onde as influências partidárias ou as movimentações discretas de pessoas privilegiadas na sociedade esbarram e não logram sucesso.»
- «Tendo presente que esse ideal de justiça, associado à exigência de liberdade e de responsabilidade, se sobrepõe, sobremaneira, a muitos outros valores e aspetos práticos nas sociedades democráticas, parece reconfortante verificar que o seu contributo para a credibilização das instituições democráticas foi enorme e digno de apreço e de estima.»
- «Não era, de resto, a si que deveria ter cabido a ação de defesa e reconhecimento de que é inteiramente merecedora. Menos compreensível é que quem pode e deve ser consequente nesse reconhecimento não esteja interessado em fazê-lo, com benefício para Portugal.»
- «Como português quero sobretudo expressar a minha gratidão por ter elevado a ação da Procuradoria a um novo e relevante patamar de prestígio público.»
- «Como ex-primeiro-ministro que propôs a sua nomeação, quero prestar-lhe público reconhecimento pela ação extraordinária que desenvolveu no topo da hierarquia do Ministério Público.»
Comecemos pelo nível denotativo. Passou a existir neste rectângulo à beira-mar abandalhado um ex-presidente do PSD, e ex-deputado, e ex-primeiro-ministro, e ex-conselheiro de Estado, que declara publicamente ter tido conhecimento de “influências partidárias” e “movimentações discretas de pessoas privilegiadas” que conseguiram impedir a “autonomia e independência de muitas instâncias dos poderes públicos, incluindo a área da justiça”, levando a que a acção penal “distinguisse entre alguns privilegiados e os restantes portugueses” durante um período de tempo indeterminado (mas sempre de décadas, talvez a começar no 25 de Abril) anterior ao início do mandato de Joana Marques Vidal. Este ex-presidente do PSD, e ex-deputado, e ex-primeiro-ministro, e ex-conselheiro de Estado, aponta para António Costa, actual primeiro-ministro, e Marcelo Rebelo de Sousa, actual Presidente da República, e declara que ambos prejudicaram Portugal por razões que não quiseram “assumir com transparência”, antes tendo recorrido a uma “falácia” para esconderem “outros motivos” contrários à “acção de defesa e reconhecimentos de que [JMV] é inteiramente merecedora.»
Passemos para o nível conotativo. Passos está a denunciar a cumplicidade de Costa e Marcelo com certas pessoas cujas intenções e influências visam a violação da lei e a inoperância e perversão das instâncias do poder judicial em Portugal ao mais alto nível e desse topo para baixo, apanhando tudo e todos numa teia mafiosa. Ao mesmo tempo, reclama politicamente o mandato de Joana Marques Vidal, transformado na prova de que é possível combater a corrupção (sob todas as formas e feitios) a partir da acção governativa. Basta escolher uma certa magistrada para o cargo de procurador-geral da República e as décadas de sujidade e crimes na Justiça nacional desaparecem imediatamente por obra e graça de um ser puro, incorruptível, único.
Algumas palavritas teremos de largar perante este maremoto de suspeições e calúnias, caso ainda não tenhamos desistido do respeito próprio como cidadãos. Até porque os alvos estão calados e o sistema partidário e as instituições judiciais intensificam esse silêncio. Por exemplo, tendo em conta que Passos entrou na vida política nos finais dos anos 70, saber em que altura é que terá descoberto que a Justiça portuguesa estava dominada por partidos (e quais?) e pessoas privilegiadas (e quais?) torna-se imprescindível. Tal como incontornável fica a interrogação acerca dos “poucos” que achavam “até há poucos anos” ser possível termos uma Justiça livre das manigâncias dos “privilegiados” – foi o Pedro um desses poucos ou um dos outros muitos? É que na campanha para as legislativas de 2011, as quais lhe permitiram exercer o cargo de primeiro-ministro, não há memória de ter feito tais denúncias – nem em nenhuma outra altura da sua carreira como político. Terá sido porque, até Junho de 2011, permanecia num estado de ignorância a respeito da devassa que ocorria na Procuradoria-Geral da República e nos tribunais? Porém, se de tal era ignorante ao tempo, como pôde encontrar a solução para o mal, a tal que declara ser a única solução possível? Terá sido Paula “Acabou a Impunidade” Teixeira da Cruz a indicar a santa Joana ou o Pedro escolheu à maluca e teve sorte? Mais importante do que satisfazer essa curiosidade é satisfazer esta: que nome devemos dar a um ex-presidente do PSD, e ex-deputado, e ex-primeiro-ministro, e ex-conselheiro de Estado, que vem para a rua garantir que testemunhou, ou que lhe provaram ter existido, crimes de uma gravidade inaudita na História de Portugal e que, apesar de estar na posse dessas informações, não se dirigiu ao Ministério Público para contar o que sabia às autoridades?
Neste último sábado, Cavaco Silva declarou “saber muito bem o que se passa na política”. Dias antes, tinha aparecido a ofender o Presidente da República, insinuando ser um títere do Governo, e a insultar o primeiro-ministro, difamando como “estranhíssima” a substituição da PGR. Noutras ocasiões, Cavaco tem reclamado ser uma entidade superior aos políticos, não se deixando enganar por ninguém e podendo dar lições de probidade a esta e às gerações vindouras. Pelo que não arriscaremos muito se concluirmos que a sua intervenção no dia 26 de Setembro, a lançar mais gasolina na fogueira das calúnias usando JMV como arma de arremesso político, tenha sido feita tendo plena consciência do que tinha dito Passos seis dias antes. A ser assim, ficamos com os dois responsáveis institucionais pela nomeação de uma certa procuradora-geral da República – aclamada e incensada por ter conseguido prender e acusar o maior ódio político dessa dupla – a urrarem com os bofes de fora contra um regime que tomou a decisão de substituir democrática, regular e bondosamente a procuradora-geral da República no final do seu mandato. Mentes que tentem imitar os critérios invocados por Passos e Cavaco ao tratarem Marcelo e Costa como criminosos acharão inevitavelmente que a sua escolha de Joana Marques Vidal para PGR em 2012 não foi democrática, nem regular, nem bondosa.
«Mentes que tentem imitar os critérios invocados por Passos e Cavaco ao tratarem Marcelo e Costa como criminosos acharão inevitavelmente que a sua escolha de Joana Marques Vidal para PGR em 2012 não foi democrática, nem regular, nem bondosa.»
Obviamente que foi “democratica, regular e bondosa”, Valupi ! Toda a gente sabe que não havia condições para reconduzir o Pinto Monteiro. Afinal o gajo nem sequer deixou fazer as tais perguntas quanto mais prender o Mafarrico, apesar das coisas gravissimas que o Pacheco Pereira ouvio nas tais escutas e não contou a ninguém. O que não se percebe é porque raios o Cavaco condecorou Pinto Monteiro. Obrigado não terá sido, pois por essa lógica também tinha condecorado o Sócrates, e foi o que se viu. É só mais uma “coerência” de um predestinado que nunca tem dúvidas e raramente se enagana.
https://www.jornaldenegocios.pt/economia/politica/detalhe/presidente_sublinha_reconhecido_merito_de_pinto_monteiro_carlos_cesar_e_moura_ramos
Que decisão “estranhissima” aquela de não ter reconduzido um PGR de tão “reconhecido mérito”.
Certamente que quem de direito, penso que o Ministério Público (M.P.), irá investigar as denúncias feitas pelo senhor ex-primeiro ministro, Passos Coelho, na carta publicada no Observador, se é que uma cópia de tal carta não foi também enviada para o M.P. ou até para a Polícia Judiciária. Aliás é provável que o Observador já esteja a investigar e muito me admiraria se o Correio da Manhã não estivesse já em campo.
entretanto a sic nomeou a procuradeira moura guedes para abrir uma peixaria no telejornal das 8 ás 2ªs feiras
Mais uma vez os dois verdadeiros chefes traidores ao país que cobardemente, sabendo bem por via directa e por Barroso, da aprovação do PEC IV pela UE em Bruxelas, vieram de imediato a público proclamar que não sabiam de nada e desse modo os portugueses vieram a gramar com um governo da troika e suas brutais, nefastas e dolorosas consequências para todos e os mais fracos especialmente, dizia, vieram com opiniões que só confirmam o seu enfadonho e miserável ódio à democracia e velhos desejos de regresso a um salazarismo que faça a vingança do 25 Abril.
Um governo da troika e dois lacaios em Lisboa troikianos em ‘double’ e, tão grandes e graves mediocridades sonsas e cobardes, que nem sequer são capazes de falar franco e atacar de frente os adversários políticos nomeando-os e se limitam a mandar recados insinuosos por via de casos da normalidade política corrente.
Cavaco & Passos a mesma luta contra a história e Portugal.
O problema não é a conclusão ser tão absurda, mas ser tão pouco surpreendente.
Eremita, de que falas? Isto admitindo que ainda não te entregaste ao monólogo em caixas de comentários alheias.
pois, ao inimigo passos aplica-se esta ladainha água benta (ai, tão bom cidadão que eu sou, haverá algum cidadão mais virtuoso que eu , interroga-se o beato V. ao espelho),” dever de reserva e zelo legal, institucional, constitucional e moral”, mas o amigo zézito pode vender cabritos sem ter cabras, pode gastar à tripa forra com todo o país a passar mal que no pasa na, todo normalito., tudo muito ético e moral. ” o que é ser socialista?”……nem o maduro pode tanto, coitado, apanhado a jantar no bem bom, foi logo apupado.
Angola e Manuel Vicente deram as suas ordens, e Costa foi lá para se certificar.
Até Marcelo baixou as calças!
o sol com esta inclinaçao faz mal a algumas pessoas…
Cavaco nomeou 2 PGR – Pinto Monteiro e Joana Marques Vidal, não tendo reconduzido Souto Moura nomeado por Jorge Sampaio. Porquê agora falarem em “decência” e em “coisa estranhíssima”? Há aqui algo que me escapa, ou talvez não.